Com mais de três décadas dedicadas à tecnologia, Cíntia Barcelos é hoje uma das principais lideranças femininas do setor no Brasil. À frente da diretoria de tecnologia do Bradesco, comanda áreas estratégicas como arquitetura, infraestrutura, cibersegurança, operações de TI, dados e Inteligência Artificial. São pilares essenciais para a transformação digital de uma das maiores instituições financeiras do País.
A Consumidor Moderno conversou com a CTO do Bradesco, que tem a missão de simplificar e padronizar a arquitetura corporativa, acelerar a jornada para a nuvem, modernizar práticas de engenharia e impulsionar a adoção de metodologias ágeis. Além disso, atua como membro do conselho executivo do Bradesco Europa e da Kunumi, reforçando sua influência na articulação entre inovação, tecnologia e negócios em escala global.
Confira a entrevista na íntegra!
O papel do CTO
Consumidor Moderno: Como o papel do CTO tem evoluído dentro das organizações? E de que forma a Inteligência Artificial generativa tem mudado as prioridades da liderança e da área de tecnologia?
Cíntia Barcelos: Primeiro, na parte tecnológica, haviam várias áreas nas quais enfrentávamos algumas dificuldades com a IA clássica. Hoje, o fluxo conversacional, por exemplo, evoluiu muito com a tecnologia, permitindo a realização de tarefas de forma muito mais rápida. Tarefas que levavam meses ou até anos com a BIA, hoje conseguimos avançar em semanas com o uso da IA generativa. Além disso, a IA generativa ultrapassou os limites da TI e passou a permear toda a organização.
Hoje, um dos nossos papeis é fazer a curadoria: temos uma equipe dedicada a entender como cada área de negócio deseja utilizar essa tecnologia, muitas vezes com foco em produtividade do usuário final. Também fazemos uma curadoria dos engines utilizados, garantindo que sejam seguros, que protejam os dados da organização e dos nossos clientes. Criamos plataformas e alicerces que permitem a todas as áreas desenvolver casos de uso de forma mais ágil e segura.
CM: Que impacto a IA generativa tem gerado na cultura de inovação? Como o banco têm lidado com a escassez de talentos e a preparação dos colaboradores para essa nova realidade?
Hoje, todas as empresas – bancos, empresas de tecnologia – estão buscando os mesmos perfis de profissionais: desenvolvedores, cientistas de dados, arquitetos, especialistas em segurança, engenheiros SRE. A disputa por talentos é intensa.
No caso do Bradesco, temos um compromisso com a formação de pessoas. Isso faz parte do nosso DNA, principalmente por meio das iniciativas da Fundação Bradesco e Unibrad. Investimos fortemente em programas de upskilling e reskilling, além de trazer profissionais experientes do mercado para acelerar o desenvolvimento interno.
Um exemplo foi a aquisição da Kunumi. Ela é referência em ciência de dados e modelagem avançada, e trouxe centenas cientistas de dados altamente qualificados para nosso time. Além disso, a Kunumi tem uma conexão muito forte com o meio acadêmico, pois nasceu na UFMG. Recentemente, lançamos com eles um ICT (Instituto de Ciência e Tecnologia) com três laboratórios operacionais de IA e dados já em funcionamento, cinco em fase de assinatura e mais 14 em negociação. Essa conexão com universidades tem potencializado nossa atuação.
IA em larga escala
CM: Quais são os principais desafios para a implementação da IA generativa em larga escala, principalmente em um setor tão regulado quanto o financeiro? Como vocês tratam os aspectos de ética, transparência e segurança?
O primeiro ponto é garantir uma IA responsável. Nossos modelos não podem conter vieses e, para evitar isso, trabalhamos com equipes diversas. A diversidade traz diferentes perspectivas, o que melhora a qualidade dos modelos e das aplicações desenvolvidas.
A segurança é outro ponto essencial. Os modelos não podem ser contaminados ou apresentar comportamentos indesejados, como alucinações. Também é fundamental respeitar a privacidade dos dados e seguir a LGPD, especialmente quando usamos informações para hiperpersonalização via IA.
Todos esses pilares – diversidade, segurança, privacidade e governança de dados – estão presentes em tudo o que fazemos. Nossa plataforma Bridge consolida o conhecimento e a integração de engines, permitindo que esses princípios estejam incorporados nos nossos projetos com IA generativa.
Além disso, para escalar o uso da IA, temos investido em modelos multiagente. Um exemplo é o Renda Bra, modelo usado para crédito. E, para oferecer um crédito mais preciso, temos que conhecer bem a renda do cliente. Conseguimos, em parceria com a Kunumi, criar um modelo que estima a renda do cliente com altíssima precisão. Inicialmente, desenvolvemos esse modelo com especialistas, em um processo que levou meses. Depois, aplicamos agentes de IA especializados em diferentes etapas – curadoria, consolidação, modelagem – e conseguimos construir o mesmo modelo em poucas horas. O uso de multiagentes é como estamos vendo uma forma de escalar a IA na organização.
Tudo isso é potencializado pela nossa plataforma Bridge, que consolida o conhecimento da organização e integra os diversos engines usados em nossos projetos de Inteligência Artificial.
As fronteiras da IA
CM: Quais são as próximas fronteiras para o uso da IA generativa no setor bancário? E como o Bradesco está se preparando para manter a competitividade nesse cenário de rápida transformação tecnológica?
A primeira aplicação é no atendimento ao cliente. O Bradesco foi pioneiro e, até hoje, é um dos principais casos globais no uso de Inteligência Artificial nessa área.
Já utilizamos IA generativa para esclarecer dúvidas e oferecer soluções a todos os nossos clientes. Na parte de atendimento especializado, estamos com cerca de 3 milhões de clientes utilizando o serviço, e temos migrado aproximadamente 1 milhão por mês. Esse é um segmento em que ainda vamos crescer bastante. E, com a IA generativa, já conseguimos aumentar significativamente a resolutividade, atingindo 85% de efetividade.
Ou seja, a BIA está realmente entendendo o que o cliente precisa. Quando ela não consegue resolver um problema, o atendimento é encaminhado para um humano. Mas, isso tem acontecido cada vez menos.
Outro uso importante está na eficiência operacional. Um exemplo são as nossas centrais de cobrança. Utilizamos IA generativa para fazer coaching com os atendentes, por meio da transcrição de todas as interações. As conversas mais bem-sucedidas servem de base para identificar boas práticas e fornecer dicas aos demais colaboradores.
Além disso, utilizamos a IA generativa dentro da própria área de TI, especialmente no processo de modernização dos sistemas. O Bradesco tem um legado de 80 anos, e estamos acelerando a transição para cloud, sempre com foco na arquitetura do futuro. Agora, estamos preparando nossa arquitetura tecnológica para os próximos 80 anos.
Nesse contexto, o uso de multiagentes tem sido fundamental. Diferente de uma simples conversão de código, criamos agentes especializados: um entende o código legado, outro entende os novos requisitos de negócio, e há ainda um que interpreta transcrições de conversas com as áreas de negócio para identificar novos casos de uso. Cada agente entende a arquitetura futura desejada. Isso tudo vai acelerar muito essa nossa jornada.
CM: Para você, não existe experiência do cliente se não passar por novas tecnologias?
No final das contas, é sempre sobre pessoas. A tecnologia é uma alavanca, uma ferramenta, mas é sobre pessoas, é sobre o cliente.
Por isso, valorizamos tanto nossos talentos e estamos também evoluindo a cultura do Bradesco. Temos muito orgulho da nossa história. Mas, entendemos que precisamos manter o que funciona, começar a fazer o que é necessário e deixar de fazer o que não serve mais. Essa reflexão nos levou à evolução da nossa cultura organizacional, chamada “Sou Bradesco”, cujo pilar principal é: “Somos pelas pessoas e pelos clientes”.