A falta de energia em todo o Brasil está se tornando um fato alarmante. De um lado, a escassez de água impactando as hidrelétricas, operando abaixo da capacidade. O resultado nos meses de seca são racionamento e altas tarifas. Do outro, a crescente demanda por eletricidade em um país em desenvolvimento, as falhas na distribuição e a insuficiência de geração. Isso sem falar das chuvas e ventos, que são tratadas como se fossem fenômenos de um “outro mundo”. E ainda a (falta de) infraestrutura, que não acompanha o crescimento, resultando em sobrecarga nas redes elétricas.
As interrupções no fornecimento de energia afetam a todos, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, influenciando o consumo e a economia em geral. Um exemplo disso é uma pesquisa da Fecomercio, realizada em outubro na Grande São Paulo, que apontou perda econômica de R$ 1,65 bilhão após 3,1 milhões de imóveis ficarem sem luz por quatro dias consecutivos devido a um temporal. O apagão, que começou no dia 11/10 (sexta-feira), foi registrado até pelo satélite da NASA.
A Enel só conseguiu normalizar a distribuição de energia para quase todas as residências nos municípios afetados no dia 17/10 (quinta-feira). Esse foi mais um dos episódios que evidenciam a vulnerabilidade da infraestrutura elétrica e a necessidade de investimentos significativos para garantir a resiliência do sistema.
Falta de energia = paranoia
Em março deste ano, moradores e comerciantes dos bairros Higienópolis, Santa Cecília, Vila Buarque, Consolação, entre outros bairros da região central, ficaram sem energia por mais de 48 horas. Comércios perderam faturamento, e serviços essenciais foram interrompidos, deixando a população em estado de alerta. Até a Santa Casa de Misericórdia, crucial para a saúde, ficou sem luz e enfrentou sérios problemas.
E assim, todos os dias, pessoas estão sofrendo em seus lares ou locais de trabalho sem energia elétrica. No bairro de Santa Cecília, Bruno de Oliveira Fernandes, morador do Edifício Patricia, conta que o prédio ficou sem energia desde 5 horas da manhã de 12 de novembro até o dia 13 de novembro. Assim que o problema foi identificado, os moradores começaram uma espécie de “peregrinação” no Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) da Enel. Até o fechamento dessa publicação, os moradores tinham telefonado para a concessionária mais de 20 vezes.
“Em cada um desses contatos, as ideias eram totalmente discrepantes e a solução sempre parece distante. Os prazos eram sempre diferentes, e nunca cumpridos. Para agravar ainda mais a situação, quando conseguimos uma equipe, depois de muito custo, a concessionária enviou técnicos de serviço para poste, quando os cabos da rua onde o Edifício Patricia está localizado são subterrâneos”, conta Bruno.
Escuridão persistente
As horas foram se arrastando e a escuridão permanecia como um lembrete constante da ineficiência no atendimento. “Em um dos contatos, a empresa chegou a afirmar que enviaria equipes técnicas para o Ceará, mesmo o prédio estando localizado em São Paulo. Outra hora falou que estaria enviando equipe para Osasco. Quando a Enel finalmente chegou ao local, nós pensamos que conseguiríamos de fato solucionar o problema, mas enfrentamos mais uma decepção”.
O desapontamento se deu porque os técnicos, que chegaram às 10 horas da manhã, tiveram que ir embora às 16 em ponto. “Eles permaneceram no local por seis horas, causando, inclusive, a queda de outras fases de energia. Em outras palavras, o que ainda funcionava no prédio deixou de funcionar. Além disso, como o horário de trabalho da equipe era até às 16 horas, eles justificaram que não poderiam concluir o conserto”, pontuou Bruno.
Então, os moradores do Edifício Patrícia abriram chamados na Enel, na ouvidoria da empresa e na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e reclamação junto ao Ministério Público. Entretanto, até às 18 horas de 13/11, nada tinha sido feito. “Uma situação preocupante e calamitosa porque no condomínio há muitos residentes idosos e pessoas acamadas”.
A situação foi resolvida na noite de 13 de novembro.
Os problemas da ausência de energia
A ausência de eletricidade não apenas implica na segurança e o bem-estar dos munícipes, mas também pode comprometer a saúde de pessoas que dependem de equipamentos médicos eletrônicos. Além disso, a falta de energia elétrica pode prejudicar o funcionamento de serviços essenciais, como hospitais, que precisam de energia constante para operar suas máquinas e atender pacientes. O desabastecimento de energia pode gerar ainda situações de emergência médica, dificultando a realização de procedimentos que requerem tecnologia e equipamentos modernos.
Como já dito, a interrupção do fornecimento de energia elétrica também afeta a indústria e o comércio, levando a perdas financeiras significativas e, consequentemente, ao aumento do desemprego. Empresas incapazes de operar normalmente podem ter sua produção paralisada, o que impacta diretamente na economia local e na vida cotidiana dos cidadãos.
Adicionalmente, a ausência de energia elétrica pode interferir na comunicação e no acesso à informação, uma vez que muitos serviços de internet e telefonia dependem de rede elétrica. Isso pode criar um ciclo de desinformação e insegurança, dificultando que as pessoas mantenham contato com familiares e amigos ou obtenham informações vitais em momentos críticos.
Energia ineficiente = SAC ineficiente
E, como se não bastasse o problema da falta de energia propriamente dito, a narração do munícipe Bruno de Oliveira Fernandes nos faz parar e pensar nos objetivos de um SAC. Em tese, o Serviço de Atendimento ao Consumidor serve para garantir que os clientes tenham acesso a informações claras, apoio e soluções para suas dúvidas ou problemas. Este serviço deveria proporcionar uma experiência positiva, promovendo a satisfação e a lealdade do consumidor.
Além disso, o Decreto nº 11.034/2022, conhecido como Decreto SAC, determina que as empresas reguladas pelo Governo Federal (como as concessionárias de energia elétrica, por exemplo) disponibilizem diferentes canais de contato e interação aos consumidores. O propósito desta ação é aprimorar o atendimento. Ou seja, a ideia é tornar solicitações, dúvidas, reclamações, cancelamentos e diversos outros serviços mais acessíveis e organizados.
Código de Defesa do Consumidor
O fornecimento de energia elétrica ininterrupto é um direito do consumidor, conforme o artigo 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/1995. Em outras palavras, um fornecimento estável de energia é um direito de todos e um pilar para o desenvolvimento econômico.
Em caso de falta de energia, a companhia de energia deve restituir o fornecimento em até 4 horas em áreas urbanas e em 6 horas em áreas rurais. A operadora também deve compensar financeiramente o consumidor se não cumprir o prazo.
Fato é que ficar sem energia elétrica é sinônimo de privações. Sem luz, sem internet, sem refrigeração. Muitas vezes sem direito a locomoção, como o caso das pessoas idosas que moram no alto dos edifícios, e com a insegurança nas ruas, cada vez mais esse crise vem ressaltando a importância de um sistema de energia confiável nas cidades. E os três exemplos de hoje levantam questões sobre a infraestrutura elétrica das cidades brasileiras. Quais medidas estão sendo tomadas para evitar novos apagões?
Atendimento ruim
Já o Procon-SP está ciente das dificuldades que os consumidores encontram ao tentar contato com a Enel por meio dos canais que eles disponibilizam. Inclusive, o assunto faz parte do rol de problemas reclamados na Fundação. “Por se tratar de serviço essencial, as falhas de atendimento de uma empresa concessionária de distribuição de energia elétrica se tornam ainda mais graves, já que dentre os consumidores impactados são encontradas situações emergenciais como pessoas presas em elevadores, alimentos ou remédios que necessitam de refrigeração, pessoas idosas que residem em edifícios e ficam impossibilitadas de sair ou entrar em suas residências, ou ainda moradias onde há equipamentos de suporte à vida e que precisam entender a extensão do problema para se organizarem”.
Na tentativa de reverter esse cenário, o Procon-SP diz estar recomendando com muita ênfase a necessidade de empresas ampliarem seus canais de atendimento, não se restringindo a aplicativos ou mensagens automatizadas. Isso porque há ainda uma grande parcela da população que tem dificuldade em interagir com estes sistemas robotizados, sem contar que estas ferramentas ainda não conseguem atender a todas as situações. Esta situação foi comprovada através de enquetes feitas em 2023 e 2024 com usuários do site do Procon-SP, sobre atendimento automatizado por Inteligência Artificial. O objetivo desta consulta era captar a percepção do consumidor em relação à efetividade destas ferramentas no atendimento das demandas. E os resultados foram claros sobre a dificuldade de os consumidores serem atendidos, quanto mais resolverem os problemas.
Luiz Orsatti Filho, diretor executivo do Procon-SP enaltece que a Fundação tem adotado diversas ações para resolver problemas relacionados à Enel. Entre elas, está recebendo reclamações, promovendo encontros de conciliação entre a empresa e fornecedores, e aplicando multas quando são identificadas práticas que causam danos coletivos. Além disso, o órgão tem exigido planos de resiliência e resposta a emergências climáticas, que são apontadas como causas dos apagões em São Paulo nos últimos 12 meses. Desde novembro de 2023, já foram aplicadas três multas à Enel. “Para o Procon-SP, a atuação da Enel na distribuição de energia elétrica nas mais de 20 cidades em que é concessionária está aquém do esperado. Inclusive, esta situação motivou recentemente uma ação civil pública contra a Enel, movida pelo Governo de São Paulo através da Procuradoria Geral do Estado e em conjunto com a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) e a Fundação Procon-SP. Esta ação busca conseguir indenização individual para consumidores e uma multa pelos danos coletivos”.
Orientações
Sobre os casos de ineficiência na prestação de serviços, como por exemplo o que acontece hoje no Edifício Patricia, a orientação do Procon-SP é que os moradores continuem fazendo contato com a empresa e documentando todos os acessos, respostas, trabalhos técnicos e questões que geram prejuízos como equipamentos queimados e alimentos e remédios estragados, ou ainda gastos com geradores e outros que estejam diretamente relacionados à falta de energia. E não havendo respostas ou solução do problema, registrar uma reclamação no site do Procon-SP anexando todos estes comprovantes. A empresa será comunicada e o caso pode suscitar uma ação fiscalizatória e novas sanções.
O Procon-SP também orienta os consumidores que perderam alimentos ou medicamentos, que guardem a documentação que comprove o dano – como nota fiscal, rótulos e receitas no caso de medicamentos, por exemplo – e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados. “Quanto mais documentado estiver o consumidor, melhor para conseguir uma solução junto à empresa. Especificamente quanto aos aparelhos danificados, a orientação é, após registrar sua reclamação com a empresa, aguardar a vistoria”, explica Luiz Orsatti Filho, diretor executivo do Procon-SP.
Regulação
Diante do aumento na frequência de casos de consumidores sem energia elétrica, a Aneel lançou no dia 13 de novembro uma consulta pública. O foco da ação é melhorar o atendimento dos agentes do setor elétrico durante situações de emergência e promover boas práticas para a resiliência das redes. Durante a Reunião Pública da Diretoria, a diretora relatora do processo, Agnes da Costa enfatizou que, segundo os contratos de concessão, é obrigação dos concessionários gerenciar suas operações para assegurar níveis de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualização, abrangência e cortesia na prestação do serviço. Isso vale independentemente das circunstâncias. “A atuação da Agência tem como propósito contribuir para que isso aconteça, criando os incentivos adequados para os concessionários”.
A diretora também sublinhou a importância de aprimorar a comunicação com o consumidor, com base nas experiências adquiridas nas últimas emergências acompanhadas pela Aneel. “Fornecer a melhor informação disponível ao consumidor minimiza os impactos em suas vidas. Trata-se de uma ação que deve ser parte integrante da gestão de crise, recebendo igual prioridade ao restabelecimento do serviço, não podendo ser relegada a segundo plano”, afirmou.
Foco no consumidor
A proposta de regulação da Aneel, apresentada na consulta pública, foca no atendimento ao consumidor de energia elétrica, visando atenuar desconfortos e prejuízos derivados da interrupção no fornecimento. Confira os principais pontos:
- Compensação ao consumidor. A Aneel propõe a compensação financeira dos consumidores em situações de emergência, quando o fornecimento for interrompido por mais de 24 horas em áreas urbanas e 26 horas nas áreas rurais. A compensação será aplicada como um abatimento na fatura de energia, levando em consideração o valor da tarifa e as horas sem o serviço;
- Ressarcimento de danos a equipamentos. A proposta permite o ressarcimento aos consumidores que sofrerem danos em seus equipamentos elétricos durante eventos de emergência ou calamidade, algo que atualmente não está contemplado na Resolução nº 1.000/2021;
- Comunicação clara e atualizada. Conforme a proposta, as distribuidoras deverão informar aos consumidores sem energia elétrica em até 15 minutos sobre a interrupção, comunicando a causa, a área afetada e o tempo estimado para a restauração do fornecimento. Além disso, as distribuidoras devem manter seus sites atualizados a cada cinco minutos com informações sobre ocorrências, número de consumidores afetados e mapas das áreas impactadas. O descumprimento destas exigências acarretará multas e outras sanções cabíveis.
Eventos críticos
O planejamento para enfrentar eventos extremos pelas transmissoras e distribuidoras de energia é prioritário na proposta em consulta pública da Aneel. As principais medidas incluem:
- Poda de vegetação em situações de risco;
- Adoção de ações preventivas e corretivas;
- Plano de manejo vegetal atualizado anualmente;
- E publicação de relatórios.
Ademais, a Aneel sugere a elaboração e divulgação de planos de contingência. Isso inclui monitoramento climático e procedimentos para atendimento durante eventos extremos. As informações deverão ser enviadas à Aneel e ao Operador Nacional do Sistema (ONS). Por fim, as distribuidoras devem estabelecer um plano de comunicação que notifique o Poder Público imediatamente após identificar um evento crítico. E estarão obrigadas a manter um canal exclusivo e atendimento humano 24 horas em emergências.
A Consulta Pública nº 032/2024 estará aberta para contribuições até 12 de dezembro de 2024. A minuta de resolução pode ser acessadas no site Aneel, no espaço da Consulta Pública nº 032/2024.