As queixas sobre a aviação civil não param de crescer. Em suma, problemas como atrasos constantes, cancelamentos de voos, overbooking e extravio de bagagem têm sido fonte de insatisfação para os passageiros. A falta de transparência e de agilidade no atendimento às demandas dos consumidores também tem sido motivo de queixa. Fato é que as companhias aéreas precisam se esforçar para melhorar seus serviços e garantir uma experiência mais satisfatória para todos os passageiros.
E é justamente com o intuito de promover a implementação eficaz de políticas e normas no setor de aviação civil, que a Unidade Nacional de Capacitação do Ministério Público (UNCMP) promoveu o seminário “Os desafios contemporâneos dos direitos do consumidor e a regulação da Aviação Civil”. A atividade foi realizada no dia 15 de maio e focou na proteção e defesa dos direitos dos passageiros. Tudo isso sem deixar de lado um ambiente mais justo e equitativo para as empresas da aviação civil, as quais impulsionam o comércio, turismo e o desenvolvimento econômico.
Desenvolvimento da aviação civil
Ricardo Bisinotto Catanant, diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), começou sua fala enfatizando a importância do evento: “Ter um olhar peculiar sobre os consumidores de serviços do transporte aéreo. Trata-se de um serviço muito importante, em um país continental. Nós temos indicadores que são desanimadores, mas o desenvolvimento da aviação civil no Brasil é um imperativo”.
E então, Catanant levantou algumas questões: como trazer mais a classe C e D para o transporte aéreo? Como fazer com que as pessoas entendam aquilo que elas estão contratando?
Qual é a melhor forma de fazer com que a aviação civil cresça, mas sem deixar de lado a segurança, buscando mais e mais a promoção e a concorrência, com a entrada de novas empresas?
Por sua vez, Luiz Augusto Santos Lima, vice-procurador-geral da República, afirmou que os direitos do consumidor e a regulação da aviação civil são temas extremamente complexos. Isso porque, segundo ele, os consumidores só enxergam duas ou três empresas. E o transporte internacional basicamente feito por empresas estrangeiras. “Em suma, tudo é muito complicado. Quem já teve uma mala perdida sabe a dificuldade que estamos falando. Mesmo sendo aplicada à legislação, fato é que não se tem resultados muito concretos não”.
Consumidores x Empresas
Mas, se para o consumidor viajar é difícil, para as empresas operarem, o cenário é igual ou ainda mais obscuro. “E essa realidade demanda que tenhamos um olhar mais atento para a indústria da aviação civil. Ninguém abre uma empresa para ela morrer. E isso é justamente o que ocorre no Brasil, que está se tornando um verdadeiro cemitério de empresas de transporte aéreo do Brasil. As empresas brasileiras estão quebradas, em recuperação judicial nos Estados Unidos. E nós não podemos nos dar ao luxo de ver essas empresas quebrar. Em suma, é vergonhoso esse fato, em um país desse tamanho e com as atuais dimensões econômicas”.
Com esse raciocínio em mente, Luiz Augusto Santos Lima argumenta que é preciso defender o consumidor, sim, mas sem esquecer que o serviço da aviação tem que estar disponível – para o bem de todos. E, nesse aspecto, ele chama a atenção para o excesso de judicialização. “O volume de processos está mesmo favorecendo o consumidor judicial e materialmente?”, pergunta.
Na sequência, foi a vez da procuradora de Justiça Tatiana Bicudo apresentar seu ponto de vista. A diretora da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo ressaltou que o tema do evento é muito adequado. “Portanto, preocupa os consumidores brasileiros”.
Soluções rápidas?
Por fim, o último componente da mesa a comentar foi o conselheiro e presidente do CNMP, Paulo Cezar dos Passos. “Quando o assunto é aviação civil, claro que não vamos encontrar soluções mágicas e mirabolantes da noite para o dia. Mas precisamos encontrar soluções consensuais e que sejam factíveis de cumprimento, preservando também as empresas desse setor”.
Nas palavras de Passos, presidente da Unidade Nacional de Capacitação, a prestação do serviço apresenta problemas. Aliada à questão da segurança, a qualidade desse serviço é objeto de interesse não apenas do MP e da Anac, mas também do modelo de desenvolvimento do Estado brasileiro. “O MP, tal qual como a Anac, quer o cumprimento da legislação e quer também o cumprimento que é muito caro a todos nós: a Constituição Federal”.
A mesa dialogal foi composta pelos seguintes convidados especialistas: a promotora de Justiça Ana Beatriz Frontini, Ricardo Catanant e o promotor de Justiça Luiz Eduardo Lemos.
Boletim da Anac
No ano de 2023, foram registradas 86.241 reclamações sobre transporte aéreo de passageiros no Consumidor.gov.br. O número de queixas representa uma redução de 19,6% no número absoluto de demandas em relação a 2022.
Contudo, o índice de reclamações a cada 100 mil passageiros foi de 76,7 em 2023. Juntas, as empresas brasileiras apresentaram um índice de 71,3 reclamações a cada 100 mil passageiros em 2023.
Precipuamente, as empresas estrangeiras registraram 118,9 reclamações a cada 100 mil passageiros no período, apresentando uma redução de 50,5% no índice com relação a 2022. “Esses números impressionam e mostram o tamanho do desafio que temos que enfrentar”, ressaltou Paulo Cezar dos Passos, perguntando para o diretor presidente substituto da Anac, Ricardo Catanant, sobre a abordagem da Agência na regulação econômica dos serviços aéreos, com ênfase na regulação das relações de consumo. “Há algum antagonismo entre o desenvolvimento do setor e os direitos do consumidor?”.
Direitos consumeristas
De acordo com Catanant, não há oposição entre evolução e direitos consumeristas: “Em primeiro lugar, gostaria de enfatizar que a Agência começou seus trabalhos em 2006 e eu, igualmente, iniciei meus trabalhos por lá nesse mesmo ano. Certamente que uma tônica na regulação foi a de promoção de concorrência. Em outras palavras, a Anac promoveu o desenvolvimento do setor em benefício dos consumidores que puderam utilizar mais os serviços de transporte aéreo”.
O resultado disso foi o crescimento do setor. No início do século, a alavancagem do segmento estava três vezes acima do Produto Interno Bruto (PIB).
De tal forma, assim se sucedeu, conforme explicou Catanant, até 2015, quando houve uma crise econômica em nível mundial. Na época, o setor teve um prejuízo de mais de 300 milhões de dólares.
“Primordialmente, houve uma forte inclusão social e queda acentuada nos preços. Isso significou mais de 80 milhões de passageiros ao ano sendo transportados. Por conseguinte, essa realidade ocasionou desafios, posto que a expansão da infraestrutura não acompanhou o crescimento”.
Por consequência, um dos objetivos da Anac é fazer com que o consumidor saiba os produtos que ele está adquirindo. Analogamente, a Agência trabalha a informação e a transparência: “Temos que ter um olhar cuidadoso para saber se os consumidores não estão sendo lesados”.
O papel da Anac
Luiz Eduardo Lemos de Almeida concordou com Catanant, que não há antagonismo, vez que a Anac zela pelos direitos consumeristas. “A Anac não é órgão de defesa do consumidor, mas é incumbida de zelar pela legislação consumerista. E isso já estava na lei de criação da Anac”.
Então, como é possível potencializar a comunicação entre Ministério Público e Anac, que servirá para todas as agências reguladoras?
Para Ana Beatriz Frontini, seria importante a Anac ter um canal de comunicação com os Ministérios Públicos dos Estados. “Analogamente, teríamos subsídios para saber a situação de uma determinada empresa. Nesse ínterim, seria possível investigar se a falha é sempre reiterada ou não. As Agências reguladoras têm que manter uma certa distância, tanto da empresa quanto do consumidor, e ela é estanque do Poder Executivo, sendo, portanto, bem autônoma. Ela está ali para sanear aquele mercado”.
Ao final do seminário, foi realizada a cerimônia de assinatura de termo de cooperação entre a UNCMP e a Anac. Em princípio, o acordo tem por finalidade a conjugação de esforços no intercâmbio de conhecimentos e de informações, bem como de experiências para o desenvolvimento de ações conjuntas voltadas à melhoria das relações de consumo no setor de aviação civil.
Dessa maneira, espera-se que a parceria promova a troca de boas práticas e conhecimentos relevantes, contribuindo assim para um ambiente mais transparente e favorável aos consumidores de serviços no setor de aviação civil.
A cooperação entre as partes pode gerar impactos positivos na qualidade dos serviços prestados, na segurança dos passageiros e na proteção dos direitos dos consumidores.
O seminário foi transmitido ao vivo pelo canal do CNMP no YouTube. Os desafios contemporâneos dos direitos do consumidor e a regulação da Aviação Civil | UNCMP (youtube.com).
Fotos: Sergio Almeida (Secom/CNMP).