/
/
A retomada da segurança jurídica pela Senacon

A retomada da segurança jurídica pela Senacon

Revogação de medidas cautelares em relação aos casos de telemarketing ativo e parcelamento sem juros demonstram postura mais técnica do órgão.

A adoção de medidas cautelares por autoridades de Direito do Consumidor pode ocorrer em situações de gravidade, nas quais a continuidade da prática pode violar direitos e colocar consumidores em risco. Nos termos do art. 18 do Decreto n. 2.181, de 20 de março de 1997 (Decreto n. 2.181/1997) e do art. 7° da Portaria n. 7, de 5 de maio de 2016 (Portaria n. 7/2016), cautelares podem ocorrer mesmo antes da manifestação do interessado, sem obstar o prosseguimento do procedimento.

Recentemente, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) revogou duas medidas cautelares em casos distintos, o primeiro sobre o telemarketing ativo e o segundo sobre o parcelado sem juros, demonstrando prezar por decisões técnicas e devidamente motivadas para a manutenção de medidas que não são usuais, como cautelares. Como embasamento legal, a Senacon amparou a revogação na lei n. 9.784, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, citando o art. 65, que estabelece a possibilidade de que a Administração Pública revise os seus atos, caso surjam fatos novos ou circunstâncias relevantes.

No primeiro caso, a Senacon aplicou a medida cautelar a diversos bancos para que cessassem imediatamente o contato com consumidores por meio do telemarketing ativo, que consistia em ligações e envio de mensagens a consumidores com mensagens publicitárias. A determinação coincidiu com o posicionamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre o uso de prefixo 0303 para chamadas, a fim de que os consumidores tivessem mais facilidade para identificar e bloquear ligações de telemarketing.

Apesar do contexto, os processos na Senacon careciam de evidências para que a cautelar fosse mantida, tendo em vista que foram instaurados a partir de notícias de jornais apenas. Não houve qualquer oportunidade para que as empresas se manifestassem antes da instauração do processo, que foi concomitante com a determinação da cautelar. Ao revogá-la, a Senacon abordou a possibilidade de realizar o telemarketing nos parâmetros estabelecidos pela Anatel e as decisões judiciais que suspenderam o efeito da sua decisão. Portanto, considera-se acertado e técnico o desfecho, por observar os padrões adotados pelo órgão regulador e as ponderações judiciais, que motivaram as suspensões.

No segundo caso, a Senacon aplicou medida cautelar, provocada por denúncia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) sobre suposta cobrança de juros remuneratórios na modalidade “parcelado sem juros”, de forma dissimulada, por instituições financeiras. No entanto, a própria Senacon revogou a medida por considerar as manifestações das instituições, no sentido que inexiste qualquer cobrança de juros aos consumidores, sendo o parcelamento realizado ligado apenas aos lojistas.

Em ambos os casos, nota-se a postura técnica da Senacon em tomar decisões com base em evidências, resultando na revisão dos seus próprios atos. Pela inexistência de indícios suficientes, em contextos distintos, a revogação se justificou por ser a medida jurídica para preservar a segurança jurídica e reservar a manutenção de cautelares para momentos de justificada gravidade.

Nesse sentido, a súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal (STF) dispõe que a Administração Pública pode revogar os seus atos “(…) por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Assim, o princípio da legalidade confere à Administração Pública o poder-dever de convalidar ou revogar os próprios atos, como leciona Di Pietro. Portanto, trata-se de medida que possui o amparo legal, doutrinário e jurisprudencial.

Sabe-se que as cautelares são instrumentos relevantes para a proteção dos consumidores, mas devem ocorrer apenas em situações de extrema relevância. Em casos sem a devida comprovação, é pertinente que o contraditório e a ampla defesa sejam garantidos, como meio de evitar a exposição indevida das empresas atingidas pelas medidas, tendo em vista a divulgação de notícias a respeito.

Desse modo, a revogação das cautelares indica que a Senacon tem adotado uma postura mais técnica e amparada em evidências. Ao notar que os casos carecem de indícios, a revogação tem sido a medida de justiça para que defesas possam ser apresentadas, com o regular prosseguimento dos processos administrativos.

Luciano Timm é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo e sócio do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados.

Colaborou com o artigo Jacqueline Salmen Raffoul, sócia no CMT Advogados, na área de Direito do Consumidor.

Compartilhe essa notícia:

WhatsApp
X
LinkedIn
Facebook
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recomendadas

MAIS MATÉRIAS

SUMÁRIO – Edição 290

A evolução do consumidor traz uma série de desafios inéditos, inclusive para os modelos de gestão corporativa. A Consumidor Moderno tornou-se especialista em entender essas mutações e identificar tendências. Como um ecossistema de conteúdo multiplataforma, temos o inabalável compromisso de traduzir essa expertise para o mundo empresarial assimilar a importância da inserção do consumidor no centro de suas decisões e estratégias.

A busca incansável da excelência e a inovação como essência fomentam nosso espírito questionador, movido pela adrenalina de desafiar e superar limites – sempre com integridade.

Esses são os valores que nos impulsionam a explorar continuamente as melhores práticas para o desenho de uma experiência do cliente fluida e memorável, no Brasil e no mundo.

A IA chega para acelerar e exponencializar os negócios e seus processos. Mas o CX é para sempre, e fará a diferença nas relações com os clientes.

CAPA: Rhauan Porfirio e Camila Nascimento
IMAGEM: Adobe Stock


Publisher
Roberto Meir

Diretor-Executivo de Conhecimento
Jacques Meir
[email protected]

Diretora-Executiva
Lucimara Fiorin
[email protected]

COMERCIAL E PUBLICIDADE
Gerentes-Comerciais
Angela Souto
[email protected] 

Daniela Calvo
[email protected]

Elisabete Almeida
[email protected]

Érica Issa
[email protected]

Natalia Gouveia
[email protected]

NÚCLEO DE CONTEÚDO
Head de Conteúdo
Larissa Sant’Ana
[email protected]

Editor-assistente
Thiago Calil
[email protected]

Editora do Portal 
Júlia Fregonese
[email protected]

Produtores de Conteúdo
Bianca Alvarenga
Danielle Ruas 
Jéssica Chalegra
Marcelo Brandão
Nayara de Deus

Head de Arte
Camila Nascimento
[email protected]

Designers
Isabella Pisaneski
Rhauan Porfirio

Revisão
Elani Cardoso

COMUNICAÇÃO
Gerente de Comunicação e Cultura
Simone Gurgel

MARKETING
Gerente de Marketing
Ivan Junqueira

Coordenadora
Bárbara Cipriano

TECNOLOGIA
Gerente

Ricardo Domingues


CONSUMIDOR MODERNO
é uma publicação da Padrão Editorial Ltda.
www.gpadrao.com.br
Rua Ceará, 62 – Higienópolis
Brasil – São Paulo – SP – 01234-010
Telefone: +55 (11) 3125-2244
A editora não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos ou nas matérias assinadas. A reprodução do conteúdo editorial desta revista só será permitida com autorização da Editora ou com citação da fonte.
Todos os direitos reservados e protegidos pelas leis do copyright,
sendo vedada a reprodução no todo ou em parte dos textos
publicados nesta revista, salvo expresso
consentimento dos seus editores.
Padrão Editorial Eireli.
Consumidor Moderno ISSN 1413-1226

NA INTERNET
Acesse diariamente o portal
www.consumidormoderno.com.br
e tenha acesso a um conteúdo multiformato
sempre original, instigante e provocador
sobre todos os assuntos relativos ao
comportamento do consumidor e à inteligência
relacional, incluindo tendências, experiência,
jornada do cliente, tecnologias, defesa do
consumidor, nova consciência, gestão e inovação.

PUBLICIDADE
Anuncie na Consumidor Moderno e tenha
o melhor retorno de leitores qualificados
e informados do Brasil.

PARA INFORMAÇÕES SOBRE ORÇAMENTOS:
[email protected]