A preocupação com o aumento da judicialização das relações de consumo e a busca pela harmonização é compartilhada por empresas, órgãos de defesa do consumidor e poder público. No Brasil, a discussão não é de agora, mas a “Era dos Dados”, a digitalização, a inteligência artificial e todas as novas tecnologias trazem ingredientes extras para esse debate, que precisam ser olhados com atenção.
Na primeira semana de maio, o impacto desse cenário na resolutividade será o tema da Era do Diálogo, fórum de discussão organizado pelo Grupo Padrão, que completa 11 anos em 2023. O evento reúne anualmente autoridades públicas, profissionais do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e de Agências Reguladoras, especialistas em direito do consumidor e executivos das principais empresas do país.
A Consumidor Moderno também vai tratar desse assunto na próxima edição da revista, que será publicada no final do mês de abril. Um dos entrevistados para a matéria é o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, que trata sobre a importância de as empresas se mobilizarem na busca pela redução dos índices de judicialização no país.
Damous defende que o novo consumidor não aceita a falta de comprometimento de fornecedores e nem os transtornos gerados pela simples compra de um produto. O secretário fala da importância do atendimento ao cliente, dos SACs e ouvidorias na resolutividade dos conflitos que surgem nas relações de consumo.
Segundo ele, a “Era dos Dados” e o avanço tecnológico podem sim ajudar a reduzir o número de casos levados aos tribunais. Mas, Wadih não deixa de enfatizar o cuidado necessário na incorporação das novas soluções, pensando na segurança dos consumidores.
Confira a seguir, a íntegra da entrevista exclusiva da CM com o secretário da Senacon, Wadih Damous.
CONSUMIDOR MODERNO – Como você enxerga hoje a Judicialização das relações de consumo no Brasil?
Wadih Damous – A judicialização, diferente do que em outros tempos se anunciava, não é característica de um consumidor litigante, mas sim de fornecedores que ainda ignoram os direitos dos consumidores e consumidoras, negligenciam seus deveres. A judicialização acaba sendo a última alternativa quando os SACs das empresas são inoperantes. O índice de judicialização em serviços de saúde, por exemplo, é considerável. O consumidor, diante da inércia do fornecedor, precisa ajuizar ação para ter atendido seus direitos. Reduzir estes números depende de uma melhor adequação das empresas, do interesse em harmonizar as relações de consumo de que fazem parte.
CM – Quais são as saídas para reduzir os números de reclamações que vão parar na justiça?
WD – Preliminarmente, é de se considerar que produtos e serviços com maior qualidade e segurança evitam defeitos e vícios e reduzem assim as demandas judiciais. Em um outro plano, é essencial que as empresas criem instrumentos efetivos de atendimento aos consumidores. O fornecedor deve ser responsável pelas informações antes, durante e no pós venda. Os SACs devem ter atendimento 24h, preferencialmente humano, evitando atendimento por robôs e gravações impessoais. A Senacon disponibiliza uma plataforma digital para tratativas de composição pré-judicial; é um instrumento, porém, para atender aos consumidores e não pode substituir os espaços de composição que os fornecedores devem manter. Nota-se que nem todos os consumidores levam ao Poder Judiciário suas demandas. Os índices poderiam ser até maiores. Não vejo outra saída senão o diálogo com os consumidores e um olhar mais atento às demandas deles. Se assim não for, cabe ao Poder Judiciário revelar o sentido da lei e ao Poder Executivo fazer uso da sua legitimidade sancionatória. A compra de uma televisão não pode gerar transtorno; pagar por um plano de saúde e não ser atendido como ofertado não é aceitável. A melhor forma de reduzir a judicialização é termos fornecedores comprometidos com os consumidores.
CM – Como a Senacon tem trabalhado para a harmonização das relações de consumo?
WD – São diversas as ações da Senacon que impactam na harmonização das relações de consumo: o estudo e monitoramento do mercado; a instauração de investigações preliminares e processos administrativos; medidas cautelares e sanções quando necessário; além da disponibilização de uma plataforma digital, o consumidor.gov, que permite formalizar reclamações sem sair de casa. Além das medidas ordinárias da Secretaria, as empresas com maior índice de reclamações serão chamadas a celebrar termos de ajustamento de conduta e criaremos um manual de boas práticas para setores novos, como plataformas digitais.
CM – O avanço tecnológico e a digitalização ajudam ou atrapalham nesse processo de harmonização?
WD – Todo avanço tecnológico que seja disruptivo traz em si uma parcela de progresso, avanços e algumas incertezas que são características do que é novo, do desconhecido. É inegável que a tecnologia permite facilidades, otimiza nosso tempo de comunicação, trabalho e também consumo. Os serviços digitais públicos e privados reorganizaram os fluxos da vida em sociedade e são benéficos. Porém, não podemos negar que as novas tecnologias também carregam a necessidade de enfrentarmos o assédio no consumo, a violação e a personificação de dados, além das fraudes de todas as ordens.
CM – Como a “Era dos Dados” pode ajudar a aumentar a resolutividade das empresas?
WD – Todas as nossas ações são passíveis de produzir dados, sempre foram. As novas tecnologias e a sociedade de informação consolidam uma “Era dos Dados” em que a informação gerada potencializa ações. Se há um consumidor mais conectado, sem generalizar e esquecer dos milhares de consumidores ainda desassistidos em tecnologia, as empresas têm condições de fazer uso dos recursos digitais para melhor atender os interesses dos consumidores. Mecanismos de autocomposição, monitoramento de entrega de produtos, índices de qualidade e satisfação são exemplos possíveis que podem aumentar a resolutividade das empresas. Da mesma forma, o uso de dados e instrumentos tecnológicos por parte do Poder Público podem também contribuir com uma maior resolutividade. A Senacon, atualmente, está trabalhando os dados das plataformas consumidor.gov.br e do Sindec. São dados que devem subsidiar políticas públicas, indicadores de ações diversas que permitam maior harmonização das relações de consumo, bem como estabelecer boas práticas. Por certo, aumentar a resolutividade das empresas nas demandas dos consumidores é proporcionar maior efetividade ao CDC.
+NOTÍCIAS
Advocacia Predatória é uma das causas do excesso de judicialização no Brasil
O que as empresas podem fazer para evitar conflitos, com base no CDC?