O Brasil chama a atenção do mundo pelo excesso de judicialização em diversos setores, inclusive nas relações de consumo. Os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça no ano passado indicam que, só em 2021, mais de 80 mil processos civis e de direito do consumidor foram abertos no país.
É difícil encontrar os motivos exatos que expliquem esse número alto de contencioso, mas especialistas apontam para questões culturais, para brechas na ação dos órgãos de defesa do consumidor e dificuldades das próprias empresas em resolver as reclamações no próprio SAC, ou nas ouvidorias. Diversos setores estão se mobilizando para conseguir evitar que as reclamações dos consumidores cheguem aos tribunais.
Na última sexta-feira, o grande número de processos contra empresas aéreas no Brasil foi tema de um encontro do diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Ricardo Catanant, com a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR). Também estiveram presentes representantes das companhias aéreas e de entidades representativas da aviação.
“O excesso de judicialização de qualquer setor onera os consumidores, pois os valores despendidos pelas empresas são repassados aos produtos. A ANAC entende que um esforço coletivo, dos órgãos de defesa do consumidor, da agência reguladora, do Congresso, da própria indústria e demais stakeholders envolvidos na cadeia do transporte aéreo é necessário e relevante para contribuir para a redução de custos”, afirmou Catanant.
Advocacia predatória: o que é?
A discussão sobre o número absurdo de ações movidas no país é longa e não é tão simples como pode parecer. Mas, um dos pontos que vem ganhando espaço nos debates sobre o tema é a advocacia predatória. Mas do que se trata?
A advocacia predatória é nada mais, nada menos que o uso abusivo do judiciário. Advogados, agindo de má fé, convencem pessoas a entrarem na justiça sem que elas tenham identificado qualquer dano. Eles incentivam a litigância com o objetivo de lucrar em cima disso. Na maioria dos casos, são pedidos sem fundamento apresentados pelos mesmos escritórios de advocacia.
É feito o ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito. As redes sociais, muito pouco reguladas, e a digitalização facilitam a prática. Usuários são impactados com propagandas e chamadas que fazem perguntas como: seu vôo atrasou nos últimos anos? E em seguida aparece a oferta de serviços prometendo que as “vítimas” serão ressarcidas pelos dados morais “supostamente sofridos”.
Os principais alvos dos advogados que atuam de forma predatória são as instituições financeiras, empresas de telefonia, concessionárias de energia elétrica e grandes varejistas. E as vítimas mais comuns são idosos e pessoas com pouca instrução, que não vão buscar saber detalhes do processo ou da fundamentação.
Impactos
Os impactos do excesso da judicialização e das milhares de ações judiciais baseadas em conflitos falsos têm impactos para todas as partes: consumidores, empresas e o país como um todo. No Poder Judiciário, a advocacia predatória freia o andamento dos processos judiciais. O CNJ e os tribunais estão se movimentando para enfrentar esse drama. Uma das soluções possíveis, que estão sendo estudadas, é o investimento em tecnologia e na gestão baseada em dados.
O CNJ criou o Painel Grandes Litigantes que permite a consulta e a visualização em gráficos tanto das pessoas jurídicas que mais são levadas à Justiça quanto das instituições que mais acionam o Poder Judiciário. Filtros permitem a criação de listas com os maiores litigantes de acordo com o ramo de Justiça, tribunal, grau, unidade judiciária, no caso do Poder Judiciário e também pelo setor da atividade econômica a que a empresa pertença.
Segundo o CNJ, tratar a litigância com transparência, a ferramenta dá aos litigantes visibilidade incômoda para os negócios. Na última semana, um juiz da vara única da comarca de Saloá, em Pernambuco, extinguiu 1.476 processos ajuizados por indícios de advocacia predatória.
Em São Paulo, o TJ/SP cumpre as diretrizes traçadas pelo NUMOPEDE (Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas), adotando boas práticas para tentar identificar e tentar coibir abusos e fraudes.
Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Numopede. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.