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Taxa rosa: o preço da desigualdade no consumo feminino

Taxa rosa: o preço da desigualdade no consumo feminino

No Dia Internacional da Igualdade Feminina, a Consumidor Moderno conversou com as advogadas Thaís Matallo e Danielle Iglesias, do Machado Meyer Advogados, sobre a desigualdade entre gêneros no consumo.

As questões sobre os direitos das mulheres no consumo demandam discussão urgente. Assim, no dia 26 de agosto, o Dia Internacional da Igualdade Feminina, a Consumidor Moderno ressalta que, em primeiro lugar, os consumidores reconhecem cada vez mais a inclusão e a igualdade de gênero no consumo como um fator essencial para promover a justiça social e o desenvolvimento sustentável. Prova disso está em uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a qual aponta que 85% das decisões de compras são responsabilidade das mulheres.

Portanto, é natural que o centro do poder de escolha esteja nas consumidoras e que elas sejam essenciais para movimentar o mercado. Outra coisa: como elas estão na linha de frente do consumo, fato é que muitas vezes precisam decidir não apenas por si, mas por outras pessoas também.

Importância do dia 26 de agosto

No aspecto consumerista, a discriminação no consumo é uma questão que afeta não apenas os indivíduos, mas também empresas e a sociedade como um todo. Assim, se faz necessário um compromisso coletivo. Ao educar e apoiar iniciativas que combatem a discriminação, podemos moldar um futuro mais justo para todos.

Afinal, o ato de envolver diferentes gêneros no mercado de consumo não apenas estimula a diversidade, mas também potencializa o crescimento econômico ao aproveitar as perspectivas únicas que cada grupo traz. Por consequência, o resultado será produtos e serviços que atendem melhor às necessidades de toda a população.

Contudo, estudos mostram que há muita discriminação no mercado. Exemplo disso está na pink tax, ou taxa rosa. Em suma, trata-se de uma prática de preços mais altos para produtos direcionados ao público feminino, mesmo que sejam equivalentes a produtos para homens. Essa taxa não apenas representa uma forma de discriminação econômica, mas também impacta negativamente a capacidade das mulheres de poupar e investir em suas próprias necessidades financeiras.

Constituição Federal e consumo

A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso I, expõe que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Mas, até que ponto a publicidade brasileira vem perpetuando estereótipos de gênero, moldando o que consideramos “adequado” para cada sexo? Por que as mulheres muitas vezes são alvo de publicidade que reforça estereótipos de gênero? Como os direitos dos consumidores se aplicam a produtos voltados para diferentes gêneros? E mais: como podemos incentivar marcas a adotarem práticas mais inclusivas em suas campanhas?

Para responder essas e outras perguntas, a Consumidor Moderno conversou com as advogadas Thais Matallo sócia da área de Direito das Relações de Consumo do Machado Meyer Advogados, e Danielle Iglesias, advogada também especialista em relações consumeristas no escritório. Na entrevista, elas falam de políticas públicas que podem contemplar um olhar atento às desigualdades que ainda persistem no acesso a produtos e serviços. E como essas iniciativas podem garantir que tanto homens quanto mulheres tenham direitos equitativos. Acompanhe!

Thais Matallo, do Machado Meyer Advogados.
Você já parou para pensar nos direitos de consumo entre gêneros e o quanto a promoção da igualdade é vital para um futuro mais justo?
Danielle Iglesias, do Machado Meyer Advogados.

Mulheres no consumo

CM: a Nota Técnica n.º 6 apresenta regras a todas as empresas brasileiras para dar mais proteção às mulheres na hora da compra. E, nesse contexto, chama atenção a proibição de práticas, como a “taxa rosa”, em que o mesmo produto é cobrado mais caro para as mulheres do que para os homens. As lâminas de depilação são exemplos disso. Nesse contexto, as pessoas associam gastos femininos com “futilidades” ou acreditam que “mulher está disposta a pagar mais”?

A Senacon editou a Nota Técnica nº 6/2023 visando estabelecer diretrizes para orientar ações e eventuais políticas de proteção ao direito das mulheres consumidoras – não se trata, portanto, de norma, mas de recomendações para serem observadas pelo Poder Público e que podem orientar também agentes privados, ainda que não possua força coercitiva.

Masculino X Feminino

Em relação à diferenciação de preço em produtos destinados ao público feminino, destaca-se inicialmente que eventuais discriminações podem ser compatíveis com a cláusula da igualdade, desde que exista um vínculo de correção lógica entre a peculiaridade diferencial e a desigualdade no tratamento.

CM: o que a consumidora, ao se deparar com o pink tax, pode (ou deve) fazer para ajudar a coibir esse tipo de prática?

Logo, no caso, é necessário que o consumidor verifique, inicialmente, se há alguma peculiaridade que justifique a discrepância do preço e, caso não verificada, o consumidor pode acionar os órgãos de proteção do consumidor para investigar a situação. Além disso, há diversos movimentos da sociedade civil e mesmo nos órgãos de proteção ao consumidor que advogam pela igualdade das mulheres no mercado de consumo, iniciativa estas que também devem ser incentivas visando a construção de uma sociedade mais igualitária.

Práticas abusivas

CM: não existe, no Brasil, lei específica contra o pink tax, certo? O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39 , incisos V e X, proíbe ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; e elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. Ora, se o produto é o mesmo, mudando apenas sua cor ou acessório que não impactam no custo de produção e venda, não há motivo justo para cobrança superior de produtos voltados para as mulheres, certo?

O tratamento diferencial deve estar lastrado em alguma peculiaridade que justifique a mudança no valor, impactando o custo de produção, transporte ou comercialização – ou seja, a justa causa. Caso não haja nenhuma justificativa sólida e baseada em dados, a princípio, não haveria motivo justo para alteração no valor do produto.

Mercado de beleza

CM: pesquisa da McFor aponta que a estratégia de elevar preços para mulheres é desconhecida para 56% de consumidores brasileiros. Para 98,3% dos entrevistados, a taxa rosa é evidente em produtos e serviços ligados ao setor de beleza e perfumaria. Para 89,7%, a indústria de moda tem mais incidência de pink tax. Com a atribuição de preços mais elevados, consequentemente as mulheres são mais tributadas, correto?

As indústrias de moda e beleza são constantemente criticadas por suposta discriminação de valores. E elas justificam essa ocorrência com base no maior custo de produção de produtos voltados ao público feminino. Tendo o produto valor superior, a sua tributação será maior e, em relação a determinados mercados, as mulheres serão mais tributadas do que os homens. No entanto, tal também se dá por conta de os homens e as mulheres possuírem necessidades diversas que não são devidamente observadas pelos Poder Legislativo. Só para exemplificar, absorventes não são considerados bens essenciais. Ademais, eles têm uma tributação mais alta do que itens essenciais. Isso afeta diretamente a parcela feminina da população que faz o uso mensal desse tipo de produto.

Anticoncepcionais

Outro exemplo é a tributação incidente em pílulas anticoncepcionais, mecanismo de proteção contra gravidez utilizado por parcela relevante da população feminina, cuja carga tributária alcança 30%, em comparação com o preservativo masculino, cuja carga tributária atinge 9,25%.

Logo, a tributação mais elevada das mulheres tem raízes sociais e econômicas. Essas raízes devem ser observadas não apenas na seara do consumo, mas também na própria organização do sistema tributário nacional. E isso deve ser combatido através de políticas públicas, em primeiro lugar. E, por consequência, através de mudanças legislativas que observem a condição desigual da mulher como forma de garantir a igualdade entre os gêneros.

Desigualdade

CM: como as mulheres possuem uma condição social mais vulnerável, o pink tax reforça a desigualdade entre homens e mulheres na sociedade brasileira?

A sociedade brasileira é profundamente afetada pela desigualdade de gênero. Um exemplo claro disso é o fato de que o mercado de trabalho é desigual. Ademais, as mulheres, muitas, vezes ganham menos do que os homens – segundo dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2019. Para se ter uma ideia, as mulheres entre 25 e 49 anos de idade recebiam em média R$ 2.050, 79,5% menos que os homens. De acordo com uma pesquisa realizada em 2017 pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), graças à tributação maior sobre produtos voltados para o público feminino em relação àqueles destinados ao público masculino, as mulheres pagam, no Brasil, cerca de 12,3% a mais que os homens pelos mesmos produtos.

Portanto, em um sistema regressivo em que o consumo é um dos setores mais onerados pela carga tributária e em um cenário em que as mulheres ainda sofrem com baixos salários, tem-se que a utilização de práticas mercadológicas que realizam distinções com base no gênero ocasiona em um empobrecimento ou na dificuldade de ascensão social dessa parcela da população, aumentando o distanciamento entre homens e mulheres e fomentando a desigualdade de gênero.

Punição para pink tax

CM: há punição legislativa para o fornecedor/vendedor que for pego praticando a taxa rosa?

Não, não há! Conforme falamos, há iniciativas da Senacon para discussão do tema. Como, por exemplo, as Notas Técnicas nºs 2/2017 e 6/2023. Entretanto, ainda não houve aprovação de legislação que trate do tema. Assim, é aplicável ao caso apenas o Código de Defesa do Consumidor. O instrumento garante, em seu artigo 6º, inciso II, a igualdade nas contratações. E, em seu artigo 39, inciso X, a elevação, sem justa causa, do preço de produtos ou serviços.

CM: a desigualdade na formação de preços demonstra uma falha social. Nesse caso, em sua opinião, a Norma Técnica da Senacon preenche a lacuna da proibição? Ou até mesmo uma eventual punição pela aplicação de preços distintos para produtos essencialmente iguais?

A Nota Técnica da Senacon não tem o condão de coibir práticas ou de justificar a aplicação de sanções. Apesar de tratar-se de uma iniciativa importante para o debate da desigualdade de gênero nas relações de consumo, a Nota traz uma abordagem muito generalizada a respeito da proibição de discriminação.

Se, por um lado, traz uma diretiva europeia que estabelece que o fornecimento de bens e a prestação de serviços exclusivamente ou prioritariamente aos membros de um dos sexos pode ser justificado por meio de um objetivo legítimo (cujos meios forem adequados e necessários), por outro insiste no conceito de igualdade, sem observar, contudo, que a promoção do tratamento igualitário deve observar, também, as diferenças entre os gêneros para que sua observância seja efetivamente assegurada.

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