O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de proteger direitos individuais homogêneos de consumidores. Principalmente nos casos em que os vícios ocultos vão além de interesses pessoais. Como, por exemplo, os automóveis. Essa foi a decisão da 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 24 de setembro.
A decisão do Ministério Público reforça o papel da instituição na defesa de direitos coletivos, especialmente em questões que afetam um número significativo de consumidores. O reconhecimento da legitimidade do MP para atuar em casos de vícios ocultos em veículos proporciona proteção aos interesses de indivíduos, óbvio. Mas vai além, visando a preservação da ordem econômica e da concorrência leal no mercado.
O recurso diz respeito a consumidores afetados por um defeito encontrado em determinados modelos de automóveis da Suzuki. Entre eles, modelo Jimny e o Vitara. Os consumidores relataram que, ao serem expostos a temperaturas iguais ou superiores a 35°C, havia o retorno de gases do combustível para a cabine. Como resultado, isso poderia ocasionar riscos de explosão ou incêndio, além de intoxicação dos passageiros. Os proprietários dos veículos também expuseram uma trepidação no volante. Tal sintoma pode indicar várias questões relacionadas ao sistema de suspensão, direção ou até mesmo à roda do veículo. Ademais, a trepidação pode ocorrer em casos de alinhamento ou balanceamento mal feitos. Ela também é a causa dos componentes internos do sistema de direção, como as juntas homocinéticas ou a caixa de direção.
No TJ/BA
O corpo de membros do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA) solicitou a procedência da ação. Na oportunidade, foi exposto que a parte requerida fosse condenada ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais enfrentados pelos consumidores. Ademais, foi estabelecida uma reparação por dano moral coletivo no valor de R$ 300 mil a ser destinada ao fundo federal de direitos do consumidor.
No recurso apresentado ao STJ, buscava-se esclarecer se houve negativa de prestação jurisdicional. Ademais, estava explícito a pergunta: afinal, o Ministério Público possui ou não legitimidade para propor Ação Civil Pública (ACP)? É realmente sua função proteger direitos individuais homogêneos de consumidores, quando os vícios ocultos em automóveis superam interesses pessoais?
O TJ/BA, apesar de reconhecer a defesa dos consumidores na ação civil, decidiu pela ilegitimidade ativa do MP. Os juízes entenderam que faltava relevância social. Dessa forma, o processo foi extinto sem análise do mérito.
Em suma, o termo jurídico “ilegitimidade ativa” refere-se à situação de uma pessoa ou entidade que não possui a legitimidade necessária para atuar como parte em um processo judicial. A origem desse conceito remonta ao Direito Processual Civil, constituindo uma construção jurídica que define quem tem o direito de ingressar com uma ação judicial.
Decisão do STJ
No STJ, a princípio, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, deu provimento ao recurso, sendo acompanhado por Humberto Martins. Por sua vez, o ministro Marco Aurélio Bellizze apresentou divergência, negando o provimento do recurso, acompanhado por Moura Ribeiro.
A ministra Nancy Andrighi atuou como desempatadora na análise, destacando que a doutrina caracteriza o interesse individual homogêneo como um direito individual “acidentalmente coletivo”. Para a magistrada, embora o interesse individual homogêneo tenha origem individual, ele abrange a coletividade, adquirindo relevância social e tornando-se indisponível quando tutelado.
Ela fez menção à obra “A natureza jurídica do direito individual homogêneo e sua tutela pelo MP como forma de acesso à Justiça”, de Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Ela acredita que a transcendência dos interesses particulares envolve valores jurídicos que são significativos para a comunidade como um todo. “Se o interesse individual homogêneo protegido apresenta relevância social e ultrapassa o âmbito dos interesses dos reais titulares da relação jurídica de consumo, ocasionando efeitos práticos em um conjunto amplo de potenciais consumidores que, de maneira sistemática e contínua, são afetados pela prática considerada ilegal, a legitimidade ativa do Ministério Público estará estabelecida”.
Direitos dos consumidores
A ministra afirmou que os interesses em questão abrangem todos os consumidores atuais e potenciais dos veículos mencionados, indicando que os defeitos nos produtos vão além do interesse individual dos compradores. Esses problemas afetam direitos coletivos e superiores, que visam proteger a vida, a saúde e a segurança dos consumidores, além de prevenir danos patrimoniais e morais.
A ação civil pública, então, torna-se um instrumento eficaz para coibir práticas abusivas e assegurar que os fabricantes e vendedores de automóveis cumpram com as normas de segurança e qualidade, garantindo assim um mercado mais justo e seguro. Além disso, essa decisão do STJ pode incentivar outras ações semelhantes, estimulando a responsabilização de empresas que não atendem aos padrões exigidos por lei. Essa postura é essencial em um cenário onde consumidores frequentemente se deparam com informações enganosas e produtos com falhas, comprometendo a confiança nas relações de consumo.
Qualidade e segurança
A repercussão da decisão também se estende ao entendimento de que os consumidores têm direito a um produto que corresponda às expectativas de qualidade e segurança. Com isso, resta reforçada a necessidade de transparência e honestidade nas relações de consumo, promovendo um ambiente mais saudável e justo.
Além disso, a ação civil pública se apresenta como um instrumento fundamental para a tutela coletiva dos direitos, permitindo que o Ministério Público atue em prol da sociedade, contribuindo para a mudança de comportamentos e práticas nocivas por parte das empresas. Essa decisão do STJ pode servir de precedente para futuros casos e iniciativas semelhantes, promovendo um fortalecimento da proteção ao consumidor no Brasil.
Para saber mais, acompanhe na íntegra o processo clicando nesse link.