A regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem se mostrado insuficiente. E, por consequência, não está garantindo o equilíbrio econômico entre consumidores e operadoras de planos de saúde. Esse é o posicionamento do Ministério Público Federal (MPF).
Na tentativa de reverter esse quadro, o órgão encaminhou uma recomendação à ANS. No documento, o órgão requer a adoção de medidas para aprimorar a sua função de regulamentação do setor de planos de saúde no Brasil.
O Grupo de Trabalho (GT) Planos de Saúde, que pertence à Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF (3CCR), foi quem elaborou o documento.
Dessa forma, a atuação do GT reflete a preocupação em criar um ambiente para o diálogo entre o poder público, as empresas e a sociedade. A ideia é estabelecer uma cultura de respeito aos direitos dos consumidores e promover uma concorrência justa no setor de saúde suplementar.
Regulação ineficiente
O GT, no documento, explica que a regulação da ANS tem se mostrado “insuficiente”. A consequência da escassez regulatória é que o equilíbrio econômico entre os consumidores e operadoras de planos de saúde poderia estar comprometido. Segundo o MPF, essa situação tem gerado reajustes abusivos e outras práticas irregulares por parte das empresas, colocando os consumidores em uma posição de vulnerabilidade.
Da parte dos beneficiários, é cada vez mais crescente insatisfação em relação à qualidade do atendimento e à dificuldade de acesso a serviços essenciais. Além disso, a falta de transparência nos reajustes de mensalidades e na cobertura de procedimentos também vêm gerando desconfiança entre os usuários.
Reajustes
O MPF identificou que uma das principais lacunas hoje na regulação é a distinção entre as regras para os reajustes dos planos de saúde individuais e coletivos. Em outras palavras, a regulamentação atual da ANS concede maior flexibilidade às operadoras na definição dos reajustes dos planos coletivos, ao contrário dos planos individuais, cujos índices de reajuste são estabelecidos anualmente pela agência.
Neste sentido, o Ministério Público Federal avalia que essa ampla liberdade resulta em percentuais de reajuste indiscriminados nos planos coletivos, onerando excessivamente o consumidor. Ademais, essa lacuna na regulação tem criado oportunidades para que algumas operadoras adotem estratégias prejudiciais com o propósito de contornar a regulamentação.
Regulação e falsos coletivos
Uma das principais práticas, consequentes da falha regulatória, foi batizada de “falsos coletivos”.
Em síntese, a prática ocorre quando a operadora de saúde apresenta contratos individuais como se fossem coletivos. Isso se dá mesmo na ausência de qualquer vínculo representativo entre os contratantes. Primordialmente, o que acontece aqui é que as empresas tiram proveito de uma brecha da regulação que permite reajustes abusivos nos contratos coletivos. Por analogia, essa “vantagem” prejudica claramente o consumidor.
Além de comprometer a estabilidade financeira dos beneficiários, o falso coletivo também resulta em uma concorrência desleal entre as operadoras. Afinal, as empresas que agem de forma correta, respeitando a regulação e oferecendo contratos coletivos legítimos, enfrentam desvantagens significativas no mercado.
E, sem dúvida, outra questão relevante é a transparência na comunicação das operadoras com seus clientes. Ou seja: muitos consumidores não possuem conhecimento suficiente sobre seus direitos e sobre as nuances dos contratos. Por analogia, identificar um falso coletivo embutido no contrato é uma tarefa dificílima.
Consequências da falha da regulação
De acordo com o MPF, outro entrave provocado pela falha regulatória é a diminuição na oferta de planos individuais ou familiares. E isso dificulta o acesso ao sistema de saúde suplementar para aqueles que não estão elegíveis para os planos coletivos. Vale lembrar que os planos coletivos são oferecidos por empregadores ou grupos específicos.
Com efeito, os consumidores de planos individuais e familiares acabam sendo empurrados para o mercado de planos coletivos, em uma estratégia de mercado das empresas que os coloca em uma posição de grande vulnerabilidade nas negociações.
No documento, o MPF também destaca outros problemas decorrentes das falhas na fiscalização realizada pela ANS, como as seguintes:
- Falta de transparência das operadoras de planos de saúde em relação às cláusulas contratuais;
- Ausência de clareza nas coberturas oferecidas;
- E informações de difícil compreensão sobre os índices de reajuste aplicados aos contratos.
Portabilidade
Além disso, evidencia-se a preocupação com o descumprimento, por parte das operadoras, da obrigação de oferecer alternativas de portabilidade em casos de cancelamentos unilaterais feitos por elas.
Diante do cenário atual, o MPF recomendou à ANS uma série de ações para assegurar o equilíbrio entre a proteção ao consumidor e a sustentabilidade financeira das operadoras de planos de saúde. O objetivo é promover a efetividade de sua atuação regulatória e fiscalizadora.
Os pedidos do MPF à ANS
Entre essas ações, a autarquia foi demandada a apresentar uma proposta regulatória que organize, possibilite e incentive a comercialização de planos individuais de saúde, de modo a garantir o acesso individual ou familiar dos consumidores ao mercado de saúde suplementar.
O Ministério Público Federal também solicitou que a ANS defina um parâmetro de razoabilidade para os reajustes aplicáveis aos preços dos planos coletivos de saúde.
Ademais, é necessário que a agência atue para garantir, na regulação, o cumprimento da norma que exige que as cláusulas contratuais relativas à contratação de planos de saúde observem o dever de fornecer informações claras e acessíveis, utilizando uma linguagem simples e de fácil entendimento. O intuito é que todos os consumidores possam compreender facilmente a extensão das coberturas e as formas de reajuste dos preços dos serviços oferecidos pelas operadoras.
Plano Individual versus coletivo
O MPF requer ainda que a agência apresente uma proposta de regulação que obrigue as operadoras de planos de saúde coletivos a disponibilizarem um plano individual equivalente para os beneficiários do contrato coletivo, caso este seja cancelado. A ANS terá até 21 de novembro para se pronunciar sobre essa recomendação.
Por último, solicita-se à ANS que estabeleça normas para a proibição do cancelamento unilateral dos planos de saúde coletivos por parte das operadoras de planos de saúde, sem que sejam oferecidas condições adequadas ao consumidor e excluindo os casos previstos na legislação, tendo em vista a importância da prestação do serviço de saúde suplementar ao mercado consumidor.