No Brasil, a aviação civil vive uma situação contraditória. De um lado, estão os consumidores insatisfeitos com os serviços oferecidos pelas companhias aéreas. Afinal, cancelamentos, atrasos, voos lotados, morte de animais e dificuldade para obter reembolso são algumas das múltiplas lacunas que tem levado os consumidores a buscarem a Justiça para resolver seus problemas. E isso transformou o Brasil em um recordista mundial de processos nesse campo, em especial.
Para se ter uma ideia da judicialização no segmento, dados Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), com base em informações reportadas pelas empresas à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mostram que o custo dos processos movidos por passageiros supera R$ 1 bilhão por ano. Isso faz com que os números brasileiros sejam bem acima da média mundial.
E, se de um lado estão os consumidores insatisfeitos, do outro lado estão as empresas. Elas argumentam que a grande monta de ações atravanca as operações das empresas. Mas, não é só. Como diz o ditado “quem reclama, da reclamação se torna vítima”, a judicialização na aviação civil eleva os preços das passagens, reduz a oferta de voos e afasta potenciais novos concorrentes que poderiam incitar melhorias nos serviços.
Direito do consumidor na aviação
Contudo, do ponto de vista do consumidor, é difícil (ou impossível) deixar a má qualidade na prestação de serviços passar batido. Vamos a um caso recente: uma consumidora que voltava de Cancún, México, para o Aeroporto Internacional de Guarulhos, Brasil, no dia 1º de abril de 2023, passou por inúmeros apuros com a companhia aérea LATAM.
Tudo começou quando o voo da passageira Eliane Alcolea Zavataro, que viajava com a mãe, de 80 anos e cadeirante, atrasou.
Ela tentou entrar em contato com a companhia aérea para obter informações atualizadas sobre o próximo voo disponível, buscando uma solução para sua situação delicada. Entre idas e vindas, um guichê e outro e vários telefonemas, a consumidora só conseguir obter da empresa informações a respeito do seu voo atrasado muito tempo depois. E, em efeito bola de neve, o atraso no voo e a falta de esclarecimentos por parte da companhia fez com que a consumidora perdesse a conexão para o Brasil.
Óbvio que a passageira ficou angustiada e teve que adiar todos os seus compromissos.
Deveres da companhia
Ocorre que, do ponto de vista das obrigações da companhia aérea, a legislação determina que, seja por mau tempo, acidentes ou falhas técnicas, não importa: o que importa é que as empresas têm a obrigação de compensar os clientes em situações de atrasos nos voos e lotação no saguão do aeroporto.
Portanto, a lei determina o seguinte:
- Informar o passageiro a cada 30 minutos sobre a previsão de partida dos voos atrasados;
- Fornecer assistência material gratuitamente, de acordo com o tempo de espera;
- Oferecer reacomodação, reembolso total ou alternativa de transporte, com a escolha ficando a critério do passageiro, nos casos de atrasos de voos superiores a quatro horas ou cancelamentos.
Obrigações em casos de atraso
Em caso de atraso, é preciso que a companhia aérea forneça as seguintes assistências, conforme a espera:
- A partir de uma hora: comunicação através de telefone e/ou internet;
- Depois de duas horas: alimentação, com direito a voucher, refeição ou lanche;
- De quatro horas em diante: hospedagem (somente em caso de pernoite no aeroporto), bem como transporte de ida e volta.
Os Passageiros com Necessidades de Assistência Especial (Pnae), como a mãe de Eliane, têm sempre direito à hospedagem, independentemente da necessidade de pernoite no aeroporto. Isso se estende aos seus acompanhantes.
Falta de cuidado
“Pois nada disso aconteceu”, informou o advogado especialista em Direito do Consumidor, Stefano Ribeiro Ferri, advogado que defendeu a autora na ação. “A LATAM falhou na prestação de auxílio, uma vez que não houve cuidado na resolução do problema. Para agravar ainda mais o caso, a passageira nem sequer conseguiu pernoitar em hospedagem próxima ao aeroporto. Em nenhum momento, a consumidora conseguiu comunicação plausível com a empresa”.
Eliane Zavataro só conseguiu hospedagem no meio da madrugada, e em hotel distante 1 hora de viagem do aeroporto, que inviabilizou a pernoite no hotel.
Então, em decisão tomada após recurso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que a empresa de aviação arque com a indenização de R$ 10 mil por danos morais. A decisão foi dada no dia 15 de maio de 2024.
Bons olhos
Segundo Stefano Ribeiro Ferri, a decisão do TJ-SP “deve ser vista com bons olhos, pois reconhece a importância dos direitos do consumidor e a necessidade de reparação adequada pelos danos sofridos. Isso contribui para a construção de um ambiente de consumo mais justo e equilibrado para a aviação civil no Brasil.”
O advogado também aponta que “a decisão está solidamente fundamentada nos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que garantem a reparação dos danos causados aos consumidores por falhas na prestação de serviços”.
Boletim da Aviação Civil
O mais recente Boletim de Monitoramento do Consumidor.gov.br, divulgado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mostra que as principais reclamações dos consumidores são: em primeiro lugar, “mudança de voo pela companhia aérea” (22,68%). Na sequência, aparece a “mudança de voo pelo passageiro” (16,20%). E, em terceiro lugar, está a questão do “reembolso” (15,52%).
Para a Agência Nacional de Aviação Civil, os temas mais reclamados indicam áreas nas quais as empresas de aviação precisam aprimorar seus serviços e comunicação com os clientes.
No início de 2024, 28,5 milhões de passageiros escolheram voar pelo Brasil. Durante essas viagens, a LATAM se destacou como a empresa de aviação nacional com o menor número de reclamações por cada 100 mil passageiros.
Entre as maiores empresas estrangeiras de aviação, a United Airlines se destacou. Fato é que a LATAM encerrou o trimestre com um índice médio de 62,19 reclamações. Na sequência, aparece a Azul (com 73,57 pontos), e, depois, a GOL com 78,22. Em relação às maiores empresas estrangeiras, a United Airlines registrou o menor índice de reclamações, com 40,96.
As companhias aéreas listadas no relatório receberam 20.874 queixas no trimestre. Isso equivale a 73,28 queixas a cada 100 mil passageiros, representando uma redução de 3,7% em comparação com o mesmo período do ano anterior.
O relatório apresenta os resultados dos indicadores referentes à quantidade de reclamações de usuários da aviação civil e ao desempenho na resolução de problemas. Em suma, a conduta na resolução de problemas alcançou um índice de 85,76%. Esse percentual representa um aumento de 6% em relação ao ano anterior. A média de satisfação com o atendimento das empresas de aviação também melhorou, atingindo 3,62 em uma escala de 1 a 5, o que representa um aumento de 2,5%.