A disseminação de publicidades enganosas referentes à tecnologia 5G tem se tornado motivo de desassossego. Essa prática, que muitas vezes visa deslumbrar consumidores mediante informações distorcidas ou perspectivas exageradas, pode levar a graves repercussões, tanto para os consumidores quanto para as empresas envolvidas.
Neste sentido, as publicidades simuladas podem abarcar considerações sobre a cobertura de serviços ou a velocidade da internet. Em geral, os anúncios asseguram uma experimentação de conectividade que não se concretiza. Por consequência, o resultado é a frustração e o descontentamento entre os consumidores. Essa desinformação não apenas lesa a confiança dos usuários, mas também compromete a intangibilidade do mercado.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estipula regras que tencionam impedir práticas comerciais abusivas. Dentre elas, está justamente a publicidade enganosa. Essa realidade verifica-se quando a mensagem de um serviço e/ou produto influencia o consumidor a equívoco. Ou então leva a pessoa a erro. Em outras palavras, é uma comunicação que faz com que a pessoa tome decisões que, de outro modo, não tomaria.
Publicidade enganosa
Em termos legais, a publicidade enganosa é delineada como toda referência que omita dados indispensáveis ou que, de forma desvirtuada, apresenta qualidades, atributos ou preços diferentes. Isso engloba, mas não se encerra, a comparações falsas, promessas irrealizáveis ou omissões sobre riscos.
O CDC, em seu artigo 37, proíbe expressamente a publicidade que possa levar o consumidor ao erro, considerando-a abusiva. Em outras palavras, os consumidores têm o direito de ser informados de maneira clara, objetiva e verídica sobre o que estão adquirindo.
O parágrafo 1º, do artigo 37 do CDC diz assim: “é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.
Por sua vez, o parágrafo 3º, também do artigo 37, estipula que a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
As companhias multadas
Baseada nesse dispositivo, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), multou as operadoras de telefonia Oi, Vivo e TIM por veiculação de publicidades enganosas relacionadas à tecnologia 5G. As penalidades foram impostas devido à falta de esclarecimento adequado por parte das empresas sobre as limitações das tecnologias conhecidas como DSS (Dynamic Spectrum Sharing) e refarming.
O DSS permite que diferentes tecnologias de comunicação, como 4G e 5G, compartilhem o mesmo bloco de espectro em tempo real. Isso significa que as operadoras podem alocar recursos de forma mais flexível e eficiente, atendendo à demanda variável dos usuários.
O refarming, por outro lado, refere-se à reatribuição de faixas espectrais anteriormente utilizadas por uma tecnologia mais antiga para novas tecnologias. Por exemplo, uma operadora pode desativar sua rede 2G ou 3G em uma determinada frequência e reconfigurar essa faixa para uso em 4G ou 5G.
Veracidade de informações
Neste sentido, e conforme a Senacon, os consumidores foram levados a acreditar que poderiam usufruir da tecnologia de quinta geração no Brasil. Contudo, na verdade, o serviço promovido era uma versão inferior, que possibilita o uso das redes 4G de maneira mais similar ao 5G, mas ainda com limitações em relação ao 5G standalone.
Essas práticas infringem as normas estabelecidas no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, especialmente no que se refere à clareza e veracidade das informações divulgadas. “As empresas divulgaram a tecnologia 5G sem esclarecer que se referiam à versão ‘non standalone‘, que depende das tecnologias DSS ou refarming, sem contar com antenas próprias e equipamentos dedicados”, explica Wadih Damous, secretário Nacional do Consumidor.
Direitos básicos
O artigo 6º do CDC precisa que são direitos básicos do consumidor, portanto, entre outros pontos:
- Educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
- Informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
- Proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
- Modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
- Efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
- Acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
Para aplicar as multas, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) levou em conta a situação econômica de cada empresa, a magnitude dos danos ocasionados e a gravidade das infrações para determinar o valor das multas, consoante o Código de Defesa do Consumidor e a Portaria da Senacon n.º 7, de 5 de maio de 2016.
O que diz a Portaria nº 7?
A Portaria n.º 7, de autoria de Juliana Pereira da Silva, à frente da Senacon em 2016 e com ampla experiência em projetos e políticas públicas na área de Proteção ao Consumidor, estabelece os procedimentos para a aplicação de sanções administrativas pela Senacon. Tais critérios estão segundo as normas de proteção ao consumidor.
As sanções incluem advertências, multas, suspensão temporária de atividades e interdição total ou parcial do estabelecimento, aplicáveis em decorrência de infrações às normas de defesa do consumidor. A aplicação das sanções observa sempre o princípio da proporcionalidade, levando em consideração a gravidade da infração, os danos causados ao consumidor e a condição econômica do infrator.
As infrações são classificadas em quatro grupos, conforme sua natureza e gravidade. Para definir a sanção a ser aplicada em cada caso, devem ser considerados parâmetros como a natureza e gravidade da infração, a extensão dos danos aos consumidores, a condição econômica do fornecedor e a proporcionalidade entre a infração e a sanção. No caso de múltiplos infratores, cada um receberá uma penalidade individualizada, conforme esses critérios.
A multa
A decisão considerou a situação financeira das empresas, a magnitude do dano, bem como a natureza e a gravidade da conduta. O total das sanções soma R$ 4.797.156,33. A Oi S/A, que está em recuperação judicial, recebeu uma multa de R$ 1,33 milhão; a Telefônica Brasil S.A. (Vivo) foi multada em R$ 1,4 milhão; e a TIM S/A teve uma multa de R$ 2 milhões.
É importante destacar que, em maio último, a Senacon aplicou uma multa de R$ 922.869,00 à empresa Claro S/A devido a práticas inadequadas, incluindo falhas na prestação de informações e publicidade enganosa, também relacionada à tecnologia 5G. A Claro utilizou a tecnologia DSS, mas anunciou seus serviços como sendo 5G, o que gerou confusão entre os consumidores. Apesar de a empresa ter feito ajustes em suas peças publicitárias após intervenções do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), essas alterações foram consideradas insuficientes, uma vez que as informações continuaram pouco visíveis e mal explicadas.
A situação destaca a importância da clareza e da transparência nas comunicações de marketing, especialmente em um setor tão competitivo e em rápida evolução como o de telecomunicações. Os consumidores devem ser capazes de entender exatamente o que estão comprando, e as empresas têm a responsabilidade de fornecer informações precisas e acessíveis. A utilização de termos técnicos como “DSS” sem uma explicação adequada pode levar a mal-entendidos e insatisfação do cliente.
Preocupação de informar
Segundo Vitor Hugo do Amaral Ferreira, diretor do DPDC, as publicidades das operadoras deveriam ter sido elaboradas não apenas com a preocupação de cumprir o dever de informar. Pelo contrário: as propagandas careceriam ter sido feitas com o esmero de garantir que a informação fosse bem compreendida. “A falta de esclarecimento sobre as características da tecnologia oferecida prejudicou a expectativa legítima do consumidor, que, ao contratar o serviço, acreditou estar adquirindo a qualidade do 5G standalone”, concluiu.
As operadoras agora são obrigadas a depositar o valor das multas no Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD). Entretanto, as empresas ainda podem recorrer administrativamente da decisão. Se não apresentarem recurso até 2 de agosto, a Coordenação-Geral de Consultoria Técnica e Sanções Administrativas encaminhará os autos à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Essa, por sua vez, inscreverá o débito na Dívida Ativa da União.
Atualmente, 20,5 milhões de brasileiros utilizam a tecnologia 5G. Surpreendentemente, o número representa um crescimento de 3,5 vezes em relação a 2022, conforme levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Os benefícios do 5G
A expansão do 5G no país propicia uma conexão mais ágil e estável. Em outras palavras, a difusão favorece áreas como cidades inteligentes, telemedicina, indústria 4.0, entretenimento e outros segmentos relacionados a inovações tecnológicas.
“No setor de saúde, por exemplo, o 5G possibilitará diagnósticos mais precisos e cirurgias assistidas por tecnologia”, destacou Fabio Jacon, vice-presidente de Telecomunicações da Associação Brasileira de Avaliação da Conformidade (Abrac). “Em suma, no que tange às cidades inteligentes, o 5G será um facilitador na implementação de soluções de transporte eficazes, sistemas avançados de segurança e gestão de energia sustentável”.
O especialista também ressaltou que as operadoras de telecomunicações estão se dedicando à expansão do 5G no país. Entretanto, para uma implantação bem-sucedida, são necessários investimentos em infraestrutura de rede, que incluem antenas, fibra óptica e equipamentos de transmissão. “É fundamental destacar que todo esse equipamento deve ser submetido a ensaios e testes laboratoriais. Não apenas para validar sua eficácia, mas também para assegurar a segurança dos usuários”, acrescentou Jacon.
A Abrac congrega os principais laboratórios e certificadoras acreditadas pelo Inmetro, responsáveis pela conformidade de produtos e sistemas disponíveis para os cidadãos.
Passo a passo
Os dispositivos relacionados à tecnologia 5G precisam passar por seis principais testes: Conformidade de Padrões, Desempenho, Interoperabilidade, Segurança e Resiliência, Propagação de Sinais e Compatibilidade. Os produtos que forem aprovados nos testes recebem o selo do Organismo de Certificação do Produto (OCP) e da Anatel.
O OCP é uma entidade responsável por avaliar e certificar a conformidade de produtos com normas e regulamentos específicos. Essas certificações visam garantir a qualidade, segurança e eficiência dos produtos disponíveis no mercado. O OCP realiza auditorias, testes e avaliações técnicas. O objetivo é assegurar que os produtos atendam aos requisitos legais e de desempenho estabelecidos por legislações e normas nacionais e internacionais.
Já a Anatel serve como reguladora e fiscalizadora do setor. A autarquia certifica que as operações das operadoras de telecomunicações estejam de acordo com os regulamentos estabelecidos. Uma das suas funções cruciais é assegurar a qualidade dos serviços prestados, o que é especialmente relevante no contexto da implementação da tecnologia 5G.
A avaliação da conformidade visa informar e proteger o consumidor. Isso se dá especialmente em relação à saúde, segurança e meio ambiente. Ademais, entre os propósitos da avaliação, estão:
- Promoção de uma concorrência justa;
- Incentivo à melhoria contínua da qualidade;
- Progressão do comércio internacional;
- Fortalecimento do mercado interno.