John Furner é presidente e CEO do Walmart nos Estados Unidos, mercado original da gigante varejista. Furner lidera mais de 1,5 milhão de associados, e é responsável pela estratégia e pelo desempenho das 4.700 lojas do Walmart, bem como pelo site, aplicativo e cadeia de suprimentos. Ele é um dos muitos executivos pressionados a tomar decisões diante de uma realidade cada vez mais desafiadora.
Não são poucas as variáveis que criam tensões e dificultam a tomada de decisões qualificadas pelas lideranças corporativas mundo afora. Compreender como acontece o processo de tomada de decisão atualmente é fundamental para a condução dos negócios. Mudança climática, clientes mais cínicos e céticos, polarização política, vida digital, conflitos armados, separatismo progressista (ativismo de grupo minoritários que defendem uma integração por identidade), globalização restrita, Inteligência Artificial – não faltam variáveis para comprometer a qualidade das decisões.
John Furner e outros executivos falaram sobre seus estratégias e processos de tomada de decisão durante a NRF 2024 (National Retail Federation), evento anual que acontece em Nova York, sempre no princípio de janeiro.
O CEO do Walmart enfatizou as dificuldades derivadas do contexto macroeconômico, inflação, juros e instabilidades políticas. Ao mesmo tempo destacou o quanto os varejistas devem ser resilientes, para conduzir os negócios no rumo de resultados consistentes mesmo diante de um cenário complexo.
O que você sabe tem prazo de validade
John Furner citou um pensamento de Sam Walton, lendário fundador do Walmart para ressaltar a mentalidade plástica que deve nortear o comportamento das lideranças atualmente: “você não pode continuar fazendo o que funcionou uma vez. Tudo ao seu redor está mudando. E para ter sucesso, você deve estar à frente das mudanças”. Para o CEO do Walmart, essa mentalidade condiciona a mudança no Walmart, acrescentando a venda de produtos de farmácia e de auto na década de 70. Mais tarde, levou a rede a adicionar mercearia e a lançar os supercentros nas décadas de 80 e 90. E depois, a fez migrar para o comércio eletrônico e o atendimento omnichannel nas décadas recentes. “Muitos de nós aqui nesta conferência conhecem o valor de antecipar e olhar para o futuro. E vamos falar muito sobre isso aqui nesta semana”, afirmou o executivo.
Michelle Gross, presidente da icônica Levi Strauss & Co, por sua vez, enfatizou os desafios de ser líder nesses tempos incertos. Em sua opinião, todo varejista deve ser omnicanal antes de tudo. Como CEO da Kohl’s, Michelle liderou a transformação da empresa para se tornar uma varejista omnicanal de fato, ao mesmo tempo em que adquiria outras competidoras e estabelecia parcerias notáveis com marcas nacionais, incluindo a parceria de longo prazo com a Sephora. Ela fez o mesmo na Starbucks e agora trabalha para colocar a Levi’s na mesma trilha.
Segundo Matthew Shay, CEO da NRF, Levi’s é uma marca de estilo de vida. E como esse estilo de vida torna-se mais e mais digital, qual o sentido de manter a empresa como ela é? Michelle afirma que a Levi’s é uma marca com voz e atuação firme em diversos assuntos. Em sua visão, não há como acumular mais de 170 anos de história sem ter uma postura genuína de diálogo com a sociedade e os consumidores. Por outro lado, é evidente que Levi’s consegue se manter no mercado por conta de um apego obsessivo pela qualidade, mas sobretudo pela capacidade de ajustar seu propósito à realidade mutante. E, novamente, vemos como a “plasticidade” é a habilidade mais importante para o líder. “Eu tive a sorte de trabalhar sempre em empresas que operavam orientadas por propósitos. É como eu sou programada. Eu amo um ditado na Levi’s: ‘falamos sobre tudo o que fazemos’. É impulsionar lucros por meio de princípios.”
Segundo Michelle, o importante é reaprender. Segundo sua visão, não se trata apenas de servir o consumidor, ele é definitivamente importante, mas também como o líder cuida de seus funcionários e, especialmente no varejo, daqueles da linha de frente. De que forma a empresa retribui valor para as comunidades, suas responsabilidades sociais e ambientais.
O consumidor nunca está satisfeito
A CEO da Levi’s também observou o quanto os consumidores estão mais exigentes e impacientes com falhas. “Os consumidores estão realmente buscando essa expressão completa do nosso negócio. Infelizmente, as coisas vão ficar mais difíceis este ano. No verão passado, na Europa, enfrentamos congestionamentos nos centros de distribuição. Então, eu não sou o especialista no consumidor, mas o que posso dizer é que em tempos bons e ruins, os consumidores sempre se inclinam para marcas que conhecem e confiam. E nós sabemos que somos uma marca confiável.” Para Michelle, o fato da Levi’s ser uma marca com história e com a experiência de ter superado muitas crises ao longo de seus mais de 150 anos de existência, a torna mais resiliente e com maior credibilidade junto ao consumidor. Claro, a executiva valoriza a importância da cultura e como a liderança por comando e controle tem capacidade limitada de dar respostas sólidas para uma realidade tão inconstante, além de não permitir a formação de times coesos e evolutivos.
Como CEO, Michelle impulsiona capacidades significativas no digital, expandindo o negócio de comércio eletrônico a taxas de dois dígitos e trabalha fortemente na plataforma de fidelidade do consumidor.
Mundo phygital, novas pressões dos consumidores
Michelle tem razões sólidas para ter apostado no comércio eletrônico e na transformação digital nas empresas pelas quais passou. Segundo Raj Subramanian, CEO da FedEx, os números do e-commerce atingiram volumes estonteantes: “Há 4 bilhões de consumidores no mundo. E isso é metade da população mundial. Considere que a FedEx entrega todos os dias 1 milhões de pacotes diariamente. Apenas este volume gera um petabyte de dados, equivalente a 20 milhões de arquivos, armários cheios de informações”.
O mundo digital movimenta hoje mais de US$ 8 trilhões. E todos os varejistas do mundo querem sua parcela desse recurso. Para isso, é necessário otimizar toda a cadeia de suprimentos para oferecer uma experiência de comércio eletrônico mais eficiente. Esse contexto também forçou a FedEx a se reinventar. Ela se tornou uma empresa, capaz de acoplar Inteligência Artificial à sua rede física de entregas e coletas para atender às necessidades de consumidores cada vez mais ansiosos e exigentes globalmente: “Na verdade, 75% da Geração Z afirma que a sustentabilidade é mais importante do que o nome da marca. E esse sentimento é ecoado por cerca de 70% dos Millennials e Baby Boomers”, afirma o CEO da FedEx.
Aplicações práticas
Os conceitos e ideias desses CEOs ilustram um novo conjunto de habilidades que as lideranças devem desenvolver e que as empresas devem priorizar: plasticidade, maleabilidade, fluidez para acompanhar um mundo volátil e incerto, e um consumidor mais complexo, conectado e aglutinado em diversos grupos com expectativas e aspirações distintas.
Evidentemente que um país como o Brasil não permite investimentos na escala de um mercado como o americano (muito em função de nossa já clássica tendência de renunciar a um modelo econômico capaz de liberar mais amplamente as forças produtivas e as inovações do setor privado). Ainda assim, desenvolver novas habilidades que confrontem pressupostos e tornem a empresa mais versátil e flexível para lidar com o imponderável, o imprevisto e a incerteza representa uma opção viável e possível para nossas empresas.
O momento não é das empresas ditas “ambidestras”, é daquelas realmente plásticas e capazes de se adaptar, responder rapidamente às condições de uma realidade mais fluida e incontrolável.