A Audiência Pública nº 48, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tratou a política de preços e reajustes dos planos de saúde. Vale lembrar que todo reajuste faz com que uma parcela de consumidores das duas uma: ou não utilize mais o serviço ou se retraia, economizando mais, o que reflete em outros setores, em efeito dominó.
Fato é que, independentemente de qualquer coisa, os planos de saúde terão aumento, cujas mudanças podem ser “excepcionais”. Em geral, as operadoras de saúde aplicariam os valores considerados “excepcionais” quando estivessem passando por dificuldade financeira.
Planos de saúde individuais
No que diz respeito ao reajuste do plano individual, em 2018, após a publicação da Resolução Normativa nº 441, a metodologia foi normatizada. A consequência foi a transparência ao setor e aos consumidores. “A RN trouxe muitos avanços, e nós nos sentimos vitoriosos, porque conseguimos cumprir o que nos dispomos a fazer, lá trás, com a criação do Grupo Técnico de 2015”, explicou Daniele Rodrigues Campos, gerente econômico financeira e especialista em regulação de saúde suplementar da ANS, durante a Audiência Pública nº 48.
Desde 2018, segundo ela, graças à RN, hoje há dados públicos e auditados; informações do próprio mercado de planos individuais; transferência de ganhos de eficiência para os beneficiários, sem repasse direto da variação de custos; e correção das despesas conforme sua natureza (assistenciais e não assistenciais – VDA e IPCA). Por consequência, a ação gerou transparência, previsibilidade e segurança jurídica para as partes.
Formação do reajuste
Outro tema polêmico em 2015 era a “formação de preço” propriamente dita. Isso por causa da Nota Técnica de Registro de Produtos (NTRP), um dos instrumentos para a formação de preços. Em suma, a NTRP é um documento que justifica a formação inicial dos preços dos planos de saúde por meio de cálculos atuariais.
“A questão aqui é que a NTRP não traz, para a ANS, uma transparência com relação ao preço cobrado efetivamente. E ainda há outra questão: a banda do preço de comercialização estipulada na NTPR tem uma amplitude muito grande, podendo chegar a 87,7%, o que poderia permitir a seleção de risco por discriminação de preço e o desconhecimento do órgão regulador dos preços praticados”, afirmou Daniele. “No início, nós pensamos em uma mudar essa Nota, mas decidimos por aguardar outro sistema que já estava em desenvolvimento na casa para colher informações que precisamos, como valores de entrada e contratos. Então, com relação à formação de preços e a NTRP, nós estamos no aguardo desse novo sistema”.
Mecanismo de Regulação
Outra lacuna, segundo Daniele, é o Mecanismo de Regulação Financeira, o qual voltou recentemente à competência regimental da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos (Dipro), da ANS. “Esse mecanismo de regulação diz respeito à participação financeira do beneficiário no que tange à utilização de serviços assistenciais. Em suma, ele serve como uma ‘moderação’ da utilização do serviço médico-hospitalar. Não que se queira impedir a utilização, mas ele serve para verificar uma falha de mercado bem conhecida: o risco moral“. Então, aqui o obstáculo está em mitigar a falha regulatória de risco moral. Entretanto, está o fato que o plano é mais procurado por ele ser mais acessível em termos financeiros. “Trata-se de um mecanismo que precisa de aprimoramento”, confirma Daniele.
O risco moral, também conhecido como moral hazard, tange à alternativa de um agente econômico mudar sua conduta a partir do reconhecimento de variadas situações nas quais ocorrem as transações econômicas. Em resumo, refere-se a uma situação em que um lado do mercado usufrui de maior quantidade de dados, ou informações mais seguras, do que o outro. O risco moral envolve dois casos: ou a ação não foi verificável; ou um dos agentes teve privilégio de informação durante a transação econômica.
Coparticipação e franquia
Ademais, dentro do Mecanismo de Regulação Financeira, existem outras lacunas, que são:
- O que é considerado fator restritor severo?
- O que significa uso de medicamentos sem procedimentos?
- No que tange a limites máximos, como eles se dão? Por procedimento? Ou por mês?
- E quais são os procedimentos isentos do fator moderador?
“Dada essas lacunas, presentes na Resolução Consu nº 8, de 1998, a ANS trouxe o assunto para a agenda regulatória. Em síntese, a autarquia chamou para si o compromisso institucional de avaliar os limites de coparticipação e franquia, bem como suas vedações”, comentou Daniele.
O plano de saúde com coparticipação é quando o beneficiário paga um valor à parte pela realização de um procedimento ou evento. Já no plano de saúde com franquia, é estabelecido um valor no contrato até o qual a operadora não tem responsabilidade de cobertura, seja nos casos de reembolso ou nos casos de pagamento à rede credenciada, referenciada ou cooperada. “O objetivo não é só corrigir falha regulatória, mas sim de trazer mais opção de contratação, além de mais segurança e transparência, ao consumidor, na hora da contratação”, garantiu a especialista.
Analisando esse cenário, surgem algumas dúvidas: Quando o reajuste será aplicado? Como ele será calculado? Será possível solicitar portabilidade? Qual será o impacto disso para o bolso do consumidor? Para responder essas e outras perguntas, a Consumidor Moderno conversou com o advogado Lucas Miglioli, sócio-fundador do escritório M3BS Advogados e membro da Comissão Permanente de Governança e Integridade da OAB/SP e da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP.
Influência dos fatores para reajuste
Confira na íntegra a entrevista:.
CM: quais fatores mais influenciam o reajuste anual dos planos de saúde?
O reajuste anual dos planos de saúde é determinado por diversos fatores e pode variar de acordo com o tipo de plano (individual/familiar, coletivo por adesão ou coletivo empresarial). Os principais elementos incluem:
- Inflação médica: aumento dos custos dos serviços médicos, que frequentemente crescem mais que a inflação geral da economia, abrangendo consultas, exames, internações e outros procedimentos;
- Frequência de utilização: número de vezes que os beneficiários utilizam os serviços do plano de saúde. Quanto maior a frequência, maior pode ser o reajuste;
- Custos médico-hospitalares: despesas com hospitais, laboratórios, médicos, medicamentos, materiais e outros itens relacionados ao atendimento de saúde;
- Envelhecimento da população: planos de saúde com uma faixa etária maior tendem a ter custos mais elevados devido à maior demanda por serviços médicos;
- Mudanças regulatórias: alterações nas regulamentações e leis que regem os planos de saúde podem impactar os custos e, consequentemente, os reajustes.
Cálculo
CM: como o reajuste é calculado?
Os planos de saúde tem seus reajustes calculados com base no tipo de cobertura, abrangência e contrato. Para planos individuais e familiares, o índice definido pela ANS funciona como um teto máximo. Ou seja, as operadoras podem aplicar um reajuste até esse limite. Entretanto, elas não são obrigadas a utilizar todo o percentual definido. Nos planos coletivos com mais de 30 vidas, o reajuste é negociado diretamente entre a operadora e a pessoa jurídica contratante (associação, sindicato, etc.), com monitoramento pela ANS. O objetivo é evitar abusos. No caso dos planos coletivos por adesão, o valor é negociado entre a empresa contratante e a operadora, com acompanhamento da ANS para evitar aumentos excessivos.
CM: há um percentual máximo para reajuste por mudança de faixa etária?
Sim, a ANS regulamenta os percentuais de reajuste por faixa etária conforme a Resolução Normativa nº 563/2022. Existem dez faixas etárias para aplicação dos reajustes, com limitações para garantir moderação e previsibilidade nos aumentos. São elas: do zero a 18 anos; 19 a 23 anos; 24 a 28 anos; 29 a 33 anos; 34 a 38 anos; 39 a 43 anos; 44 a 48 anos; 49 a 53 anos; 54 a 58 anos e 59 anos ou mais. Sempre lembrando que: o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária, em primeiro lugar.
Em segundo lugar, a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas. E, por fim, as variações por mudança de faixa etária não podem apresentar percentuais negativos.
O consumidor tem como pagar menos?
CM: existem alternativas para pagar menos por um plano de saúde?
Sim, como optar por planos coletivos oferecidos pela empresa onde se trabalha, que geralmente têm condições mais favoráveis. Planos regionais também podem ser mais econômicos do que os nacionais. A coparticipação, onde o beneficiário paga uma parte dos procedimentos realizados, e a escolha de acomodação em enfermaria em vez de quarto particular também podem reduzir custos mensais.
CM: quais cuidados os consumidores devem ter ao contratar um plano?
É imprescindível que a pessoa se certifique sobre a rede de hospitais, clínicas e médicos conveniados. E verificar se realmente atende suas necessidades e está localizada em uma área de fácil acesso. Ademais, outro conselho é ler atentamente as coberturas oferecidas e comparar com as próprias necessidades, mesmo porque planos mais baratos podem ter coberturas limitadas. Ademais, é importante estar atento às cláusulas de reajuste por faixa etária e anual para evitar surpresas com aumentos futuros. Por fim, vale checar a reputação da operadora consultando órgãos de defesa do consumidor, a ANS e opiniões de outros usuários, e ainda consultar um corretor de seguros especializado, que pode ajudar o consumidor a encontrar o plano mais adequado às suas necessidades e orçamento.
Portabilidade
CM: como funciona a portabilidade?
O consumidor tem direito de trocar de plano ou operadora sem cumprir novas carências. Contudo, há a condição que os planos sejam equivalentes ou inferiores. Assim como em casos de morte do titular ou perda da condição de dependente. A ANS estabelece que para a primeira portabilidade, o beneficiário deve cumprir dois anos de permanência no plano atual ou três anos em caso de Cobertura Parcial Temporária (CPT). Em outras palavras, se você já tem um plano de saúde e deseja mudar para outro, verifique as regras de portabilidade de carências para evitar ficar sem cobertura.