Criptomoedas e a nova experiência no uso do dinheiro
- Por Jacques Meir
- 6 min leitura
Desde que o homem descobriu a noção de valor de troca e sentiu necessidade de usar uma moeda para atribuir esse valor, a relação com o dinheiro permaneceu razoavelmente a mesma. Das primeiras moedas de ouro, prata, bronze e metais variados, até o surgimento das cédulas de papel-moeda, o dinheiro físico mostrou-se útil e também símbolo de identidade nacional. Juntamente com fronteiras definidas, a bandeira e o hino nacional, a moeda era uma forma de sinalizar uma nação soberana. A partir da adoção do dinheiro físico, países puderam mostrar a força de sua economia e, consequentemente, usufruir de mais recursos para promover crescimento, bem-estar e poder.
Mesmo com o surgimento de meios eletrônicos de pagamento, particularmente após a universalização dos cartões de crédito internacionais, o dinheiro físico guardava a preferência da maior parte das pessoas. A expressão clássica “do dinheiro guardado no colchão” destacava esse apego às cédulas e às moedas.
Mas, pouco a pouco, experiências no uso de moedas digitais foram ganhando espaço. O bitcoin, assegurado pelo protocolo blockchain, representou uma disrupção nos padrões monetários em uso por pessoas e negócios. A mesma lógica norteou a criação de outros criptoativos. Dados de dezembro de 2022 apontam para a existência de mais de 22 mil criptoativos em circulação, distribuídos e acessíveis pelos aplicativos e marketplaces da modalidade. Para que se tenha uma ideia do que isso significa, os 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas registram 182 moedas oficiais.
Quais são as consequências dessa proliferação de criptoativos no mundo? Para começar, não há Estado Nacional com criptomoeda para chamar de sua. El Salvador e República Centro-Africana, nações de economia fragilizada, “tokenizaram” sua moeda e apostaram no bitcoin como padrão monetário. Por outro lado, países com moeda forte e economia robusta, como Japão, EUA, Estônia, Suíça, Holanda, Cingapura e Alemanha, aceitam amplamente o BTC como unidade de pagamento.
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Ora, a proliferação acelerada de criptomoedas traz hipóteses valiosas para serem objeto de bons estudos:
♦ Descentralização e autonomia financeira – essas moedas digitais prescindem de bancos tradicionais, permitindo aos indivíduos a gestão de suas carteiras sem a intervenção de terceiros. Ainda que existam marketplaces de criptoativos e NFTs, a flexibilidade na manipulação dos ativos é bastante grande, dando ao cliente uma sensação de liberdade inexistente dentro dos moldes tradicionais.
♦ Acesso global e inclusão – todo criptoativo é acessível por qualquer pessoa com uma conexão à internet. Falamos aqui de 5,3 bilhões de cidadãos, segundo dados da ONU. Por outro lado, 2,7 bilhões nunca acessaram, até o momento, a rede. Mas o número de pessoas conectadas cresce à razão de 300 milhões ao ano. É razoável supor que mais pessoas queiram buscar alternativas para serviços financeiros descentralizados. No Global Crypto Adoption Index, o Brasil já figura na 7ª posição. Um ranking no qual 17 dos 20 países de maior adoção de criptoativos são emergentes. Vietnã é o primeiro, seguido por Filipinas, Ucrânia, Índia, EUA, Paquistão e Brasil.
♦ O cripto é um tipo de antecessor do Pix – as transações financeiras com criptoativos são velozes e eficientes, podendo ser concluídas em segundos ou minutos. Esse padrão e velocidade inspiraram a criação do Pix, que, por sua vez, é um passo na criação do “Real Digital”, a versão cripto de nossa moeda.
♦ As criptomoedas funcionam como reserva de valor – elas têm um custo financeiro menor (por enquanto) e dispõem de segurança por meio da criptografia e do protocolo blockchain. Não por acaso, 300 milhões de pessoas transacionam com criptos regularmente no mundo – 2 milhões só no Brasil (dados da Receita Federal).
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Essas características fazem das criptomoedas um elemento de disrupção dos padrões monetários, uma vez que não obedecem às intervenções e às atividades dos Bancos Centrais e proporcionam uma sensação de liberdade e experiência diferentes no uso do dinheiro. Já é comum ver consumidores ativando e “trocando” bônus obtidos em transações por cripto em lojas diversas. Também há quem use uma carteira digital em criptomoedas a partir de cashbacks obtidos em compras feitas com reais, dólares ou euros.
Essa experiência fluida, na qual o padrão monetário vigente é apenas usado como um sinal de valor, é outro atributo das criptos. E, muito além disso, as criptos serão largamente usadas e disseminadas em nossas incursões pela vida híbrida, conhecida como metaverso. Será comum “comprarmos” serviços e acessar shows e redes de conversas usando criptos distintas. Quanto mais diversificada a carteira de criptoativos de uma pessoa, mais acesso ela terá a eventos e aquisições diferentes.
Todo um novo mundo de consumo e experiências está se desenhando na aurora das criptomoedas; atividades que são ignoradas ou estão fora do radar da maior parte das empresas. O movimento de disrupção, dentro das regras de exponencialização, está em curso, com o uso cada vez menor do dinheiro físico e a desmaterialização do consumo de maneira geral em favor de uma experiência mais sensorial, baseada na distribuição compartilhada de fartas doses de dopamina.
As consequências ainda são imprevisíveis. Mas é fato que nossa relação com o dinheiro não é e não será mais a mesma.
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