Debater as alternativas e as soluções para reduzir a avalanche processual vista atualmente nos casos relacionados à saúde. Esse foi o objetivo do I Seminário sobre Desjudicialização da Saúde, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, pelo Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde e pela Revista Justiça & Cidadania.
Compuseram a mesa solene no evento as seguintes autoridades: Paulo Dias de Moura Ribeiro, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); Artur Cesar Beretta da Silveira, vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP); Wanderley José Federighi, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e membro do Conselho Consultivo e de Programas da Escola Paulista da Magistratura; Daiane Nogueira de Lira, coordenadora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde; e Tiago Santos Salles, editor-executivo da Revista Justiça e Cidadania.
No TJSP, maioria das ações são da saúde
Artur Cesar Beretta foi o primeiro a falar. Segundo ele, o Seminário é muito importante porque uma das matérias de maior fluxo do direito privado no TJSP é justamente a questão da saúde.
“Nós temos 15 agravos de instrumentos diários e seguramente 80% desse número diz respeito às demandas de saúde. Estamos falando aqui de liminares concedidas, não concedidas e isso tudo depois se transforma em ação, apelação e, por fim, nos recursos especiais ao Superior Tribunal de Justiça”, pontuou o magistrado.
A avalanche de processos na saúde
À frente do Direito Privado no biênio passado, Artur Cesar Beretta, só para exemplificar, deu um dado sobre a avalanche de processos: “subiram ao STJ, só do Direito Privado do TJSP, 8 mil Resps [Recursos Especiais] em 2023, mas ficaram 120 mil nessa admissibilidade primeira feita pelas presidências da secção. Dessa montanha de processos, eu ouso dizer que 60% se referiam à questão de saúde. Isso porque o que hoje aflige a população é, das duas uma: ou saúde, ou segurança”.
Na sequência, foi a vez do coordenador acadêmico do Seminário, Paulo Dias de Moura Ribeiro, se pronunciar. Ele começou seu discurso lembrando que, desde 2017, o Brasil figura como a 8ª economia do mundo, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Contudo, o país passa por graves problemas financeiros e de desigualdade, “que só o artigo 170 da nossa Constituição não consegue liberar, mas é por ele que nós temos que lutar”.
É importante destacar que o artigo 170 estipula que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos.
Constituição Federal é o caminho
“Não há outro caminho, fora da nossa Carta Magna, para resolver os nossos problemas. Então, eu espero que daqui brotem grandes ideias e soluções para o nosso grave problema, na ordem da saúde. Os números mencionados por Artur Beretta são incríveis. Imagina o que chega às portas do STJ. Por isso, nós precisamos dar ênfase a esse tema. E aqui é o lugar certo, porque é em ambientes como esse que saem as melhores soluções”.
Parafraseando o Padre António Vieira, no Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, Paulo Ribeiro disse assim: “Os que ouvem são os ouvidos, mas os que ouvem bem ou mal são os corações. Tudo o que entra pelo ouvido faz eco no coração, e conforme está disposto o coração, assim se formam os ecos”. “E aqui, nesse Seminário, eu só vejo gente de bom coração, tentando empurrar para o melhor caminho possível a nossa saúde e o nosso Brasil”, concluiu Paulo Dias de Moura Ribeiro.
Direito à saúde: direito de todos
Por sua vez, Wanderley José Federighi, desembargador do TJSP, comentou que, recentemente, leu um artigo do professor José Afonso da Silva, da Faculdade de Direito da USP, a respeito da Constituição Federal. E o curioso é que, nesse material, o autor estava espantado com que, apenas em 1988, após várias constituições, é que veio um artigo que priorizava o direito à saúde, artigo 196, que cita o seguinte: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Na visão de Wanderley, esse fato é curioso porque em um país como o Brasil, onde falta saúde, saneamento básico, moradia, entre outros princípios básicos, teve que ser inserido na lei maior um dispositivo que preveja esse direito para o cidadão. “O direito à saúde é um direito básico e está diretamente ligado à vida. E atualmente, isso pode ser ressaltado em vários aspectos, como a pandemia da Covid-19, a epidemia da dengue, que pouco tempo atrás diziam que estava erradicada e agora voltou com força total. No Judiciário, há um número alarmante de processos não só na seção de Direito Privado, mas na seção de Direito Público também, onde a situação hoje é extremamente complexa”.
Enxurrada de ações a partir de 1994
Wanderley Federighi lembrou que, em 1994, quando ele atuava como juiz de Vara de Fazenda Pública, apareceu o primeiro processo em que a parte pedia a condenação da Fazenda devido ao fornecimento de um medicamento que era inacessível para ela. O motivo era o valor exacerbado. Desde então, ele rememora que foi uma “verdadeira enxurrada de ações”. E hoje pululam em Varas de Fazenda Pública e nas Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça em uma quantidade gigantesca. “E ao mesmo passo que existem essas ações que são efetivamente urgentes e necessárias, para nossa tristeza, chegamos a constatar desvios e fraudes para fornecimento de medicamentos caríssimos que acabam sendo desviados. É uma questão que tem que ser apurada e combatida de igual forma”.
A coordenadora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, Daiane Nogueira de Lira, expressou alegria em tratar o tema. Nas palavras da conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde fevereiro de 2024, foi uma honra ela ter sido designada pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para ser supervisora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus). “Eu tenho um carinho especial pela temática e por ser a minha primeira experiência profissional na Advocacia-Geral da União (AGU). Foi exatamente na consultoria jurídica do Ministério da Saúde que tudo começou, então, para mim, é uma felicidade atuar com essa temática”.
“Judicialização não é problema”
Daiane considera o direito à saúde mais que um direito fundamental. Isso porque é um direito de todos, dever do estado, mas a vida e a saúde são os bens maiores de todas as pessoas. “A judicialização em si não é um problema. Tudo porque o Poder Judiciário é o que vai garantir de fato o cumprimento do direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal. Então, nós temos que partir do pressuposto de que a sociedade brasileira pode sim contar com o poder judiciário no momento de garantir o acesso à saúde a toda a população, já que estamos falando de um direito universal. Dessa forma, a judicialização é uma garantia do cidadão”.
Agora, quando a judicialização é excessiva, a exemplo do que vem acontecendo no Brasil, e especialmente na área da saúde, aí, sim, existe um entrave. Isso acontece, nas palavras de Daiane, porque ao invés de a judicialização garantir os direitos de saúde à população, ela passa a causar insegurança. Além de não ser segura, a judicialização excessiva na saúde não é eficiente nem eficaz. “Quando temos uma judicialização excessiva que vai impactar a sustentabilidade do nosso sistema de saúde na totalidade, seja ela pública ou privada, e a sustentabilidade do Poder Judiciário, isso é um grave problema. E é esse excesso, não só numérico, mas que diz respeito às ações judiciais que não vão garantir eficácia aos tratamentos dos pacientes. Em outras palavras, a população, ao invés de ser ajudada, passa a ser prejudicada”.
Dados da judicialização na saúde
No que diz respeito aos dados sobre saúde, foi ressaltado pela conselheira a ocorrência de 570 mil novas ações somente em 2023. Houve um aumento de 12% na saúde pública e de 30% na saúde suplementar.
A conselheira ressaltou a importância do Fonajus em monitorar a judicialização da saúde suplementar. Primordialmente porque o sistema de saúde nacional foi concebido de forma complementar. “Ou seja: as ações de saúde pública afetam a saúde suplementar e vice-versa. Nós precisamos pensar esse sistema sob a ótica complementar e não de forma isolada”, explicou Daiana.
O Fonajus
O Fonajus é responsável por conduzir estudos e propor medidas concretas para aumentar a eficácia dos processos judiciais. O objetivo é evitar conflitos na área da saúde, tanto no âmbito público como suplementar. Além disso, realiza o monitoramento das ações judiciais relacionadas ao sistema de saúde, visando otimizar o seu trâmite processual.