Earwin “Magic” Johnson, lenda do basquete, 5 vezes campeão da NBA, 2 vezes medalhista olímpico, primeiro e único “rookie” (calouro) a ser o melhor jogador das finais da NBA na história, faz um apelo para que os jovens tenham mentores. Seu painel na NRF 2024 foi uma daquelas jogadas que mudam partidas e campeonatos. O evento anual, que reúne o ecossistema de varejo americano e atrai milhares de brasileiros todo mês de janeiro para Nova York, estava dentro do formato consagrado. Mas “Magic” Johnson quebrou o protocolo, saiu da poltrona e trouxe seu entrevistador, John Furner, presidente da poderosa Walmart para sentar na escada do palco.
“Magic” fez a mágica e se colocou no mesmo nível da plateia. Um gesto simbólico, que diz muito sobre o que um líder da atualidade deve ser: comunicador, acessível, inclusivo, focado em números e dados. Mas “Magic” tem trunfos adicionais: foi um jogador de basquete absurdamente criativo, que jogou em um time lendário e ganhou campeonatos lendários com o Los Angeles Lakers. As mágicas realizadas nas quadras, alimentaram um espírito de admirável resiliência, dedicação e vontade real de aprender e reaprender.
Das quadras, Earwin “Magic” Johnson trouxe a vontade irresoluta de ganhar e de melhorar. Sua nêmesis, seu grande adversário era Larry Bord, extraordinário ala do Boston Celtics, rival histórico dos Lakers, o estimulou a sempre aprender novas formas de melhorar seu jogo. E esse princípio norteia sua carreira como empreendedor, à frente da Magic Johnson Enterprises. Seus negócios passam por franquias da NFL (Los Angeles Dodgers), WNBA (Los Angeles Sparks), seguros (EquiTrust Life Insurance Company) e food service (SodexoMAGIC).
Craque nas quadras, “Magic” Johnson mostrou ser um líder com imenso carisma. Ao descer do palco, o agora executivo procurou se mostrar autêntico e acessível. Ele falou sobre seus feitos no esporte e o quanto sua carreira o ensinou a ser mais competitivo e mais respeitado como empreendedor. Ainda assim, Johnson não deixou de ressaltar que é um homem de números. Ele até mesmo revelou que sua filha adolescente pediu para que ele a financiasse em um negócio digital, o que só aconteceu após ele pedir um Business Plan. Somente após mostrar números e estimativas, sua filha conseguiu o aporte do pai para iniciar seu negócio.
Um exemplo repetido
O exemplo de “Magic” Johnson, à parte seu carisma, pode ser encontrado em outros CEOs presentes à esta edição da NRF. Phillipe Schaus, CEO da Móët ã, Bob Eddy, CEO da BJ’s Wholesale Club, Antônio Vincent, Presidente da Mars Wrigley North America, fizeram declarações semelhantes.
Pode ser um ensaio? Pode ser uma forma de controlar a informação oferecida aos clientes? Pode. O que chama atenção é a recorrência com que determinados conceitos são repercutidos pelos CEOs das empresas mais diversas do mundo. Foco, dedicação, capacidade de aprender, desenvolver e melhorar os times, não se iludir com a tecnologia. Sobretudo, entregar valor para os consumidores.
E o que vem a ser valor? Ele ultrapassa o custo, o preço e representa um ganho para o cliente, na forma de serviços, preferência, recorrência, lealdade até. E todos os CEOs mostraram sua capacidade de entender como gerar essa noção de valor, seja na forma de serviços, seja na combinação com outros players para criar ecossistemas.
Poucas indústrias são mais eficientes na atribuição de valor quanto o luxo. É impressionante perceber como o luxo ganhou mais espaços, explorando mídias sociais, influenciadores, diversificando ofertas e aumentando a aspiração e o diálogo com consumidores dos mais diferentes perfis. O luxo consegue ser frugal e até “detonado”, assumindo aparências “sujas” para ir de encontro às aspirações das gerações mais jovens.
Ainda assim, nem mesmo nas quadras ou nas lojas mais requintadas, é possível ter certeza de que as condições de sucesso permaneçam intocadas no futuro breve. Isso porque lideranças, muitas vezes, são beneficiadas por circunstâncias e não necessariamente pelas habilidades disponíveis.
Desconstrução x Reconstrução
O CEO de qualquer empresa enfrenta muitos obstáculos, cada vez mais complexos e multifacetados em nossa era conturbada. Kate Ancketill, CEO da GDR Creative Intelligence e talentosa trend setter (caçadora de tendências), destaca mudanças sensíveis nos padrões de consumo:
- No Japão, mais fraldas geriátricas são vendidas do que fraldas para bebês, sinalizando a dramática mudança demográfica em praticamente todos os países (longevidade e envelhecimento populacional);
- Na Califórnia (e em muitas outras localidades, São Paulo, por exemplo), o custo de vida supera a renda média da população; Crescimento acelerado do consumo de segunda mão, consequência da queda de renda e de uma consciência ambiental desfocada – o segundo maior app de e-commerce do ecossistema da Alibaba, na China, é o Idle Fish, especializado em artigos de segunda mão);
- A adoção de IA por varejistas vai atingir 80% de penetração em 2 anos.
Estes fatores, somados a muitos outros, comportamento do consumidor, padrões de consumo da Geração Z que são adotados pelas demais gerações, mudança climática, conflitos armados, estão criando uma onda de desconstrução de verdades e modelos.
Esse é o copo meio vazio
O copo meio cheio sinaliza a chegada de uma era de reconstrução. E essa transição vai demandar habilidades muito específicas das lideranças. A constante é a geração de valor para o cliente. As variáveis passam pelo grau de desconstrução que irá afetar cada segmento. No varejo, por exemplo, essa desconstrução promete ser intensa. A loja orientada à exposição de produtos para venda simples, serão colocadas de lado, lentamente, pelo consumidor a procura de dopamina e refúgio.
Quantos negócios, na verdade, estão preparados para ser, de fato, um terceiro lugar e fonte de dopamina para seus clientes? Quantos negócios podem ser considerados indispensáveis nas vidas das pessoas? Quantas empresas são capazes de gerar engajamento real de seus colaboradores e admiração real pelas lideranças?
Quais são as habilidades que as lideranças devem ter para tomar decisões de melhor qualidade, diante de variáveis tão incontroláveis e com dados tão contraditórios entre si? O que vem a ser curto prazo é longo prazo diante desse ciclo de desconstrução permanente que impacta negócios e sociedades?
Valores são a nova âncora
As lições dos executivos passam pela simplicidade dos valores. Integridade, respeito, humildade, gestão horizontal, decisões baseadas em poucos dados, calibrados para cada atividade específica, facilidade de comunicação, desenvolvimento dos times. Esses conceitos simples funcionam como âncoras para dar sentido e direção às empresas. Os momentos são incertos e despertam insegurança? As lideranças mais aptas a tomar boas decisões usam os valores da empresa para orientar os estudos e a razão, evitando a precipitação. Em meio à profusão de números, saber qual estratégia seguir envolve sabedoria para escolher os dados fundamentais que mais representam a realidade do negócio, seu contexto e suas apostas.
Equilibrar circunstâncias, habilidades, valores e bom senso, com disposição infatigável para comunicação formam o núcleo central do CEO, do líder com mais chances de ser bem-sucedido.