A Fundação Procon-SP considera a proposta que permite a criação de novos planos de saúde com coberturas limitadas como prejudicial aos consumidores.
De acordo com a Consulta Pública nº 51, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), esses novos “planos de saúde” poderão oferecer apenas consultas eletivas (com restrições) e exames (também limitados), excluindo os serviços de atendimento de urgência e emergência. Para os especialistas do Procon-SP, essa subsegmentação prejudica os consumidores, que enfrentarão a necessidade de procurar os serviços públicos desde o início e repetir todos os procedimentos, o que atrasará o início do tratamento efetivo.
Em entrevista à Consumidor Moderno, Luiz Orsatti Filho, diretor executivo do Procon-SP, afirma que, ao introduzir, em caráter experimental, apenas consultas eletivas (com restrições) e exames laboratoriais (também limitados), esses “novos planos de saúde” não beneficiam em nada o consumidor, pois criam uma subsegmentação na área de assistência à saúde.
“Isso implica que as pessoas não conseguirão um tratamento integral, desde o diagnóstico até eventualmente uma intervenção ou terapia, quando adoecerem”.
Acompanhe a entrevista na íntegra!
Saúde prejudicada
Consumidor Moderno: A CP 151, da ANS, sobre a implementação experimental de um modelo de plano de saúde popular, com cobertura de baixa abrangência, é viável do ponto de vista do consumidor?
Luiz Orsatti Filho: O Procon-SP expressa preocupação em relação à proposta de subsegmentação de contratos de planos de saúde apresentada pela Agência Nacional de Saúde, para consulta pública. Essa proposta, na visão do Procon-SP, não trará benefícios ao consumidor. As limitações dos serviços oferecidos, a maneira como as informações serão comunicadas ao consumidor e o caráter experimental desses novos produtos são aspectos que geram apreensão, especialmente por se tratar de questões de saúde.
Riscos para a saúde
CM: Quais são os riscos desse tipo de produto para o consumidor?
As análises dos especialistas do Procon-SP revelaram sérios riscos à saúde dos consumidores que optarem por esses produtos com coberturas restritas devido ao baixo custo. Após o diagnóstico de alguma doença, esses consumidores não conseguirão dar sequência ao tratamento e terão que buscar um plano individual – que quase não existe atualmente –, aderir a um plano coletivo, que tem se tornado alvo de cancelamentos unilaterais pelas operadoras, ou retornar ao sistema público, reiniciando todo o processo. Na prática, esses novos “planos” não respeitam o princípio fundamental de integralidade da assistência à saúde suplementar.
CM: O que essa nova proposta deixará de oferecer?
Todo o tratamento do paciente, desde a entrada em pronto atendimento, consultas médicas, diagnósticos com exames, até procedimentos que demandam internações e tratamentos mais complexos. Além disso, há um receio em relação à compreensão por parte do consumidor sobre essas limitações de atendimento. É incerto se ficará claro para o consumidor que, mesmo pagando uma mensalidade mais acessível, não terá acesso a exames, coberturas e tratamentos em casos de eventualidades. Provavelmente, o consumidor só perceberá essa limitação quando a operadora negar a demanda. Ou seja, o consumidor ficará em uma situação de hipervulnerabilidade.
Proposta “do dia para noite”
CM: O senhor acredita que a proposta foi debatida previamente? Ou ela surge de maneira intempestiva?
Não debateram previamente. Abriram a consulta pública em fevereiro e ela termina em abril. Em nossa opinião, seriam necessárias várias outras consultas, com tempo adequado para análise e estudo do tema, de seu funcionamento e de seus impactos, entre outros aspectos. Esse processo requer tempo, especialmente tratando de um assunto tão delicado como a saúde, que envolve restrições e mudanças nos marcos regulatórios. A ANS não estabeleceu prazos adequados para a sociedade discutir este novo modelo. Contudo, acreditamos que, com uma nova liderança na Agência, composta por alguém do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a sensibilidade aumentará para que as discussões a respeito desses novos produtos ou serviços se ampliem e acolham as manifestações dos Procons e de outros órgãos, buscando soluções que protejam o consumidor, que é a parte mais vulnerável.
A Fundação Procon-SP continuará colaborando e apresentando as contribuições que considerar relevantes, sempre visando promover a proteção e defesa do consumidor, e respeitando o princípio de harmonização e equilíbrio nas relações de consumo.
Sobrecarga no SUS
CM: Essa proposta não sobrecarregará ainda mais o SUS?
Acreditamos que sim, e essa é uma das dificuldades que este novo modelo pode acentuar. Ao não receber atendimento para tratar a doença diagnosticada nos exames (que deverão ser bastante limitados), o consumidor terá que contratar outro plano, o que inferimos ser uma tarefa difícil, considerando que ele motivou a aquisição desse serviço pelo valor mensal mais baixo.
Assim, a única alternativa para tratar sua doença será recorrer ao Sistema Único, recomeçando todo o processo, já que, para receber tratamentos pelo SUS, o cidadão precisará da avaliação inicial e de recomendações para exames e atendimentos mais complexos, realizadas por um médico generalista, sendo este o padrão de entrada para qualquer atendimento.
Princípio da integralidade
CM: A proposta da CP está alinhada ao princípio da integralidade no atendimento à saúde?
Para o Procon-SP a proposta não está em sintonia com o princípio de integralidade no atendimento à saúde. Outros órgãos de proteção ao consumidor têm o mesmo pensamento. Isso porque esse princípio visa uma atenção integrada. Que vale, inclusive, desde a promoção da saúde e prevenção de doenças até os diagnósticos e tratamentos. E esses podem variar de simples a complexos, incluindo a reabilitação. Inclusive, contraria a própria Lei 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde e estabelece a obrigação de que os planos de saúde suplementar ofereçam atendimento de urgência e emergência em todas as modalidades, o que não será abarcado pelos novos produtos.
CM: Se isso ocorrer, qual é a probabilidade de um paciente, tratado como “cliente”, ter dificuldade de ter um diagnóstico?
É exatamente isso que podemos esperar. O temor é de que voltemos a um cenário anterior à aprovação da Lei 9.656/98. Ou seja, enfrentarmos novamente situações em que, ao necessitar de internação, o consumidor se dê conta de que não está coberta pelo seu plano. Ou ainda, ao investigar um problema de saúde, se depare com uma negativa de autorização. E, por consequência, não consiga realizar os exames necessários para o fechamento do diagnóstico.
Judicialização
CM: Considerando que a maioria dos brasileiros não compreende questões de saúde, um “plano de saúde popular” aumentaria as judicializações?
Entendemos que sim. Isso representará mais um fator de insatisfação para os consumidores, possivelmente resultando em ações judiciais. Desde a denominação do produto – “plano de saúde” – que sugere um conceito de integralidade. Mas, não será oferecido pelo novo serviço. E isso se tornará uma fonte de novas reclamações.
O consumidor, sem dúvida, buscará a Justiça para garantir a oferta à medida que o novo “plano” for apresentado pelas áreas de vendas das operadoras. Quando o consumidor se encontra em uma situação de vulnerabilidade, precisando de um tratamento para si ou para um familiar e se deparando com uma negativa que impede a solução de seu problema (um tratamento, um exame, etc.), certamente procurará o Poder Judiciário para obter uma solução de forma ágil. Isso, inclusive, é um direito do consumidor.