“Imagine um cenário de consumo em que cada consumidor, independentemente de onde esteja, tenha à sua disposição um aliado pronto para defender seus direitos. No Espírito Santo, os 47 Procons físicos espalham-se por 60% dos nossos 78 municípios. À primeira vista, pode parecer que 47 é um número modesto. Mas, na verdade, isso significa que uma boa parte da população já tem acesso a essa importante ferramenta de proteção ao consumidor”. Foi com essas palavras que Letícia Coelho, diretora geral do Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Espírito Santo (Procon-ES), deu início a 35ª Reunião da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).
Segundo Letícia Coelho, os Procons são “verdadeiros guardiões do mercado de consumo”, vez que estão sempre atentos e prontos para agir. “Eles não apenas monitoram as relações de consumo, mas também orientam os cidadãos sobre seus direitos. Eles realizam pesquisas de preços e combatem práticas comerciais indevidas que podem prejudicar os mais vulneráveis. Entre eles, os aposentados e idosos, que muitas vezes desconhecem os direitos que possuem. Além disso, os Procons se empenham em enfrentar um problema grave do consumo, que é o endividamento. Para tanto, os órgãos oferecem suporte e informações valiosas para aqueles que se encontram em dificuldades financeiras”, pontuou a diretora do órgão que existe há 41 anos.
Consumo: Uma relação infindável
As seguintes autoridades públicas formaram a mesa solene do evento:
- Wadih Damous, secretário nacional do Consumidor;
- Rafael Pacheco, secretário estadual de Justiça do ES, que no ato representou o vice-governador do Espírito Santo, Ricardo Ferraço;
- Leticia Coelho; diretora geral do Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Espírito Santo (Procon-ES);
- Yuri Amaral, procurador geral do Estado do Espírito Santo (PGE/ES);
- Érica Neves, presidente da OAB-ES.
Nas palavras de Wadih Damous, a temática das relações de consumo é ilimitada. Ou seja, tudo se resume a relações de consumo. “São vários os assuntos que afetam diariamente o dia a dia de todas as pessoas. Aumento de combustíveis, apagões em São Paulo e em outras partes do Brasil, as questões relacionadas a planos de saúde, companhias aéreas e as bets… Nossa responsabilidade, por força de lei, é coordenar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Isso não é uma tarefa simples, pois muitas questões de consumo que precisam ser abordadas não dependem exclusivamente de nós”.
Decreto do SAC: Em prol do consumidor
Imagem: Reprodução/ YouTube.
Só para exemplificar, ele citou que a Senacon gostaria de ter apresentado à sociedade brasileira o Decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). A ideia era apresentá-lo ao Executivo Nacional até o fim do ano passado. “Infelizmente, ainda não conseguimos. A pasta finalizou a minuta e incorporou as contribuições do sistema e do mercado. Entretanto, o gabinete do ministro da Justiça [Ricardo Lewandowski] ainda não liberou o Decreto, que provavelmente está revisando a minuta para melhorá-la”, pontuou Wadih Damous.
Outra questão por ele abordada na abertura do encontro é o funcionamento do ProConsumidor e do Consumidor.gov, que tem causado preocupações em todo o sistema. “Já tentamos encontrar soluções de várias formas. Fomos informados pela área técnica do Ministério da Justiça que o problema está relacionado ao financiamento. Por essa razão, decidimos colocar esse projeto para ser resolvido pelo Fundo Nacional de Direito Difuso. Entretanto, enfrentamos outro obstáculo com o fundo, que é o contingenciamento”.
Importante destacar que contingenciamento é a medida que limita despesas do orçamento público quando a arrecadação é menor do que o esperado.
Lei Orçamentária Anual
Então, Wadih contou que, atualmente, o Fundo possui cerca de R$ 3 bilhões contingenciados. Isso significa que uma série de projetos em prol do consumo que poderiam já estar em andamento está à espera de um descontingenciamento que nunca chega.
“A Lei Orçamentária Anual (LOA) já foi aprovada, e agora precisamos aguardar a nossa parte. Não tenho dúvida de que a questão do ProConsumidor é prioridade”, disse Wadih Damous pontuando que qualquer valor que seja desbloqueado será imediatamente utilizado para resolver o problema de forma definitiva, pois ele impacta não apenas o seu funcionamento, mas, principalmente, os consumidores que necessitam de um sistema eficaz. “É uma frustração saber que um Procon precisa encerrar o atendimento devido à falha do sistema. Cada vez que isso acontece, sinto que é uma derrota nossa, do governo e da sociedade como um todo. Não podemos aceitar isso passivamente, sabemos que sem a atuação dos Procons, o sistema não avança”.
Jogos de azar
Outra lacuna atual apresentada por Wadih Damous está relacionada ao endividamento, bem como aos problemas mentais e sociais, provocados pelas bets. “O vício em jogos é tão prejudicial quanto o vício em drogas ou álcool. Não podemos assistir, passivamente, todos os domingos, durante as partidas de futebol, e em intervalos de programas de televisão, às propagandas desses jogos. Esse é um trabalho que precisamos realizar com determinação, pois a preservação das nossas crianças e a integridade das famílias estão em jogo”.
Procon nas Escolas
Entre as novidades apresentadas na 35ª reunião do Senacon com o SNDC, destaque para uma iniciativa do Procon capixaba que promete transformar a relação dos jovens com o consumo e a educação financeira. O projeto “Procon nas Escolas”, integrante do programa Jovem Consumidor, tem por objetivo levar informação e empoderamento aos jovens capixabas, promovendo um futuro com consumidores mais conscientes, informados e preparados para os desafios da sociedade.
O projeto será destinado a estudantes do Ensino Fundamental I e II, enquanto o Jovem Consumidor atenderá alunos do Ensino Médio. Ambas as iniciativas têm como objetivo fortalecer o protagonismo juvenil e incentivar práticas de consumo mais conscientes, sustentáveis e responsáveis. Nesta primeira fase, o projeto pretende alcançar mais de dois mil alunos em 13 escolas públicas, promovendo uma transformação significativa na relação dos jovens com o consumo e a educação financeira.
CDC Acessível
Imagine um Brasil onde cerca de 18 milhões de cidadãos enfrentam diariamente desafios gigantescos. Entre eles, estão aqueles que vivem com deficiências severas, como a cegueira, dificuldades de mobilidade, surdez e deficiência intelectual. Esses brasileiros, cheios de histórias, merecem um mundo onde a acessibilidade não seja apenas um conceito, mas uma realidade vibrante e inclusiva.
Nesse sentido, a busca por essa acessibilidade é mais do que uma questão estética; é uma obrigação legal. A Lei nº 10.098 destaca a importância de eliminar barreiras na comunicação e de promover o acesso à informação e ao lazer. É nesse cenário que surge o projeto CDC Acessível, uma iniciativa que visa não apenas informar, mas transformar, lançado oficialmente na 35ª Reunião da Senacon com o SNDC.
A proposta desse projeto é tornar o Código de Defesa do Consumidor (CDC) mais fácil de compreender e utilizar. Com espírito inclusivo, o resultado final se desdobrou em duas versões: o CDC em Linguagem Simples e o CDC Acessível para Pessoas com Deficiência. O feito foi fruto da colaboração do Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-ES), pelo Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo (MPT-ES) e pela Federação das Apaes do Espírito Santo (Feapaes-ES). Ambas as versões do CDC Acessível atendem especialmente pessoas com deficiência, dificuldades de leitura e baixo letramento.
Assim, essa iniciativa não apenas democratiza a informação, mas também fortalece o compromisso com a inclusão, criando um ambiente onde todos os consumidores, independentemente de suas habilidades, possam navegar com confiança e segurança em suas relações de consumo.
Inovações no Consumidor.gov
A necessidade de atualização do Consumidor.gov foi outro ponto alto do evento. Nas palavras de Vitor Hugo do Amaral, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), como qualquer sistema, após uma década, é necessário realizar ajustes e melhorias. De acordo com ele, quando a plataforma Consumidor.gov foi lançada, havia um receio considerável entre os proponentes. Ou seja, muitos se opunham à plataforma. No entanto, atualmente, são precisamente essas pessoas que mais defendem a plataforma. E, agora, após uma década de sua criação, como todo sistema que busca se manter relevante e eficaz, o Consumidor.gov está pronto para uma nova era de inovações.
Vitor destacou que a equipe desenvolveu a plataforma para atender consumidores insatisfeitos, tanto pelo celular quanto pelo computador, permitindo que eles recebam atendimento e, assim, reduzam as filas nas unidades de defesa do consumidor. Embora a demanda seja alta, a plataforma facilita a vida do consumidor digital e permite ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor concentrar-se nos casos que realmente precisam de atendimento presencial.
“A plataforma possui diversas histórias de sucesso, respaldadas pelos criadores que justificam suas métricas de dados. É importante notar que a adesão à plataforma é voluntária, o que exige cautela ao discutir desafios e mudanças, sempre mantendo um espírito de diálogo”, enalteceu Vitor.
ProConsumidor
Sobre a principal lacuna do ProConsumidor, Vitor utilizou a seguinte analogia: “O ProConsumidor é como uma casa cujas fundações são frágeis. Quando foi colocado em funcionamento, foi dito para convidar apenas os Procons estaduais para teste. Abriram a porta e convidaram todos a entrar — tanto os estaduais quanto os municipais. E então, a resposta foi clara: a casa não aguenta. Se agora formos construir um segundo andar, o peso nas fundações continuará o mesmo, portanto não adianta apenas acrescentar puxadinho. O ProConsumidor, como é, já é muito bom. Ele pode continuar sendo o que é e ter as funções que promete, mas o que queremos de agora em diante é que o sistema funcione de acordo com suas promessas, sendo realmente eficaz”, pontuou Vitor.
O Consumidor.gov enfrenta um grande volume de dados, o que se tornou uma das principais preocupações da Senacon e do SNDC atualmente. Para dar suporte a todas essas informações, está em curso a migração para plataformas mais modernas, conhecidas como containers, que otimizam o funcionamento do sistema, ajustando a alocação de recursos de memória e processamento conforme a demanda. Com essas melhorias, o objetivo é proporcionar um atendimento mais eficiente aos usuários da plataforma. Outra melhoria refere-se ao gerenciamento dos dados, uma vez que as reclamações possuem um ciclo de vida definido. Por isso, para o sistema, não é viável manter uma reclamação antiga, como a de dez anos atrás, por exemplo.
Estiveram presentes ao painel as seguintes autoridades:
- O coordenador-geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), Alexandre Shiozaki;
- A coordenadora de Apoio e Suporte ao Sindec, Ana Claudia Santana;
- A chefe da Divisão de Integração e Harmonização de Procedimentos do Sindec, Elizabeth Cristina.
Confira abaixo os números da plataforma Consumidor.gov:
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Falhas no sistema
Um painel exclusivo ao Consumidor.gov foi o primeiro da 35ª Reunião da Senacon com o SNDC. Nele, o promotor de Justiça Glauber Tatagiba, da 14ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte, lançou um olhar crítico sobre os índices de resolução das empresas na plataforma Consumidor.gov.br. Uma questão intrigante surgiu: até que ponto esses números refletem a realidade vivida pelos consumidores?
Atualmente, o índice de solução é calculado a partir da soma das reclamações que os consumidores consideram resolvidas, além daquelas que foram encerradas sem qualquer avaliação. No entanto, o Procon-MG levanta um alerta fundamental: essa metodologia apresenta uma falha significativa, pois inclui queixas que, de fato, não passaram pelo crivo da avaliação dos consumidores, criando uma distorção no panorama apresentado.
Durante sua apresentação, Glauber não hesitou em compartilhar sua visão crítica. “Embora, no dado de 2024, de Minas Gerais, as empresas indiquem um índice médio de solução de 71,18%, quando analisamos as reclamações que realmente resolveram, esse número despenca para alarmantes 19,2%. É um contraste impressionante, não acham? De 71% para meros 19%. Para agravar a situação, uma parcela considerável das reclamações permanece sem finalização ou avaliação, mas ainda assim é contabilizada no índice médio de solução”.
Calcanhar de Aquiles
Na visão do Procon-MG, esse é o verdadeiro calcanhar de Aquiles da plataforma. Glauber enfatizou a necessidade de aprimorar a forma como as empresas gerem os dados e ressaltou a importância de as empresas serem mais transparentes em relação ao atendimento das demandas dos consumidores. “Se a nossa meta é realmente resolver os problemas dos consumidores, precisamos de um sistema que represente fielmente a realidade. O que temos hoje é uma estatística que pode enganar tanto o consumidor quanto o servidor público”.
Representando o Ministério Público de Minas Gerais, além de Glauber Tatagiba, participam o coordenador do Procon-MG, promotor de Justiça Luiz Roberto Franca Lima, a coordenadora da assessoria jurídica do Procon-MG, Christiane Pedersolli e o servidor Fernando Lucas de Almeida.
Veja abaixo o que foi feito de melhoria na plataforma Consumidor.gov, bem como os próximos passos:
Planos de saúde
Diversos Procons de cidades e estados do Brasil assinaram um manifesto proposto pelo Procon-SP, que será enviado à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), manifestando-se contra a criação de uma nova categoria de planos de saúde, mais econômica. A nova modalidade oferece apenas consultas eletivas e alguns exames, sem cobrir internações ou tratamentos hospitalares, o que prejudica os consumidores e configura um retrocesso.
A ANS nomeou o projeto piloto de “Plano para consultas médicas estritamente eletivas e exames”.
O objetivo da autarquia é criar um novo produto que facilite e amplie o acesso aos planos de saúde, no chamado “Ambiente Regulatório Experimental” (Sandbox Regulatório). Para os Procons, essa proposta representa mais um retrocesso no sistema de saúde suplementar. Por isso, aderiram à manifestação proposta pelo Procon-SP a ser enviada à ANS, formalizando sua discordância em relação aos seguintes pontos: autorização para a criação de novos produtos denominados “planos de saúde” com coberturas limitadas; desconsideração da proteção ao direito do beneficiário à saúde integral.
Plano de saúde “melhoral e copo d´agua”
Luiz Orsatti Filho, diretor executivo do Procon-SP, explica que a proposta dos novos planos, conhecidos já como “melhoral e copo d’água”, permite a subsegmentação dos contratos de assistência à saúde. Isso, na visão do especialista, prejudica os consumidores, e resulta na supressão de coberturas atualmente previstas para o “plano” ambulatorial, incluindo a exclusão da obrigatoriedade de atendimento em casos de urgência e emergência, bem como das terapias.
Ademais, o caráter experimental para a comercialização desse novo “produto” não considera que a saúde é um setor sensível, que pode acarretar consequências graves e irreversíveis para os pacientes. “Também propõe a permissão de cobrança de coparticipação de 30%, isentando o beneficiário em situações nas quais o contrato inclua mecanismos de regulação de acesso, como ‘porta de entrada’, direcionamento de rede e hierarquização de acesso”, explica o diretor-executivo do órgão.