O consumidor que nunca teve dificuldade de compreender as cláusulas complexas e jargões legais de um contrato de plano de saúde que atire a primeira pedra. Fato é que a falta de clareza nos contratos pode levar a mal-entendidos sobre cobertura, carências e procedimentos, prejudicando o acesso aos serviços de saúde. Sabendo disso, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) apresentou os principais problemas na relação consumidores versus planos de saúde.
O primeiro deles é a falta de transparência. Em outras palavras, a informação ao consumidor sobre a possibilidade de rescisão unilateral após 12 meses da vigência de contrato é vaga. O que, por consequência, pode levar o consumidor a tomar decisões inadequadas. Ademais, sem uma comunicação clara, os consumidores podem se sentir desprotegidos, o que gera desconfiança nas relações contratuais. Essa falta de clareza pode resultar, inclusive, em litígios e disputas legais, impactando tanto o consumidor quanto a empresa.
Em segundo lugar, aparece a “comunicação inadequada” dos planos de saúde no que tange aos cancelamentos e prazos legais. A Senacon identificou ainda que os contratos carecem de clareza sobre:
- Assistência e opções ao consumidor referente à portabilidade;
- A não rescisão unilateral do contrato de consumidores em tratamento médico;
- E se as alterações nas redes hospitalares atenderam às normas vigentes, especialmente no que diz respeito ao raio mínimo de distância de atendimento.
Código de Defesa do Consumidor
Outras lacunas são: ausência de suporte adequado para pacientes em tratamento médico ou que buscam portabilidade; e mudanças nas redes hospitalares sem observar os requisitos legais, como a distância mínima para atendimento.
Essas irregularidades caracterizam violações ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), abrangendo artigos que discutem a transparência das informações contratuais (art. 31), a interpretação favorável ao consumidor (art. 47) e a redação clara dos contratos de adesão (art. 54).
A Senacon, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), apresentou todas essas lacunas para operadoras de saúde. No encontro, a equipe discutiu os resultados do monitoramento de mercado sobre os efeitos dos cancelamentos unilaterais de contratos e as bases para a abertura de um processo sancionatório que ocorreu em novembro.
Em prol do consumidor
O encontro, que ocorreu em dezembro de 2024 resultou na formação de um grupo de trabalho. Esse grupo contará com a participação de todas as operadoras notificadas. As atividades terão início neste mês, e as operadoras terão um prazo não prorrogável até 10 de fevereiro para apresentar propostas de soluções definitivas para os problemas identificados. Até o fim desse prazo, o processo administrativo em andamento contra as empresas ficará suspenso.
O grupo de trabalho ficará encarregado de sugerir soluções práticas para os problemas identificados, especialmente no que diz respeito às rescisões unilaterais. Se as irregularidades continuarem, a Senacon reiniciará o processo administrativo nº 08012.001178/2024-26 e isso poderá acarretar sanções para as empresas envolvidas.
A medida sancionatória abrange 17 operadoras de planos de saúde e quatro associações, devido a cancelamentos unilaterais de contratos e práticas consideradas abusivas.
Além das operadoras de planos de saúde, participaram da reunião representantes da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e de outras entidades.
Artigo 31 do CDC
O artigo 31 do CDC é um princípio fundamental que visa proteger o consumidor. Isso porque o dispositivo garante que todas as condições e cláusulas de um contrato sejam claras e acessíveis. Essa transparência é essencial para que o consumidor compreenda plenamente os direitos e obrigações que adquire ao firmar um vínculo contratual. O artigo estabelece que os contratos devem ser elaborados em linguagem clara e compreensível, evitando termos técnicos que possam dificultar a interpretação. Além disso, é obrigatório que as informações sejam apresentadas de forma completa, permitindo que o consumidor faça escolhas mais informadas e conscientes.
A falta de transparência pode levar a práticas desleais, onde o consumidor, não ciente de todas as nuances do contrato, pode acabar por aceitar condições prejudiciais. Por isso, os fornecedores devem assegurar que disponibilizam todas as informações relevantes de forma destacada e em linguagem acessível.
Cláusulas ambíguas
Dessa forma, a interpretação favorável ao consumidor, prevista no artigo 47 do CDC, impõe que cláusulas ambíguas ou que possam gerar dúvidas sejam sempre consideradas de forma a beneficiar o consumidor. Isso significa que, em casos de contratos com linguagem obscura, o consumidor deve ser protegido. O artigo 54, por sua vez, assegura que os contratos de adesão deve destacar as obrigações e penalidades a que o consumidor se submete.
Em caso de violação, o consumidor de planos de saúde pode realizar reclamações junto a órgãos competentes. Entre eles, o Procon e o Consumidor.gov, e buscar a reparação por meio de processos judiciais.
O Consumidor.gov é uma plataforma onde os usuários podem não apenas registrar suas queixas, mas também acompanhar a resposta das operadoras e, em alguns casos, conseguir uma resolução para seus problemas. A participação dos consumidores nesse espaço é vital, pois ajuda a identificar padrões de falhas nos serviços e a pressionar as operadoras a melhorarem seus processos.