Como garantir que a Inteligência Artificial agregue valor à jornada do cliente sem comprometer a empatia, a personalização e a eficiência? Para Walter Hildebrandi, CTO da Zendesk para a América Latina, o primeiro passo está em entender as motivações do consumidor logo no primeiro contato com a empresa e, em seguida, atendê-lo em qualquer canal que preferir – seja por meio da tecnologia, de atendimento humano, de forma empática e resolutiva.
Mas, os desafios para que esse objetivo seja alcançado com IA não são poucos. A escolha das métricas corretas, a integração de canais, e a aplicação da tecnologia da melhor forma para cada um dos públicos da organização são apenas alguns deles.
Como um dos profissionais à frente dessa discussão, Walter Hildebrandi atua como um elo entre o mercado e o desenvolvimento de produtos de CX. Em entrevista à Consumidor Moderno, ele compartilha sua visão sobre esses desafios e os caminhos para o futuro da IA na experiência do cliente. Confira!
Como medir a IA no CX
Consumidor Moderno: Quais são os principais desafios que você vê hoje para as empresas aplicarem a IA no CX?
Walter Hildebrandi: Como qualquer nova tecnologia, as empresas têm uma série de preocupações. Começa com aquelas dúvidas pertinentes: “É confiável? É segura? Como é que eu garanto que o que ela está falando é verdade?”. Acredito que um dos principais desafios é começar a experimentar, ganhar confiança, expandir para casos de uso.
Vejo muitas empresas querendo usar IA. O desafio é: qual é o caso de uso que você vai aplicar? E como você vai medir o sucesso naquilo ali? Muitas vezes, se fala-se: “Quero aumentar a produtividade do meu atendente”. Como você mede isso? Qual é a métrica? Talvez esse seja um caso mais fácil de medir.
Mas, quando você pega, por exemplo, um caso de um chatbot, e fala: “Quero que ele seja empático, que ele seja humano”. Como você mede isso? Vejo com frequência esse desafio nas organizações: achar métricas bem claras, bem mensuráveis, para garantir o sucesso das iniciativas com IA.
CM: Poderia dar um exemplo sobre uma saída para esses modelos de métricas?
Em um exemplo da Zendesk, em vez de cobrar nossos clientes pela quantidade de agentes ou de interações, criamos um modelo de remuneração por resolução. Se o problema foi resolvido, independentemente de quantas interações, é uma resolução. Assim, colocamos o cliente no centro de verdade.
Esse modelo muda também as métricas para os agentes de atendimento. Um atendimento simples, como verificar o status de um pedido, é rápido. Mas se for uma venda complexa, como uma viagem, a métrica já não é mais de tempo, mas receita. Além disso, temos agora o CSAT (Customer Satisfaction) e o BSAT (Bot Satisfaction). São percepções diferentes, não comparáveis.
CM: E como esse desafio muda de empresa para empresa?
Você vai ter empresas B2C massivas que talvez tenham desafios mais ligados à produtividade e eficiência, porque lidam com um volume muito grande de interações. Quando você olha para empresas B2B, talvez os desafios e as métricas sejam diferentes – muito mais ligadas à evolução do negócio, à expansão. São métricas completamente diferentes.
Confiança na IA
CM: Por que muitas empresas ainda não deram esse salto com a IA? Quais são os desafios?
Existem algumas forças que precisamos entender dentro do meio corporativo. De cima para baixo, há uma pressão muito grande para o uso da IA. Mas dentro de casa, você às vezes tem as pessoas que são impactadas pela IA, o que é uma força importante para ser percebida.
No caso específico de CX, onde a Zendesk atua, sempre tivemos uma preocupação muito grande com o atendente. Muito se falou que a IA vai acabar com os empregos. A gente olha muito para isso. Na nossa visão, a melhor composição da IA não é 100% resolvida por IA. Talvez 80% seja, mas os outros 20% ainda serão resolvidos por atendentes humanos. Pensando estrategicamente, esse é o grande pulo do gato: como combinar essas duas coisas?
E, claro, quando cair para o ser humano, o atendente precisa estar empoderado pela IA – para ser mais produtivo, para dar a melhor resposta, para resolver problemas mais complexos e delicados. O estudo CX Trends 2025 mostra que 63% dos atendentes já veem a IA como um aliado. Então, a grande beleza é saber até que ponto deixar a IA atender o consumidor, e quando passar para um humano.
CM: Como encontrar esse equilíbrio?
Começando pequeno, ganhando confiança, ganhando escala, aumentando o escopo e casos de uso. Esse é o melhor enfoque.
É tudo muito novo. Imagina uma empresa muito grande tendo que começar com isso. É o que eu falo: toda tecnologia nova passa por esse ciclo de ganhar confiança. Gosto de comparar com a nuvem. Quando a cloud computing começou, todo mundo perguntava se era seguro, onde estavam os dados. Hoje é uma realidade. A IA está vivendo o mesmo movimento.
IA para todos
CM: Como a IA atua para diferentes públicos dentro de uma empresa?
A gente olha para três públicos: gestão, atendentes e consumidores. Para a gestão, a IA ajuda com previsibilidade e controle de qualidade. Em um Contact Center com 1.000 agentes, cinco canais e vários processos – troca, reembolso, avaria –, é quase impossível controlar por amostragem. A IA consegue varrer todas as interações e identificar pontos de melhoria com precisão.
Para os atendentes, o grande desafio é a rotatividade. Ninguém nasce querendo ser atendente, então a curva de aprendizado sempre foi um problema. Com tecnologias como o copilot, conseguimos empoderar o atendente desde o primeiro dia, sugerindo o que dizer, como responder, o que sugerir. Isso reduz o tempo para que ele se torne produtivo.
Para o consumidor, é linguagem natural, inteligência que entende, se adapta e toma decisões. A IA precisa falar a linguagem do consumidor.”
CM: E para os líderes que querem adotar IA, mas não sabem por onde começar?
É preciso identificar quais são os pilares que você quer mover. Quando a IA chegou, a gente olhou para trás e identificou grandes rupturas: o telefone, depois a internet. Agora a IA. E ela mexe com três grandes pilares: volume, qualidade e custo. Atende mais gente com menor custo, resolve com mais qualidade e permite escalar com um custo marginal baixo.
Experiência da IA emocional
CM: Uma das principais tendências que observamos no mercado é da IA emocional. Como oferecer uma experiência emocional por meio da tecnologia?
É fundamental entender o porquê por trás. Por que o cliente está entrando em contato? Ele tem um problema e quer uma resposta. A empresa precisa estar pronta para resolver esse problema por qualquer canal, com humanos e IA, com governança sobre o que foi dito, e com base sólida de conhecimento.
Hoje, a gente mede humanos com métricas de máquina – tempo de resposta, tickets resolvidos por dia. Mas com a IA, queremos empatia, humanidade, qualidade. Estamos num momento no qual o humano é medido como máquina, e a máquina como humano. Essa é uma grande inversão.
CM: Como vê o cenário atual de omnicanalidade com IA?
A omnicanalidade ainda é mais um desejo do que uma realidade. Muitos clientes usam apenas dois canais. O histórico mostra que os canais foram surgindo isoladamente, com sistemas e processos próprios. Isso criou a multicanalidade. O desafio agora é unificar, priorizando os canais que realmente importam para o negócio.
O futuro é dos assistentes pessoais
CM: Existe alguma tendência de IA no CX que ninguém está falando, mas que deveria?
Sim: os assistentes pessoais inteligentes. Hoje falamos com Siri ou Alexa sobre coisas triviais. Mas o próximo passo é: “Alexa, aqui está meu cartão, validade e código. Fale com meu banco e resolva meus problemas”. Eles serão nossos bots pessoais conversando com os bots das empresas.
O desafio será a confiança – e para as marcas, como se conectar com consumidores que agora têm um intermediário entre eles.
Além disso, a employee services. Tudo isso que falamos para fora, vale para dentro também. IA para atendimento interno de colaboradores faz muito sentido, principalmente em grandes empresas. Funcionários bem atendidos fazem toda a diferença na experiência para o cliente final.