O arroz será um dos alimentos que sofrerá o maior impacto de preços no bolso do consumidor devido ao pior desastre climático da história gaúcha. Isso porque o estado é o maior produtor de arroz do Brasil, detendo, sozinho, 70% do mercado. A informação é da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Antes da catástrofe climática, a perspectiva era que a região colhesse 7,48 milhão de toneladas ao final desta safra.
Para se ter uma ideia, a Pesquisa Agrícola Municipal do IBGE, apontou que no período de 2020 a 2022, a produção de 7.906.860 toneladas em média da planta da família das gramíneas.
As intensas chuvas que vêm atingido o Rio Grande do Sul desde o dia 27 de abril já afetaram mais de 780,7 mil pessoas. Até o momento, 75 pessoas faleceram, conforme o mais recente relatório da Defesa Civil divulgado às 12 horas do dia 5 de maio (domingo). Ademais, há seis óbitos sob investigação e 155 indivíduos ficaram feridos. O número de desaparecidos é de 103 pessoas. O índice de óbitos ultrapassou o registrado na última catástrofe ambiental do estado, em setembro de 2023. Na época, sete meses antes desse atual episódio, 54 pessoas perderam a vida devido à passagem de um ciclone extratropical.
Lavouras de arroz debaixo d’água
É importante destacar que a colheita do arroz, no Rio Grande do Sul, foi iniciada no fim de fevereiro. Inclusive, a cidade de Capão do Leão, sediou entre os dias 22 e 23 de fevereiro, a 34ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz e Grãos em Terras Baixas.
O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) divulgou um boletim no dia 3 de maio, informando que as fortes chuvas estão prejudicando as lavouras e dificultando a logística. “As intensas chuvas têm o potencial de reduzir significativamente as rendas dos orizicultores do Rio Grande do Sul. Trazem também preocupação com o abastecimento no Brasil e seus impactos custo de vida das famílias, especialmente as mais pobres”.
Os pesquisadores do Cepea informaram que a colheita, que já estava bastante atrasada em relação às antecessoras, pode ser ainda mais prejudicada, por causa, principalmente, das lavouras que estão debaixo d’água, inviabilizando as atividades. Além disso, algumas estradas estão interditadas, o que também dificulta o carregamento do grão. “Esse cenário aumenta as incertezas quanto à produtividade da safra 2023/24, ainda conforme apontam pesquisadores do Cepea. Dados do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) divulgados no dia 22 de abril indicavam que, até essa data, a média era de 8.612 quilos por hectare no estado”.
Óleo de soja: em alta
E engana-se quem pensa que só o arroz terá impacto de preços. O Rio Grande do Sul é segundo maior estado produtor de soja no Brasil, perdendo apenas para o Mato Grosso. As precipitações em excesso retardam as atividades de campo e vêm gerando preocupações sobre a qualidade das lavouras. O excesso de umidade tende a elevar a acidez do óleo de soja, o que pode reduzir a oferta de boa qualidade deste subproduto, especialmente para a indústria alimentícia.
Segundo a Conab, no Brasil, 90,5% da área de soja da safra 2023/24 já foi colhida. Entretanto, a região Sul do Brasil está com as atividades de campo em atraso. No Rio Grande do Sul, em especial, as atividades somam 60%, em comparação com os 70% registrados no mesmo período de 2023, conforme levantamento da Conab. Já a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) aponta que até o dia 2 de maio, 76% da área sul-rio-grandense havia sido colhida, um percentual inferior aos 83% da média dos últimos cinco anos.
Por sua vez, em Santa Catarina, a colheita alcançou 57,6% da área, abaixo dos 82,8% registrados há um ano, também segundo a Conab.
Carne de boi, frango e porco
Outros produtos que há perspectiva de forte aumento são: milho, frango, suínos, ovos, carne de boi, tomate, batata e cenoura. Esse último é o mais impactado, de todos os produtos hortifrutícolas acompanhados pelo Cepea no Sul.
O Centro ainda não conseguiu levantar a extensão das perdas na praça produtora de Caxias do Sul, mas o cenário é crítico. Pesquisadores do institutos estimam que as inundações resultem em uma janela de oferta e, em muitos casos, dificultem, inclusive, a retomada de atividades nas áreas afetadas.
No que diz respeito ao milho, a colheita da safra do verão está praticamente paralisada em todo o Rio Grande do Sul.
“Com rodovias e pontes interditadas, o transporte de produtos para atender à demanda em parte das regiões sul-rio-grandense e também de fora do estado vem sendo comprometido. Além disso, produtores relatam dificuldade em adquirir insumos, como rações e também embalagens e caixas, no caso de ovos. Por fim, algumas propriedades de produção suinícola e avícola foram danificadas e agentes continuam à espera de que a situação seja normalizada para que os prejuízos sejam calculados”, informam os agentes consultados pelo Cepea.
Não obstante os efeitos das mudanças climáticas na economia mundial, como na produtividade, cadeias de fornecimento, necessidade de adaptação dos métodos de produção e setor de energia, sejam cada vez mais conhecidos, os impactos na inflação, nos níveis de preço e no custo de vida são menos explorados e medidos. Essa é a realidade.
Inflação X mudanças climáticas
Um estudo divulgado recentemente pela revista Nature, de origem alemã, aponta que as mudanças climáticas representam uma ameaça à estabilidade de preços. Em síntese, isso se dá porque os impactos do clima na economia estão se tornando mais notórios, e estão acontecendo também com mais frequência.
A pesquisa um acréscimo médio anual de até 3,23 pontos percentuais na inflação de alimentos em escala global. Isso se dá como resultado do aumento da temperatura até 2035.
Para chegar nesse consenso, os pesquisadores analisaram os índices de preços ao consumidor de 121 países. O período foi de 1996 a 2021. Então, eles chegaram a conclusão que temperaturas mais elevadas causam aumento do índice de preços ao consumidor. E essa realidade independe de a nação ter renda mais elevada ou mais baixa. Os efeitos inflacionários variam conforme as estações e regiões, e englobam os impactos adicionais da variação diária da temperatura e de chuvas extremas.
Só para exemplificar, o calor intenso do verão de 2022 elevou a inflação de alimentos na Europa em 0,43 a 0,93 ponto percentual.
É importante ressaltar ainda que, embora as consequências das mudanças climáticas sejam mais visíveis nos preços dos alimentos, elas também se refletem em efeitos consideráveis sobre a inflação de bens e serviços, podendo crescer até 1,2 ponto percentual anualmente até 2035.