Defesa do Consumidor

O impacto da ditadura dos apps nas relações de consumo

Para baixar apps no celular são necessárias duas coisas: a primeira delas é ter internet, inclusive para poder utilizá-lo. E, em segundo lugar, está a capacidade na memória RAM do aparelho. O Facebook, por exemplo, ocupa cerca de 230 MB de espaço interno, mas, com o passar do tempo, por conta de dados do usuário e no cache, pode ultrapassar 1GB.

Já o app WhatsApp, o aplicativo mais popular em pelo menos 61 países, incluindo o Brasil, segundo um levantamento da ferramenta de análise de sites Similarweb, demanda, a princípio, 61,6 MB no sistema operacional Android e 184,9 MB nos smartphones iOS. Assim, ele não ocupa muito espaço, mas devido à quantidade de troca de mensagens, vídeos, áudio e fotos, o aplicativo vai demandando cada vez mais memória.

O problema é que, de app em app, a capacidade de memória do celular vai ficando cada vez menor. Por outro lado, os consumidores não conseguem mais viver sem aplicativo. Seja para chamar o guincho quando o carro quebra, ou para encontrar uma clínica médica no plano de saúde. Seja para malhar, escolher um destino para passar as férias ou até mesmo para saber a previsão do tempo. Tem quem use os apps até para se alimentar, beber água e contar calorias. De fato, a pergunta que não quer calar é: até que ponto estamos dependentes dos apps?

Apps x Dependência Digital

A principal característica da dependência digital é o uso excessivo de aparelhos eletrônicos, em especial, o celular. Vale destacar que, em 18 de junho de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a nomofobia, que é o medo irracional de estar sem celular ou aparelho eletrônico, e a dependência digital no Código Internacional de Doenças (CID-10).

Estamos falando aqui de patologias recentes, surgidas em função dos avanços tecnológicos na sociedade. Segundo a OMS, cerca de 176 milhões de indivíduos no mundo são nomofóbicos. Em casos extremos, a dependência digital pode ser comparada ao uso de uma droga, apresentando sintomas como sudorese, irritabilidade, taquicardia, impaciência e pânico quando o usuário se vê sem ela.

Apps de bancos

No caso dos serviços financeiros, a situação exige um olhar mais atento, vez que, com o aumento da digitalização, os grandes bancos têm enxugado suas estruturas físicas. Prova disso está em uma pesquisa da Ável Investimentos, com base em informações da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que aponta que os cinco maiores bancos do país – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Caixa Econômica Federal e Santander – fecharam 2.563 agências de 2020 a 2022.

Isso significa que, daqui para frente, quem precisar de um banco para fazer saque, pagar contas ou resolver qualquer problema presencialmente pode encontrar dificuldades. Fato é que aos poucos, ou às pressas, tudo vai migrando para o app e a expressão “baixa o app” nunca esteve tão em voga.

Contudo, nesse caso, como nos últimos anos tem crescido a quantidade de crimes e fraudes, os bancos têm implementado sistemas de segurança robustos. Então, as soluções, instaladas nos dispositivos dos usuários para que estes possam aproveitar as facilidades do acesso online, eventualmente impactam o desempenho do dispositivo, tornando-o mais lento e até mesmo afetando o funcionamento de outros softwares.

“Baixe o app” é tendência

Carlos Rafael Neves, professor da ESPM.

Analisando o cenário, o engenheiro da computação Carlos Rafael Neves, professor do curso de Ciências de Dados e Negócios da ESPM, explica que o termo “baixe o app” se tornou tendência.

Agora, até os órgãos governamentais estão fazendo com que as pessoas baixem cada vez mais aplicativos. “Trata-se de um aspecto bem relevante não só nas relações de consumo. Mas percebemos também uma proliferação, inclusive dos governos, ditando a ordem, para o cidadão, ‘baixar o app’”.

Mas por que isso está acontecendo?

Na visão de Neves, toda vez que um aplicativo é baixado, o indivíduo não precisa mais entrar no site da empresa ou instituição. A ideia, portanto, é oferecer facilidade.

Mas, há ainda mais benefícios, como fortalecimento da marca, aumento da fidelidade do cliente, além da ideia de oferecer um atendimento prático e personalizado, que esteja na palma da mão. “Em suma, os usuários podem ter acesso à marca no alcance de um clique. E com o tempo, só de pensar naquele serviço, o usuário se lembra do negócio. Ademais, uma simples notificação [push notification] no celular é suficiente para as empresas falarem sobre suas novidades, seus novos serviços e suas ofertas especiais, sem nem precisar abrir a aplicação”.

Atendimento ao consumidor

Outro detalhe importante é o atendimento: quando um consumidor tem um problema ou dúvida, é óbvio que ele quer resolver o mais rapidamente possível. E, muitas vezes, a velocidade do suporte técnico ou do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) é fator determinante para o cliente continuar sendo cliente. “Todo mundo, querendo facilidade de acesso à informação, migra para o app, que também se mostra mais confiável e personalizado, vez que com a aplicação na mão, o usuário não precisa se preocupar em anotar protocolo ou a conversa que teve com a empresa”, esclarece o professor da ESPM. “E, para as empresas, a grande vantagem das aplicações é que elas não precisam mais investir em tanta mão de obra, massificando assim o atendimento”.

Para o diretor executivo do Procon-SP, Luiz Orsatti Filho, as aplicações e facilidades trazidas pelos smartphones na telefonia móvel, são, inegavelmente, avanços que oferecem benefícios importantes para todas as atividades – seja nas relações de consumo, no lazer, para trabalhar ou utilizar serviços governamentais, por exemplo.

Automação

“No entanto, não podemos negar que a mesma tecnologia tem trazido problemas, ainda mais se considerarmos as dificuldades”, comenta Orsatti. “Muitas delas são geracionais, mas não existe só esse aspecto. Os consumidores relatam com frequência como o excesso de automação dos canais de relacionamento e até do próprio serviço em si tem acarretado impactos na relação”.

A impressão é que os desenvolvedores, de uma forma geral, não têm tido a preocupação na dosagem certa para que consumidores de diferentes gerações ou capacitações para conviver com TI possam utilizá-la com a mesma eficácia, ou que não seja um impeditivo.

Luiz Orsatti Filho, diretor executivo do Procon-SP.

Outro aspecto importante, na visão de Orsatti, é a capacidade de armazenamento e processamento dos smartphones, que não vão de encontro com o aumento da quantidade de aplicativos.

Diálogo para resolver conflitos

Assim, ele explica que os apps, visando a modernidade, vão ficando cada vez mais individualizados, adquirindo novas e diferentes funcionalidades. Este processo, aliás, não é exclusivo da área de telecom. Há relatos de novos edifícios com vagas de estacionamento cada vez mais diminutas, enquanto os novos automóveis estão cada vez maiores. Ou ainda a questão das embalagens de diversos produtos. E, com isso, produtos que eram para render um mês, por exemplo, acabam antes do previsto. O fenômeno, de tão usual, foi batizado de reduflação, expressão que soma “redução” com “inflação”.

“O que nós, a partir do ponto de vista de um órgão responsável pela defesa dos consumidores, avaliamos é que cada vez mais precisamos disseminar informações e promover conversas e debates entre fabricantes. No caso dos aplicativos, isso envolve os desenvolvedores de apps, incluindo hardware e de software. Acreditamos que o diálogo é o caminho possível e, ao mesmo tempo, adequado, para se chegar a um bom termo e equilibrar essas divergências nas relações de consumo”.

O diretor executivo do Procon-SP argumenta que, se na teoria essa conversa parece fácil e amigável, na prática, trata-se de um desafio gigantesco. “Isso porque é preciso considerar que diferentes gerações e grupos com capacidade de aquisição de equipamentos cada vez mais potentes – e mais caros – convivem simultaneamente. Em outras palavras, estamos falando de produtos que disputam mercado com outros que, antes, não eram concorrentes diretos. Só para exemplificar, hoje a prestação de um smartphone pode concorrer diretamente com o pagamento das prestações de um automóvel”.

Código de Defesa do Consumidor

Renata Abalém, diretora jurídica do IDC.

Orsatti então relata que no Procon-SP toda a equipe técnica está preparada para acompanhar tais evoluções de produtos e serviços. O que inclui, segundo ele, os relacionados aos apps que chegam ao mercado. A ação consiste em identificar e compreender as tendências, buscando fundamentá-las no Código de Defesa do Consumidor. “Nosso intuito é oferecer aos consumidores a melhor orientação possível. Isso tudo sem deixar de lado o debate direto entre as partes ou entre os grupos, o caminho mais adequado para soluções quando há divergências”.

Por fim, a advogada Renata Abalém fala da obsolescência programada. Ou seja: alguns produtos são projetados para ter uma vida útil mais curta ou operar com menos eficiência após certo período. “Trata-se de uma prática injusta de fabricação que, visando o lucro, resulta na insatisfação do consumidor”. Esse é o pensamento da diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte – IDC e da Câmara de Comércio Brasil Líbano.

“Essa menor durabilidade, intencionalmente programada pelas fábricas, visa aumentar a frequência de compras e, consequentemente, os lucros das empresas. O aparelho e a obsolescência do mesmo ou sua disfuncionalidade desregulam o mercado em favor do fornecedor. Veja o caso bilionário das baterias defeituosas do iPhone”, finaliza Renata Abalém, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP.

O evento A Era do Diálogo de 2024 irá debater o problema do apartheid digital. Programado para acontecer no dia 7 de maio, no Hotel Renaissance, em São Paulo, o encontro unirá vozes para moldar o futuro das relações consumeristas.

Assim, A Era do Diálogo é um espaço para reunir diversos elos da cadeia de prestação de serviço. O propósito é fortalecer a compreensão mútua e encontrar soluções para desafios enfrentados tanto em nível individual quanto coletivo. Saiba mais em: A Era do Diálogo.

Danielle Ruas

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