O mercado de criptoativos, impulsionado por inovações tecnológicas e a promessa de descentralização, vive uma encruzilhada após a crise da FTX, uma das maiores corretoras de ativos digitais do mundo. A debacle da FTX, responsável por cerca de 10% do volume global de negociações de criptoativos, desencadeou uma série de eventos impactantes, redefinindo as percepções sobre a estabilidade e confiabilidade desse ecossistema emergente. O novo livro de Michael Lewis, “Going Infinite”, aprofunda o exame das concisões que levaram à ascensão e queda da FTX.
Exatamente por isso, é necessário olhar com atenção para os motivadores da adoção tanto de criptoativos quanto de fintechs. Há muita desinformação, provavelmente originada por promotores do status quo, a difundir a ideia de que negócios insurgentes soa beneficiados por emulações frouxas e servem de plataforma para formas razoavelmente sofisticadas de crimes financeiros. Mas um exame detalhado mostra que fraudes e golpes contra clientes incautos não são exclusividade de startups, ao contrário. Com base em um relatório da KPMG que destaca os desafios regulatórios em relação a fraudes e crimes financeiros em 2023, fintechs e empresas de pagamento precisam garantir que estão protegendo seus clientes contra fraudes, lavagem de dinheiro e crimes financeiros relacionados em suas plataformas. No entanto, não há estatísticas específicas sobre a frequência de golpes financeiros em bancos e fintechs.
Já de acordo com a International Compliance Association, o crime financeiro representa 3,6% do PIB global. O relatório da PwC Global Economic Crime and Fraud Survey 2022 mostra que 51% das organizações pesquisadas relataram ter sofrido fraudes nos últimos dois anos, o maior nível em 20 anos de pesquisa, indistintamente entre bancos e fintechs.
A crise da FTX e suas ramificações
A falência da FTX transcendeu fronteiras, abalando não apenas seus 20 milhões de clientes em 200 países, mas reverberando em outras corretoras, gestoras de ativos digitais e até mesmo gigantes do venture capital. A queda abrupta dos preços dos principais criptoativos, como Bitcoin e Ethereum, indicou uma vulnerabilidade intrínseca do mercado, enquanto a exposição de investidores institucionais tradicionais revelou a interconexão crescente entre os setores financeiros estabelecidos e o emergente.
As consequências da crise da FTX ecoam a necessidade de uma abordagem cautelosa no universo dos criptoativos. Especialistas defendem a custódia própria dos ativos, alertam para a exposição excessiva e clamam por uma regulamentação mais robusta. A instabilidade resultante não apenas expõe os riscos inerentes ao mercado, mas também questiona a maturidade e resiliência desse ecossistema.
Os princípios gerais da ascensão dos criptoativos, no entanto, continuam intactos. Blockchain e cripto significam uma forma de descentralização de ativos financeiros. Porque a centralização das trocas e transações financeiras não representam mais o mundo como ele é. O painel “uma ano após o FTX: morte ou reconstrução”, trouxe muitos conceitos que demonstram a adoção maciça dessa modalidade financeira mesmo após a queda do FTX. E essa adoção não irá passar pelos players tradicionais do sistema financeiro (a plataforma de investimentos XP, encerrou suas transações em criptoativos recentemente, a título de exemplo).
O fato é que, segundo Lorien Gabriel, CEO da Figment, empresa líder em infraestrutura de Blockchain, os sistemas financeiros regulares, dos grandes são extremamente frágeis, razão pela qual, há tanta procura por alternativas. Sobretudo, há um desejo implícito dos consumidores de testar novos formatos de investimento, compra, transferência e transações financeiras.
NFTs: além da popularidade efêmera
Paralelamente, os NFTs, como forma de arte digital, surgiram como um fenômeno cultural e econômico. Se em 2021 experimentaram um boom, 2023 trouxe consigo desafios inesperados, desde a saturação do mercado até preocupações ambientais e regulatórias. No entanto, a análise vai além da superficialidade, vislumbrando um futuro promissor para os NFTs.
A evolução dos NFTs pode se manifestar em maior utilidade e funcionalidade, integrando-se em setores diversos. A busca pela originalidade e qualidade, afastando-se da especulação, surge como um caminho para consolidar seu valor intrínseco. A visão analítica exige não apenas reagir aos desafios atuais, mas antecipar e moldar o futuro dos NFTs como verdadeiros ativos digitais multifuncionais.
Segundo Sarojini McKenna, CEO da Dacoco, uma editora de NFTs dedicadas ao metaverso, essas formas de arte podem ser criadas como séries limitadas, baseadas na lógica dos games, associadas à cultura de colecionáveis. O NFT pode representar seu avatar em um game, pode “evoluir”, pode assumir novas formas, de acordo com seu smart contract e seus atributos e é essa versatilidade que permite à cada arte assumir um valor distinto. Na verdade, cada NFT tem um código Blockchain que legitima absolutamente a propriedade intelectual e do ativo em si, o que não é exatamente verdade nós ativos físicos.
Uma analogia interesse, proposta por Stewart Rogers, editor da Dataconomy, é que os NFTs podem guardar semelhanças com os negócios imobiliários, a partir de suas “escrituras”, que estipulam a posse de uma pessoa sobre a arte. Ou seja, adquirir um NFT significa a aquisição de um título de propriedade, e que esses títulos podem ou não se valorizar. Outra estratégia de expansão é utilizar NFTs em programas de lealdade, como Starbucks vem tentando fazer. A ideia passa por oferecer artes que não necessitem de regulações, figuras e representações de objeto, por exemplo, que retém valor e não trazem riscos de uso indiscriminado e adicto.
Silvina Moschini e a visão estratégica dos criptoativos
Entrando no panorama mais amplo do negócio de criptoativos, encontramos Silvina Moschini, empreendedora e líder no setor, CEO da Unicoin. Em sua apresentação no Web Summit, a executiva italiana, trouxe uma narrativa que transcende as crises momentâneas nos criptoativos. Sua visão estratégica destaca os criptoativos não apenas como uma alternativa, mas o futuro do dinheiro. A descentralização proporcionada pelo blockchain não se limita apenas a transações financeiras, mas tem implicações em diversos setores, desde finanças até saúde e entretenimento.
O otimismo de Moschini, refletido em projetos como a Unicoin e o Unicorn Hunters, não apenas representa uma abordagem inovadora, mas delineia um movimento rumo à democratização do capital e da riqueza. Essas iniciativas não são apenas respostas às crises temporárias, mas estratégias para remodelar os alicerces do sistema financeiro global. Segundo a executiva, “o trem do Bitcoin saiu da estação”, e agora, com o anúncio da BlackRock, um dos mais respeitados fundos de investimento do mundo, de investir em cripto, há uma oportunidade de dar às pessoas uma nova forma de reserva de valor.
“Então, na verdade, colocamos algo tangível que as pessoas podem ver e voltar à moeda regular, uma empresa de relatórios públicos, que levamos a empresa à SEC nos Estados Unidos e a tornaremos compatível com a SEC e relatórios públicos.”
A Uncoin criou um reality show justamente para difundir a cultura cripto, democratizar conceitos e mostrar o quanto as ideias associadas aos criptoativos e à descentralização financeira são simples de entender. O nome do programa, “Unicorn Hunters”, “Caçadores de Unicórnio”, tem prêmios distribuídos justamente em criptomoedas para os empreendedores selecionados pelos jurados (no melhor estilo Shark Tank). Sua crença no poder das cripto, fez sua empresa, Unicoin, pedir autorização para autoridades regulatórias de Dubai, Qatar, Canadá e Reino Unido, com objetivo de expandir operações e se tornar o primeira Unicórnio cripto do mercado financeiro global.
Criptoativos e Criptoondas: uma manifestação do novo comportamento financeiro
A crise da FTX, as oscilações dos NFTs e a visão de líderes como Silvina Moschini convergem para uma narrativa mais ampla. Estamos testemunhando não apenas eventos isolados, mas sim uma manifestação mais profunda de um novo comportamento humano diante do dinheiro. Criptoativos e as ondas cripto representam não apenas transações financeiras, mas uma busca intrínseca por descentralização, autonomia e reação diante de um sistema financeiro estabelecido que, para muitos, se mostrou falho.
Essa mudança de paradigma não é apenas uma reação impulsiva, mas uma resposta coletiva a décadas de desconfiança nas instituições financeiras tradicionais. A busca por autonomia financeira, transparência e inclusão é o cerne desse movimento, e os criptoativos são a expressão tangível dessa revolução em curso.
Vejamos a relação entre a Web3, descentralizada é baseada em universos e ambientes paralelos, De acordo com uma pesquisa recente, apenas 12% dos jogadores que não usam criptomoedas já experimentaram jogos Web3, enquanto apenas 15% dos que ainda não experimentaram estão interessados em fazê-lo no futuro². O relatório aponta o modelo “play-to-earn” como o termo mais reconhecido associado aos jogos Web3, e os ganhos em criptomoedas como o benefício mais comumente percebido de jogá-los.
Embora a adoção de jogos Web3 ainda esteja em seus estágios iniciais, especialistas preveem que a Ásia, com foco em Coreia e Japão, liderará a adoção de jogos Web3 nos próximos cinco anos devido à sua forte cultura de jogos e interesse em blockchain. A indústria evolui criando jogos envolventes com tecnologia blockchain, abordando as necessidades do usuário, fomentando a confiança e adotando modelos inovadores para o sucesso mainstream. A Web3 como ideia é prática, parece estar no subterrâneo da vida digital, mas na verdade ela está se desenvolvendo sob o radar da mídia e das instituições. E aqui, não como instituição subversiva ou criminosa, mas como um construto no qual todos os produtos cocriados pertencem aos membros da comunidade.
Tudo isso parece tornar as criptomoedas um enigma, uma espécie de quebra-cabeças que deve ser decifrado. Mas como o painel “Revelando o enigma das cripto”, o Web Summit, com dois CEOs de operadoras de moedas digitais brasileiras, Transfero Group e Coinext, a analogia é forte, mas incorreta. Afinal, quantas pessoas sabem manusear o dinheiro normal, seus segredos e códigos? A tese é que a curva de aprendizado das cripto é mais acelerada do que a do dinheiro convencional.
O processo de adoção pelo Brasil será ainda mais acelerado pelo Drex, a moeda digital que está sendo incubada pelo Banco Central, uma stable coin, intercambiável e disponível em plataformas com autenticação blockchain e que funcionará como reserva de valor e câmbio com outras moedas. É uma forma de estabelecer uma forma de controle e centralização financeira no mundo cripto, ainda que sob o manto libertário das criptomoedas. Impossível estimar hoje o quanto irá funcionar. Uma aposta é que o Drex irá conviver com outras moedas digitais, como Bitcoin e Etherium. Tudo parte da curva de aprendizado irreversível que pessoas e empresas terão com criptoativos.
Portanto, a análise mais profunda desses eventos revela não apenas a volatilidade momentânea, mas uma transformação mais profunda nas relações financeiras e na concepção do dinheiro. O caminho à frente não é apenas reativo, mas proativo, com uma compreensão mais aprofundada do papel dos criptoativos e como eles se tornam uma força motriz na construção de um novo comportamento financeiro global. É quase certo que os grandes bancos não venham a perder poder, mas irão enfrentar competidores que funcionarão como veículos de autoexpressão de milhões de clientes mundo afora.
Insights fundamentais da dinâmica dos criptoativos
⁃ A ascensão dos criptoativos guarda relação com a primeira onda da internet, conhecida como bolha das dotcom;
⁃ Criptoativos representam, em uma lente mais ampla, um resgate do poder das pessoas sobre o dinheiro, um sistema financeiro aparentemente caótico, mas sobretudo descentralizado, para redefinir as noções de crédito, compra, venda, ativo, investimento, pagamento e transação;
⁃ Blockchain e NFTs representam uma forma de legitimar propriedades que emula os contratos imobiliários. Na superfície, parece contraditório, porque aqueles que defendem descentralização e a importância do “ser” em relação ao “ter” mantém NFTs legitimados por meio de blockchains? Justamente porque a legitimação não é dada pelo estado e sim pela comunidade. O que legitima e autêntica é sempre o ecossistema, o conjunto de pessoas.