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Litigância predatória custou mais de R$ 2,7 bi aos cofres públicos

Litigância predatória custou mais de R$ 2,7 bi aos cofres públicos

Cerca de 330 mil processos suspeitos de litigância predatória foram distribuídos no estado de São Paulo entre 2011 e 2016.

No Brasil, a litigância predatória está em alta. E os brasileiros nunca acessaram tanto a Justiça para resolver seus problemas, inclusive nas relações de consumo. Prova disso está no Relatório Justiça em Números de 2023, do Conselho Nacional de Justiça. O estudo aponta que, em 2023, foram mais de 31,5 milhões de novos processos. Isso significa um acréscimo de 10% em relação ao ano anterior e um recorde na série histórica dos últimos 14 anos.

O Poder Judiciário brasileiro julga quatro vezes mais processos do que instituições semelhantes em países europeus. No Brasil, o número de novos casos na primeira instância, por 100 habitantes, é de 14,68 processos. Analogamente, o número de casos resolvidos na primeira instância, por 100 habitantes, é de 11,89 processos. Na Europa, esses mesmos indicadores são de 3,57 e 3,26, respectivamente.

Despesas da judicialização

As despesas totais do Poder Judiciário brasileiro atingiram R$ 116 bilhões em 2022, representando um aumento de 5,5% em relação ao ano anterior. No entanto, não ajustado pela inflação ao longo de sete anos, esse montante equivale ao registrado em 2015. Em 2022, a arrecadação proveniente dos serviços prestados pelo Poder Judiciário alcançou R$ 67,85 bilhões, o que corresponde a 58% das despesas totais.

Mas, afinal, o que é a litigância predatória?

Antes de explicar o termo, é preciso enaltecer que a expressão ganhou força com as relações de consumo. Isso porque o Tema Repetitivo nº 1.198, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) chama a defesa dos direitos dos consumidores diante desse tipo prática. Em suma, são ações consideradas ilegais, inconstitucionais, inescrupulosas e predatórias, desrespeitando o consumidor e o microssistema consumerista.

Litigância predatória na Antiguidade

O termo “litigância predatória” é novo. Mas a ideia é tão antiga quanto a história da própria humanidade, com registros até na Bíblia. Não é à toa que alguns teólogos defendem a ideia de que a fraude começou no Jardim do Éden. Por lá, Adão e Eva se assujeitaram à proposta fraudulenta que a serpente fez para que a mulher comesse o fruto proibido por Deus. “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal”. O texto está no capítulo 3, versículo 5 do livro Gênesis.

Depois, o catedrático da Universitá di Roma, Ambrogio Donini (1903-1991), escreveu que a fraude ganhou proporção a 3.300 a.C., no Egito antigo. O registro consta no livro “Breve História das Religiões”. Em síntese, ele explica na obra que, além dos trabalhadores manuais, astrônomos, matemáticos, arquitetos, economistas, contadores, escribas, juízes e sacerdotes formavam a classe dos “trabalhadores intelectuais”. Por serem os responsáveis pelo fornecimento de informações preciosas, para a tomada de decisões inteligentes, o ambiente era propício para fraudes de todas as ordens.  

Litigância + dinheiro fácil

Lorenzo Parodi, perito e autor do livro “Manual das Fraudes”.

Só para ilustrar um pouco mais, no livro “Manual das Fraudes”, Lorenzo Parodi, perito judicial com atuação em processos de grande repercussão tanto na esfera cível quanto na penal, comenta que as divindades do panteão egípcio eram representadas na forma de animais, que acompanhavam tanto os faraós quanto as pessoas importantes em vida e após a morte.

Por certo, muitas pessoas, visando obter dinheiro de forma fácil e rápida, enganavam nobres e ricos, vendendo falsos gatos e outros animais sagrados embalsamados para suas cerimônias fúnebres.

As “múmias” fraudulentas dos animais, na realidade, continham somente algodão, gravetos e outros materiais para enchimento. Por conseguinte, em outros casos, as “múmias” larápias continham pedaços de ossos de outros animais.

Golpes e fraudes

Litigância predatória refere-se à prática de entrar com um processo judicial que pode conter elementos abusivos ou fraudulentos. Em contrapartida, visando coibir esse tipo de prática, é que a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) promoveu no dia 19 de abril de 2024 o evento “Poderes do juiz em face da litigância predatória”.

O encontro foi promovido em parceria com a Escola Paulista da Magistratura (EPM) e com a Presidência da Seção de Direito Privado, na sede do TJSP.

Na ocasião, foram expostos os dados coletados pelo Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede) indicando que houve a distribuição atípica de 330 mil processos – suspeitos de litigância predatória – no estado de São Paulo entre 2016 e 2021, com impacto foi de cerca de R$ 2,7 bilhões.

Durante o evento, foi explicitado que o fenômeno ultrapassa as fronteiras tradicionais do comportamento que atenta contra a dignidade da Justiça e da litigância de má-fé, adentrando no campo do ato ilícito por meio do abuso do direito.

Simulações de litígios

Evento ocorreu no dia 19 de abril na sede do TJSP

Ao distorcer a noção de acesso à Justiça, inclusive através do uso indevido da gratuidade processual, torna-se possível ingressar com ações desprovidas de real litigiosidade, ou, em termos mais contemporâneos, verdadeiras simulações de litígio.

Cerca de 580 pessoas participaram da atividade, entre desembargadores, juízes e assistentes.

As explanações ficaram a cargo dos desembargadores Gilson Delgado Miranda, diretor da EPM, e Fábio Guidi Tabosa Pessoa, coordenador da área de Direito Processual Civil da EPM.

Os palestrantes exploraram as características na distribuição de ações que podem indicar a litigância predatória e as medidas para coibi-la. “É um problema da Justiça no Brasil. No final do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu uma rede de inteligência para disseminar boas práticas e temos diversas informações, de diversos lugares, com notas técnicas que abordam essa questão, a qual está minando o Judiciário. Se não agirmos, em pouco tempo vamos chegar ao colapso”, disse o desembargador Gilson Miranda.

Mercantilização da advocacia

Desembargador Gilson Delgado Miranda, diretor da EPM

O magistrado também ressaltou que a litigância predatória envolve demandas em massa, com elementos de abusividade ou fraude. Entre as características básicas estão a mercantilização da advocacia (vedada pelo Estatuto e pelo Código de Ética da OAB), a fabricação de litígios artificiais (sem autorização da parte, por exemplo), a utilização de mecanismos ilícitos (violação de dados pessoais, entre outros) e a intenção fraudulenta.

Gilson Miranda também mencionou o perfil das demandas e apontou caminhos para a solução do problema. Entre esses rumos, destaque para o uso de inteligência artificial e o compartilhamento de conhecimento entre magistrados. Em terceiro lugar, ele citou uma “maior conscientização sobre a questão” e seus reflexos deletérios.

Precauções

O desembargador Fábio Guidi Tabosa Pessoa abordou a atuação dos magistrados na identificação de práticas predatórias e possíveis desdobramentos dentro do processo. Ele destacou a diversidade de aspectos nesse tipo de demanda, relacionados à conduta do advogado, captação de clientes, forma de ajuizamento e condução da ação.

Segundo ele, os magistrados podem, com base em indícios de litigância fraudulenta, adotar as seguintes medidas:

  • Convocar a parte para comprovar a intenção de litigar;
  • Exigir o reconhecimento de firma na outorga da procuração;
  • Declinar da competência quando o foro não tem relação com os fatos da causa;
  • E solicitar emenda da petição inicial para esclarecimentos dos fatos quando esta for genérica.

O que é o Numopede?

Fábio Guidi Tabosa Pessoa ressaltou que “situações especiais demandam soluções igualmente especiais”. Ademais, alertou que os magistrados e assistentes devem estar sempre atentos às boas práticas indicadas pelo Numopede.

O Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede) é ligado à Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

O Grupo trabalha na análise da distribuição de processos, podendo também ser acionado pelas unidades judiciais para identificar práticas fraudulentas recorrentes e selecionar as melhores estratégias para combatê-las. Seu objetivo é monitorar ações que impactam significativamente a organização dos serviços judiciais.

Fábio Guidi Pessoa, coordenador da área de Direito Processual Civil da EPM

Litigância no consumo

O relatório recentemente publicado reúne informações sobre as responsabilidades do Numopede e seu fluxo de operação, apresentando casos de litigância predatória identificados e suas características recorrentes. O estudo destaca boas práticas no tratamento desses litígios, enfatizando o papel da CGJ em auxiliar e orientar as unidades judiciais de primeira instância. Entre os principais temas estudados no biênio 2022/2023, no que tange à litigância predatória, estão casos relacionados à área da saúde (como solicitações de terapias, cirurgias plásticas pós bariátrica e internação compulsória), telefonia, empréstimos consignados, revisões bancárias, negativação indevida, entre outros.

Na prática de litigância predatória, foram observados exemplos como a entrada em massa de ações, a partir de petições iniciais padronizadas de teor genérico. Em alguns casos, há evidências de divisão de pedidos, apresentados pelo mesmo autor em diversas ações contra o mesmo réu, possivelmente com o intuito de elevar o valor da indenização por danos morais e dos honorários.

Também foram identificadas situações em que a ação foi abandonada e retomada em outra jurisdição, após a recusa de liminar, assistência judiciária ou solicitação de ajustes, sem a devida comunicação de prevenção, o que sugere uma tentativa de escolha de foro. É importante ressaltar o elevado número de casos nos quais a parte autora, chamada a juízo, alegou desconhecimento da ação proposta ou afirmou não ter interesse em litigar.

Transtornos para a sociedade

“A litigância predatória, além de prejudicar a parte contrária, gera transtornos a toda a sociedade, pois consome recursos do Poder Judiciário, inclusive o tempo de análise das ações pelos juízes, colaborando para o aumento dos índices de morosidade e de congestionamento, já que a movimentação processual provocada por essas demandas é significativa”, aponta o Relatório do Numopede.

Compuseram a mesa dos trabalhos o presidente da Seção de Direito Privado do TJSP, desembargador Heraldo de Oliveira Silva, e a coordenadora da Área de Jurisprudência e Precedentes Qualificados da EPM, desembargadora Márcia Regina Dalla Déa Barone.

O Gabinete de Apoio ao Direito Privado (Gapri) publicará, em parceria com a Corregedoria Geral de Justiça, boletins temáticos periódicos em relação ao tema da litigância predatória.

*Crédito das fotos do evento: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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