Em São Paulo, das duas uma: ou os consumidores estão muito insatisfeitos com a operadora de energia elétrica Enel, ou os que estão satisfeitos andam escondidos. Os clientes relatam insatisfações variadas que abrangem desde falhas no fornecimento até a falta de informação durante interrupções de serviço.
Ademais, não são poucos os munícipes que se sentem abandonados em momentos de crise. E muitas vezes os cidadãos têm que enfrentar longas esperas para conseguir assistência. Em paralelo, não são poucas as histórias de erros e de falta de clareza nas informações fornecidas pelos atendentes. Só para exemplificar, recentemente, um consumidor contou à Consumidor Moderno que faltou energia no seu edifício, em São Paulo. Ele então acionou a operadora. Após horas de espera, ele foi informado que a equipe já tinha se dirigido ao local da ocorrência – no estado do Ceará.
A situação expõe não apenas falhas operacionais, mas também uma grave deficiência na comunicação entre a empresa e os seus consumidores.
Diversos outros relatos apontam para a dificuldade de se obter um retorno satisfatório após a notificação de problemas. E, por consequência, os consumidores se veem obrigados a procurar alternativas, como redes sociais, por exemplo, para obter visibilidade sobre suas queixas. Essa prática torna-se um desespero, pois a busca por soluções se transforma em uma experiência pública e, muitas vezes, humilhante.
O (des)serviço da Enel
Em suma, as queixas dos consumidores são pela ineficiência do serviço, mas também pela má qualidade no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Ao passo que esse canal deveria ser uma ferramenta para facilitar a comunicação entre a operadora e seus clientes.
Sobre o SAC, os consumidores ainda se dizem obrigados a contatar a empresa diversas vezes, e repetir em todas elas a mesma história, sem obter sucesso. A postura da empresa vai contra a Lei do SAC, de 2022, que obriga os negócios a garantir um atendimento que priorize a resolução dos problemas. Ademais, é obrigação dar agilidade no retorno, evitando o retrabalho para os clientes.
Fato é que essa situação provoca um sentimento de frustração e impotência. Em suma, a população paulista se queixa que a Enel não escuta a voz da população e nem está tomando providências para reverter essa percepção negativa. Prova disso, inclusive, está no painel do Consumidor.gov do último mês, que aponta, de 310 reclamações finalizadas pela empresa, com 2,7% de satisfações com o atendimento.
O que diz a Senacon?
A Consumidor Moderno questionou a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) sobre o caso. Ela diz que tem monitorado tanto o problema da falta de energia quanto a ineficiência do SAC da operadora da maior cidade do país. “Sabemos que o atendimento ao consumidor deve ser uma prioridade. É inaceitável que, em um momento de interrupção de um serviço tão essencial, os consumidores enfrentem barreiras adicionais devido a SACs ineficientes”.
Em suma, a Senacon está dialogando diretamente com as concessionárias, incluindo a Enel, e notificando as empresas para que aprimorem seus canais de atendimento. A Secretaria também está reforçando a fiscalização em parceria com os Procons estaduais e municipais. E, como se não bastasse, estuda, no momento, aplicar medidas mais incisivas. Entre elas, destaque para as sanções administrativas, em casos de reincidência ou descumprimento das normas de defesa do consumidor.
Atenção ao consumidor
Ademais, a Senacon tem dado atenção especial à proteção dos consumidores afetados por apagões, assegurando que os direitos sejam respeitados. “Isso inclui ações de fiscalização para que sejam cumpridos os prazos de restabelecimento de energia, a indenização por danos causados e a melhoria nos protocolos de atendimento ao consumidor. Ademais, estamos acompanhando os planos de contingência das concessionárias e exigindo maior transparência e clareza na comunicação com os consumidores em situações de crise”, informou a pasta.
Por consequência, a Senacon se diz comprometida em fortalecer a defesa dos consumidores brasileiros, especialmente em áreas de serviços essenciais, como energia elétrica. “Estamos trabalhando para aumentar a transparência e a responsabilidade das concessionárias, cobrando investimentos em infraestrutura e a melhoria nos serviços de atendimento ao consumidor. Reafirmamos que o consumidor brasileiro não está sozinho. Há instrumentos de proteção e órgãos competentes prontos para auxiliá-lo. Qualquer descumprimento das obrigações das empresas será tratado com o máximo rigor por parte da Senacon e das autoridades competentes”, pontua a Secretaria.
O que diz o Procon-SP?
Luiz Orsatti Filho, diretor executivo do Procon-SP, considera que a atuação da Enel na distribuição de energia elétrica nas mais de 20 cidades em que é concessionária está aquém do esperado. “Estamos falando de uma empresa que presta um serviço essencial à população”, aponta.
Inclusive, ele conta, o despreparo da Enel foi o estopim para que uma ação civil pública fosse movida pelo Governo de São Paulo através da Procuradoria Geral do Estado e em conjunto com a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) e a Fundação Procon-SP. “É uma ação que busca conseguir indenização individual para consumidores e uma multa pelos danos coletivos”, conta Orsatti.
Na tentativa de reverter os problemas de falta de energia e deficiência do SAC, em sua esfera administrativa de atuação, o Procon-SP tem adotado as medidas sancionatórias previstas no Código de Defesa do Consumidor e convocado a Enel para apresentar, de forma clara e detalhada, seus planos de reação a emergências e de resiliência a situações climáticas.
Consumidores lesados
“Estamos ainda colaborando com agências, Ministério Público e até com o Poder Legislativo com informações e dados sobre as dificuldades que os consumidores enfrentam, os quais têm sido usados em ações judiciais e em outras frentes de cobrança para que a Enel, de forma efetiva, melhore sua estrutura e seus processos de gestão”, ressalta Luiz Orsatti.
Aos consumidores que se sentirem lesados nos seus direitos, o Procon-SP recomenda, em primeiro lugar, formalizar, registrar e guardar uma reclamação com a empresa nos canais de atendimento disponibilizados pela Enel. Posteriormente, não havendo solução dentro dos prazos estabelecidos ou que o consumidor considere razoáveis face os problemas, pode fazer uma reclamação no Procon-SP, que disponibiliza postos de atendimento online e presencial. “Quanto mais documentado estiver o consumidor, melhor para conseguir uma solução junto à empresa”. Especificamente quanto aos aparelhos danificados, a orientação é, após registrar sua reclamação com a empresa, aguardar a vistoria”, finaliza.
O que diz a Aneel?
Também ciente da situação, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recomenda aos consumidores também registrarem suas reclamações no portal Consumidor.gov.
O registro no portal é uma ferramenta importante para que os consumidores possam relatar experiências de serviço, buscar esclarecimentos e acompanhar o andamento de suas solicitações.
Na visão da reguladora, a utilização do Consumidor.gov proporciona maior visibilidade às situações enfrentadas pelos usuários de energia, permitindo que a Aneel e as respectivas concessionárias se mobilizem para resolver os conflitos e melhorar a qualidade do atendimento prestado. Além disso, ao registrar suas insatisfações, os consumidores ajudam a construir um panorama mais claro dos desafios do setor elétrico, contribuindo para a formulação de políticas públicas e melhorias nos serviços.
Entretanto, a Aneel ressalta a importância de que o consumidor procure primeiro a distribuidora. Veja as formas de contato. Ao registrar a reclamação, a concessionária deverá fornecer um número de protocolo. Caso o problema não seja solucionado, o consumidor deve entrar em contato com a ouvidoria da distribuidora e informar o número de protocolo da reclamação.
Reclamações na Aneel
Se ainda assim o problema não tiver sido resolvido, o consumidor deve registrar sua reclamação na Aneel por um dos canais:
- Assistente virtual: ChatBot;
- Formulário no site da ANEEL;
- Aplicativo ANEEL Consumidor;
- Telefones 167 e 0800 7270167: de segunda à sábado, das 8 às 20 horas.
Sobre as medidas que a Aneel vêm tomando para reverter esse cenário, destaque para a aplicação de penalidades para as empresas como multas e compensações pagas aos consumidores por desconto na fatura em razão de extrapolar limites de duração e frequência estabelecidos pela reguladora. Ademais, a Agência abriu consulta pública para revisar regulamentação sobre interrupção de energia em eventos climáticos extremos.
A Consulta Pública nº 032/2024 estará aberta para contribuições até 12 de dezembro de 2024. A minuta de resolução pode ser acessadas no site Aneel, no espaço da Consulta Pública nº 032/2024.
A postura da Enel
Corroborando com a falta de atendimento aos consumidores, a Enel disse à Consumidor Moderno que só concederia a entrevista se pudesse ver antes as respostas da entrevista da Senacon e da Aneel.
A atitude da Enel levanta questionamentos sobre a transparência e a responsabilidade da empresa em relação aos seus clientes. Essa situação reforça a percepção de que as demandas dos consumidores pode estar sendo subestimada pelas concessionária de serviços públicos. Ademais, a necessidade de ter um controle sobre as respostas de órgãos reguladores para conceder uma entrevista demonstra uma preocupação em moldar a narrativa em torno de suas práticas, ao invés de adotar uma postura proativa em relação às críticas.
Por fim, a maneira como a Enel se comporta diante de questionamentos evidencia uma falta de disposição para dialogar abertamente com os consumidores.
A confiança é um elemento-chave nas relações de consumo, e situações como esta podem deteriorá-la. As empresas que não esclarecem dúvidas e não prestam contas não têm compromisso com a melhoria do atendimento, e muito menos em proporcionar transparência nas interações para que haja um avanço nas relações de consumo e na prestação de serviços à população.
Orientações finais aos consumidores
Por fim, a Senacon orienta ao consumidor registrar todas as tentativas de contato com a empresa, incluindo números de protocolo, datas e horários. Caso o problema persista, ele deve procurar o Procon do seu estado ou município, que pode intermediar a resolução, e o Consumidor.gov. “Se houver danos materiais ou morais em decorrência da interrupção de energia, o consumidor tem o direito de buscar reparação, podendo, se necessário, recorrer ao Judiciário”, finaliza a pasta.