Até então, no Estado de Minas Gerais, para que o consumidor pudesse agir judicialmente, era imprescindível que ele tentasse uma resolução extrajudicial. Tal resposta teria que se dar por meio de de canais oficiais, como Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), Procon e Banco Central. Ou então em plataformas tanto públicas quanto privadas, como o Consumidor.gov, por exemplo. Se o consumidor não comprovasse essa tratativa no processo, o mesmo poderia ser extinto sem análise do mérito. Isso estava dificultando que os consumidores do maior estado do país em números de municípios (853, no total) pudessem buscar ajuda legal. Entretanto, agora, esse cenário faz parte do passado.
A decisão, agora, permite que as partes acionem o Judiciário sem essa exigência prévia, o que pode alterar significativamente a dinâmica dos processos judiciais em Minas Gerais. A mudança tem como objetivo facilitar o acesso à Justiça, uma vez que existem situações em que as partes podem considerar a tentativa de resolução amigável inviável ou inadequada devido à urgência ou à gravidade do conflito.
Suspensão da Tese
Os principais argumentos apresentados pelo Ministério Público no recurso que resultou na suspensão da tese incluem, entre outros, os seguintes:
- O direito do consumidor como fundamental. Ou seja, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma norma de ordem pública e de interesse social, possuindo status de proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXII da Constituição);
- A exigência de comprovação da tentativa prévia de solução extrajudicial infringe o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante a inafastabilidade da jurisdição. Este princípio assegura que qualquer lesão ou ameaça a direito deve ser analisada pelo Poder Judiciário sem limitações desproporcionais.
- A obrigatoriedade de tentativas administrativas causa ao consumidor um “desvio produtivo”. Em outras palavras, isso significa que o consumidor é obrigado a gastar tempo e recursos na resolução da demanda fora do Judiciário, sem a garantia de êxito, sendo este fato já reconhecido na jurisprudência do STJ como um dano.
Vulnerabilidade Digital
Além da vulnerabilidade do consumidor prevista no artigo 4º do CDC, existe a vulnerabilidade digital. Ela se refere às dificuldades enfrentadas por consumidores que não têm fácil acesso à internet ou não dominam plataformas digitais, como o Consumidor.gov. Portanto, tal barreira tecnológica pode deixar uma parte significativa da população excluída dos mecanismos de solução extrajudicial.
Diante dos argumentos jurídicos apresentados, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu a aplicação da regra, conhecida como Tema 91. E, por consequência, com base nos artigos 987, §1º, e 1.036, §1º, do Código de Processo Civil, o órgão interrompeu o andamento de todos os processos que dependiam da aplicação desse Tema. Ademais, determinou a remessa do feito ao STJ e ao STF, considerando a repercussão geral da questão em pauta.
No STJ e no STF, espera-se que seja decidido se a exigência de tentativa prévia de solução extrajudicial é compatível com o direito fundamental de acesso à Justiça, especialmente à luz do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante a inafastabilidade da jurisdição, e do artigo 6º, VII, do CDC, que estabelece o acesso aos órgãos judiciários como um direito básico do consumidor.
Histórico
Em outubro de 2024, o TJMG estabeleceu uma tese determinando que, antes de recorrer ao Poder Judiciário, o consumidor deveria comprovar ter buscado solução. Isso se daria por meio provas de protocolos em canais como SACs, Procons, agências reguladoras ou no Consumidor.gov.br. A falta dessa comprovação resultaria na extinção do processo sem análise do mérito. Em casos de risco iminente de perda do direito, a parte interessada poderia realizar a comprovação da tentativa de conciliação posteriormente.
Os defensores da medida basearam-na nos princípios da eficiência e da economia processual, no contexto do Direito Processual. Ademais, a decisão se apoiava em precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entanto, críticos destacaram que essa tese impunha obstáculos desproporcionais aos consumidores vulneráveis, dificultando seu acesso direto ao Judiciário.
Dessa forma, no dia 4 de abril, o 3º vice-presidente do TJMG, desembargador Rogério Medeiros, aceitou um pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que questionava se a regra era justa ou não. Então, o promotor de Justiça Luiz Franca Lima, que coordena o Procon-MG, disse que essa aceitação do pedido é muito importante para defender os direitos dos consumidores. Ele explicou que agora os tribunais superiores precisam confirmar essa ideia e garantir que as pessoas possam usar formas de resolver conflitos sem precisar ir ao tribunal, mas que isso nunca deve ser uma obrigação para acessar a Justiça.