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CM Entrevista: “Sem cooperação, consumidor corre risco de ser silenciado”, alerta coordenador do Procon-MG

CM Entrevista: “Sem cooperação, consumidor corre risco de ser silenciado”, alerta coordenador do Procon-MG

Órgão ligado ao Ministério Público atua para proteger consumidores de práticas abusivas e garantir educação para o consumo

“O Procon-MG não se configura como um simples balcão de reclamações individuais. Nossa missão vai além: visa proteger os consumidores de práticas abusivas que impactam a coletividade. Realizamos investigações sobre publicidade enganosa, contratos abusivos, venda casada e outras infrações que comprometem direitos coletivos e difusos”. É dessa forma que o promotor de Justiça Luiz Roberto França Lima, coordenador do Procon-MG, órgão do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, demonstra a importância de uma atuação proativa na defesa do consumidor.

Em entrevista à Consumidor Moderno, Lima enfatiza a necessidade de uma colaboração estreita entre órgãos públicos, instituições e a sociedade civil para garantir um ambiente de consumo mais justo e transparente. Ele salienta que a educação é fundamental, pois um consumidor informado é capaz de identificar práticas inadequadas e denunciar abusos.

Acompanhe na íntegra a entrevista:

Consumidor Moderno: Qual é o papel do Procon-MG?

Luiz Roberto França Lima: O papel do Procon-MG é não apenas mediar conflitos, mas também promover a conscientização. Só para exemplificar, quando um fornecedor desrespeita a legislação, tomamos medidas para interromper práticas ilegais e aplicar as sanções pertinentes. Os Procons municipais e regionais tratam as situações individuais, pois possuem autonomia para receber e processar reclamações.

CM: Poderia nos contar um pouco mais sobre a história da instituição?

Desde a fundação, há 42 anos, o Procon-MG tem coordenado a rede de defesa do consumidor, combatendo comportamentos abusivos que afetam não apenas os consumidores mineiros, mas, muitas vezes, os de todo o Brasil. Entre 1995 e 1999, por exemplo, assistimos à consolidação das linhas telefônicas e dos consórcios, um período marcado por um comércio intenso de linhas telefônicas, a expansão dos consórcios e a captação de poupança popular, que revelaram práticas questionáveis que exigiram nossa intervenção. Em 2000, um novo desafio surgiu com o aumento das mensalidades escolares, onde atuamos diretamente para enfrentar a questão.

A promulgação da Lei Federal n 9.870, em novembro de 1999, conhecida como “Lei das Anuidades Escolares”, foi crucial para restabelecer o equilíbrio. Já em 2001, começamos a agir diretamente na segurança dos consumidores por causa da adulteração de combustíveis, levando nossas investigações a coibir essa prática e punir os infratores.

A tecnologia pode ser nossa maior aliada ou um grande risco. Um simples clique pode silenciar debates, distorcer informações ou colocar o consumidor sob termos e condições quase incompreensíveis.

Em 2003, lidamos com a confusão entre capitalização e sorte, onde empresas de capitalização comercializavam títulos como se fossem automóveis, dependendo de sorteios, enganando os consumidores e ferindo direitos básicos. Em 2004, enfrentamos abusos relacionados à quantidade mínima de produtos que o consumidor poderia adquirir, emitindo as Notas Técnicas 1, 2 e 3 para clarificar que o consumidor tem o direito de decidir quanto comprar. No mesmo ano, fomos surpreendidos por uma crise nos consórcios de imóveis e automóveis, resultando na falência de grandes grupos como Liderauto e Uniauto, o que levou à promulgação da Lei Federal nº 11.795/2008, que reorganizou o sistema de consórcios.

Entre 2004 e 2006, nossa luta pela segurança nos estádios foi fundamental para assegurar que o entretenimento esportivo fosse encarado como um direito, não um risco. De 2007 a 2010, nossa atenção se voltou para alimentos adulterados, como café e arroz, focando na proteção do que é mais essencial: a alimentação segura. Durante todo esse percurso, outras questões significativas também estiveram em nosso radar: falsos empréstimos, fraudes em cotas de consórcio, juros abusivos, tarifas bancárias indevidas, planos de saúde problemáticos… Foram anos de intenso trabalho em prol da proteção, informação e garantia dos direitos dos consumidores.

Os problemas dos consumidores

CM: Hoje, quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos consumidores?

O cenário atual de consumo se transformou, mas os problemas persistem. Uma das maiores dificuldades é o acesso a crédito fácil, mas extremamente abusivo, que frequentemente resulta em endividamento e, muitas vezes, em superendividamento. Outro desafio se encontra nos serviços essenciais, como energia elétrica, água e saneamento, que deveriam ser garantias sólidas, mas enfrentam problemas de gestão e regulação. O comércio eletrônico e “a selva digital” também trazem desafios palpáveis, fazendo com que os consumidores se tornem reféns de produtos que não são entregues, promessas enganosas e golpes nas redes sociais, além da grande dificuldade para solucionar qualquer problema.

O pós-venda, que inclui atendimento e resolução de conflitos pós-compra, raramente recebe a devida atenção de muitas empresas, resultando em um verdadeiro labirinto de respostas automáticas e atitudes desrespeitosas. A publicidade enganosa continua a ser um problema recorrente, com promessas inviáveis e cláusulas abusivas que confundem o consumidor. Por fim, existe a questão invisível da educação para o consumo: sem ela, os consumidores podem facilmente cair em armadilhas de marketing, priorizando o consumo imediato e adentrando dívidas asfixiantes.

CM: Como o Procon-MG tem trabalhado para resolver essas dificuldades?

Não aguardamos os problemas surgirem para agir; nós nos antecipamos, investigamos e intervimos. Nossa atuação se baseia em algumas diretrizes principais. Primeiro, realizamos o planejamento e a coordenação do Sistema Estadual de Defesa do Consumidor, pois um sistema eficaz requer organização e ação articulada. Também implementamos e aperfeiçoamos canais diretos para reclamações e denúncias, assegurando que o consumidor tenha voz.

Além disso, investimos significativamente na educação para o consumo, atingindo desde crianças no ensino fundamental com o Procon Mirim até o público da melhor idade, com o Programa 60+. Nesse contexto, desenvolvemos o Projeto Queijo Minas Legal, voltado para a proteção da tradição e qualidade desse patrimônio imaterial da humanidade, e disponibilizamos o Programa de Atendimento ao Superendividado (PAS), que tem como objetivo ajudar consumidores em situação de superendividamento a reestruturar suas finanças e recuperar o crédito. Para reforçar ainda mais nossa atuação preventiva, já programamos uma série de cursos para todo o ano de 2025, abordando temas que vão da conscientização financeira à fiscalização de práticas abusivas.

Como se não bastasse, buscamos investigar e aplicar sanções àqueles que desrespeitam a lei, pois não adianta apenas advertir: é imprescindível que o fornecedor arque com as consequências de suas práticas abusivas. Por último, trabalhamos em articulação com todos os agentes do mercado de consumo, estabelecendo um diálogo contínuo com instituições públicas, reguladores e empresas. Sem essa articulação ativa e permanente, a defesa do consumidor não ocorre. O Procon-MG não só reage, mas também constrói soluções, antecipa problemas e garante que a voz do consumidor seja ouvida em todos os níveis.

Uma das maiores dificuldades é o acesso a crédito fácil, mas extremamente abusivo, que frequentemente resulta em endividamento e, muitas vezes, em superendividamento.

CM: As novas tecnologias podem apoiar as relações de consumo?

Sem dúvida. As tecnologias não só aceleram as relações de consumo, mas redefinem-as completamente. Hoje, comprar e vender deixaram de ser atos puramente físicos, transformando-se em cliques, algoritmos e contratos digitais que ocorrem em um instante. Porém, em meio a tantas facilidades, é preciso ficar atento: o consumidor é, por natureza, a parte mais vulnerável nessa situação, e essa fragilidade pode ser ampliada no ambiente digital.

O que chamamos de “consumerismo”, o movimento em defesa do consumidor, busca exatamente reequilibrar essa balança, promovendo um consumo consciente e responsável, combatendo práticas abusivas e exigindo transparência das empresas. A tecnologia pode ser nossa maior aliada ou um grande risco. Um simples clique pode silenciar debates, distorcer informações ou colocar o consumidor sob termos e condições quase incompreensíveis.

CM: Como o Procon-MP/MG faz o uso interno da inovação?

No Procon-MG acreditamos que a tecnologia deve ser uma aliada, não uma adversária. Por isso, desenvolvemos o ProconData, uma plataforma de Inteligência Artificial que transforma reclamações em dados estratégicos. Essa ferramenta nos permite identificar padrões de consumo, problemas recorrentes e fraudes emergentes em tempo real, antecipando tendências e direcionando fiscalizações e políticas públicas de maneira ágil.

CM: Qual é o resultado?

Uma proteção mais eficaz, que previne danos antes mesmo de ocorrerem, e sinaliza para os fornecedores que estamos atentos. Em essência, a tecnologia não determina o rumo; somos nós que a direcionamos. Se usada de maneira responsável, pode empoderar o consumidor como nunca. Sem controle, pode aprofundar desigualdades e obscurecer o mercado. Portanto, o Procon-MG não se limita a regular ou fiscalizar: inova e cria para assegurar informação, proteção e segurança em um ambiente de consumo cada vez mais digital.

Código de Defesa do Consumidor

CM: Como o senhor vê a evolução da defesa do consumidor nos últimos 35 anos, desde que o CDC foi lançado?

Foi uma verdadeira montanha-russa. Nos anos 90, a globalização econômica transformou o mercado, o que exigiu fiscalizações mais complexas. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), criado em 1990, foi um marco importante, pois não é um conjunto rígido de regras, mas uma norma principiológica que se adapta a novas realidades, como o comércio eletrônico, que nem existia naquela época. Embora o CDC precise de atualizações, ele permanece robusto e permite que os profissionais da área atuem em um mundo que muda rapidamente.

O novo desafio é a revolução digital: redes sociais, coleta maciça de dados e algoritmos que analisam e influenciam comportamentos. Não tratamos mais apenas de produtos que não cumprem o prometido, mas também de como nossos dados são coletados, utilizados e até manipulados. É urgente discutir transparência, proteção de dados e regulamentação de novas tecnologias. Sem cooperação global e ações coordenadas, o consumidor corre o risco de ser silenciado pelas ferramentas que o cercam.

CM: Quais são os desafios atuais?

A digitalização e a Inteligência Artificial transformaram o jeito como empresas oferecem produtos e serviços, mas também criaram desafios. Hoje, é extremamente difícil rastrear golpes; a publicidade personalizada pode nos influenciar sem que percebamos; e a falta de regras claras abre espaço para abusos silenciosos. Precisamos antecipar e prevenir essas práticas, não apenas agir quando elas ocorrem.

Nesse sentido, o Procon-MG está investindo em soluções como o ProconData, identificando problemas e direcionando ações de fiscalização ou políticas públicas. Nosso principal desafio é regulamentar o consumo digital sem inibir a inovação. Precisamos equilibrar liberdade de mercado com proteção efetiva, exigindo que plataformas digitais e marketplaces assumam responsabilidade por suas ações. A defesa do consumidor deve ser uma política pública ativa, inteligente e preventiva, que é responsabilidade de toda a sociedade.

CM: Como será o futuro?

O futuro do consumo tende a ser digital, automatizado e personalizado. A tecnologia continuará a avançar, com ofertas cada vez mais atraentes e compras mais rápidas. Para garantir que os consumidores sejam protagonistas e não meros espectadores, precisamos agir agora. Isso significa que os órgãos de proteção devem evoluir no mesmo ritmo das práticas comerciais.

CM: Se a tecnologia permite que empresas antecipem nossas decisões de compra, por que não utilizá-la também para proteger o consumidor antes que ele caia em armadilhas?

O caminho é investir em Inteligência Artificial, monitoramento preditivo e ações preventivas, além de educar, orientar e dar autonomia ao consumidor. O futuro deve se concentrar em impedir que os problemas surjam em vez de apenas reagir a eles.

Embora o CDC precise de atualizações, ele permanece robusto e permite que os profissionais da área atuem em um mundo que muda rapidamente

CM: Em relação aos canais de comunicação: como o Procon-MG vê o progresso no atendimento ao consumidor, incluindo as várias atualizações do Decreto SAC? Quais são os principais obstáculos atuais para um atendimento mais eficiente?

O Decreto Federal nº 11.034/2022 trouxe avanços significativos ao ampliar os canais de atendimento, como aplicativos, sites e redes sociais. No entanto, não basta ter esses canais se eles não funcionam efetivamente. O grande desafio é fazer com que alguns fornecedores compreendam algo fundamental: a assistência ao consumidor não é um favor, mas sim uma obrigação que vai além da simples correção de defeitos, pois está relacionada à boa-fé, qualidade e segurança dos produtos e serviços.

Quando o SAC falha, a consequência é a judicialização, sobrecarregando um Judiciário que deveria lidar apenas com disputas mais complexas. Para que tenhamos um atendimento realmente eficaz, é necessária uma fiscalização rigorosa para garantir o cumprimento das regras e uma mudança de mentalidade no mercado, pois empresas que veem um bom SAC como um diferencial competitivo se destacarão. No final das contas, um atendimento eficiente não depende da tecnologia utilizada, mas sim do compromisso genuíno da empresa com o consumidor. Se isso não for levado a sério, nenhuma atualização de decreto será suficiente.

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