A nova minuta do Decreto SAC chega com importantes mudanças que impactam diretamente o atendimento no WhatsApp. Como você, consumidor, pode se preparar para essas novas exigências? E as empresas?
Mas, antes de falarmos dos obstáculos propriamente ditos, lembremos que o WhatsApp oferece uma interação direta e eficaz em todas as relações. Afinal, a familiaridade dos usuários com a plataforma facilita o engajamento e reduz barreiras na comunicação. Nas relações de consumo, como as pessoas valorizam cada vez mais a possibilidade de obter respostas rápidas, isso torna o a ferramenta ideal para atendimento ao cliente.
Para termos a ideia concreta da importância do WhatsApp na vida das pessoas, vamos voltar um pouquinho no tempo. Mais precisamente no Prêmio Consumidor Moderno de Excelência em Serviços ao Cliente 2023, que contabilizou mais de 1 bilhão de interações realizadas por WhatsApp e chat, com informações coletadas das empresas e analisadas pela CX Brain.
Essas interações destacam não apenas a preferência dos consumidores pelo WhatsApp, mas também a eficácia da plataforma em resolver problemas e responder a dúvidas de forma ágil. As empresas que adotaram esse canal de comunicação puderam observar um aumento significativo na satisfação do cliente, refletindo diretamente na fidelização e na reputação da marca. Ademais, o WhatsApp possibilita uma comunicação mais personalizada. As empresas podem segmentar seu público e enviar mensagens relevantes, adaptadas às necessidades de cada consumidor. Isso aumenta as chances de um engajamento mais profundo e de uma resposta positiva por parte dos clientes.
WhatsApp ameaçado: por que?
Contudo, o app pode estar em ameaça para os atendimentos. Isso porque está em análise pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) uma nova minuta do Decreto de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Em suma, a proposta de novo Decreto estabelece um mínimo de oito horas diárias de serviço telefônico ininterrupto, sete dias por semana, com suporte humano 24 horas para emergências.
O problema é que as pessoas, como mostra a pesquisa do Prêmio Consumidor Moderno, são cada vez mais reticentes a falar no telefone. Um dado semelhante pode ser conferido em um estudo da Meta e da consultoria Boston Consulting Group, o qual revela que 80% dos consumidores brasileiros preferem se comunicar com as empresas por meio de mensagens digitais. O estudo, concluído em junho deste ano, destaca a importância de canais como WhatsApp, Telegram, Instagram, TikTok, além de bate-papos de marketplaces e e-mails, para a fidelização de clientes e aumento da competitividade das organizações.
WhatsApp versus telefone
A minuta do Decreto SAC estipula que o consumidor terá o direito de contar com suporte humano em todas as etapas do canal de comunicação. Ao optar por essa modalidade, o atendimento direto com um atendente deve ocorrer em até 60 segundos. Em situações de queda de chamadas, os fornecedores têm um prazo máximo de 60 segundos para retornar a ligação, mantendo as informações já registradas e fornecendo um número de protocolo.
Nesse aspecto, um desafio é o gerenciamento da demanda. Ou seja, as empresas terão que garantir que haja um número suficiente de atendentes disponíveis para responder dentro do prazo estipulado, especialmente em períodos de alta demanda, como promoções ou durante a resolução de crises. Isso requer planejamento e escalas de trabalho bem definidas, além de um monitoramento constante para ajustar a equipe conforme necessário.
Na visão de Thais Mattalo, sócia do Machado Meyer Advogados, a exigência de maior atendimento humano pode resultar em uma sobrecarga significativa para os fornecedores, especialmente aqueles de menor porte. Isso porque, a novidade, em suas palavras, exigirá determinado grau de estrutura e recursos financeiros para arcar com essa nova demanda. “Em outras palavras, muitos fornecedores deverão se preparar para a contratação, treinamento e
manutenção de funcionários. Eles também deverão investir em sistemas de gestão e de arquivo de atendimento e de gerenciamento de fluxos”.
Ademais, haverá necessidade de investimentos significativos não somente em treinamento, mas também em tecnologia. As empresas precisarão modernizar seus sistemas de atendimento, criando plataformas que permitam a integração eficiente entre atendimento automatizado e humano, respeitando o limite de tempo de 60 segundos. Isso implica a adoção de ferramentas que garantam a continuidade do atendimento, na qual os atendentes poderão acessar rapidamente informações já registradas para evitar retrabalho e frustração para o consumidor.
Melhores resultados?
“Só que tudo isso não significa que o resultado será melhor atendimento para o consumidor. Pelo contrário, sistemas onerosos e regulamentações generalistas, que não consideram as especificidades de cada setor e de cada modelo de negócios, podem se tornar obsoletos e gerar um impacto negativo para as empresas, sem trazer a melhora na qualidade do atendimento pretendida ou qualquer benefício ao consumidor”, declara Thais Mattalo.
Por sua vez, Danielle Iglesias, advogada do Machado Meyer, enaltece que, ainda que a nova norma reflita reclamações de consumidores com o atendimento realizados por robôs e por Inteligência Artificial (que às vezes não possuem o condão de compreender completamente as mais variadas demandas, críticas ou solicitações), as empresas já estão investindo em soluções que buscam o desenvolvimento e aprimoramento de soluções com IA e com a utilização da tecnologia. E esse é uma tendência que se verifica em todo o mercado.
“A previsão do tempo máximo de 60 segundos para retorno da ligação também pode ser altamente onerosa para as empresas do ponto de vista técnico e financeiro. Por outro lado, quando se fala de serviços não regulados, as situações de urgência são muito mais raras – assim, o tempo máximo de 60 segundos, ao mesmo tempo que penoso para as empresas, pode não possuir uma justificativa técnica para a adoção de tão curto período”, afirma a advogada. “Ainda que os fornecedores tenham que priorizar a realização dos atendimentos dentro de um tempo de espera razoável, é necessário observar as particularidades de cada situação – considerando, inclusive, que o recebimento de chamadas não é necessariamente bem-visto pelos consumidores, que talvez prefiram optar pela comunicação via outros meios”.
Os principais pontos da minuta em análise
Confira abaixo as principais novidades da minuta do Decreto SAC, em análise na Senacon:
- O serviço passará a incluir todos os canais de comunicação eletrônica utilizados para a interação com os consumidores no país. Isso abrange sites, aplicativos, plataformas de mensagens, chamadas telefônicas, portais, plataformas digitais, marketplaces e redes sociais;
- Suporte direto será obrigatório em situações de emergência, especialmente relacionadas à segurança e proteção da vida dos consumidores, como em serviços de saúde com risco de morte;
- Atendimento humano em “estados de crise”, provocados por eventos climáticos ou força maior que interrompam temporariamente os serviços;
- Os consumidores têm direito a suporte humano durante todas as etapas de comunicação;
- Por consequência, o contato direto com um atendente deve ocorrer em até 60 segundos após a seleção dessa opção. Em caso de queda de chamadas, os fornecedores devem devolver o contato em até 60 segundos, mantendo informações anteriores e fornecendo um número de protocolo;
Proibições e acessibilidade
- Proibição da solicitação de informações não essenciais antes do início do serviço;
- Vedação da veiculação de propagandas durante o período de espera;
- Restringir das etapas do atendimento a, no máximo, cinco;
- Acessibilidade ampla para pessoas com deficiência, com a normatização dos padrões específica a cargo das agências reguladoras de cada setor. Além disso, pessoas com 60 anos ou mais e aquelas que estão no espectro autista terão direito ao atendimento prioritário e diferenciado;
Rastreamento
- Os consumidores têm o direito de rastrear suas solicitações nos canais de atendimento por meio de números de protocolo;
- Os fornecedores são responsáveis por manter um histórico de acessos dos consumidores que deve ser facilmente acessível. O registro solicitado deve estar disponível em até cinco dias úteis, enquanto as gravações de chamadas devem ser armazenadas por, no mínimo, 90 dias. Além disso, todos os registros de serviço precisam ser mantidos por pelo menos seis meses;
- Os fornecedores têm um prazo de até 7 dias úteis para responder de maneira conclusiva às demandas, abordando todos os pontos levantados pelo consumidor. Em situações de serviços não solicitados ou cobranças indevidas, a cobrança deve ser suspensa imediatamente, com uma resolução em até 48 horas.
Objetivo e penalidades
A minuta visa alterar o Decreto 11.034 de 2022, que estabelece a Lei do SAC e regulamenta o Código de Defesa do Consumidor.
As novas regras irão vigorar para serviços regulamentados pelo Governo Federal em 180 dias e para outros provedores em 360 dias. Exceções são feitas para empresas com faturamento anual abaixo de R$ 300 milhões e para Microempreendedores Individuais, Empresários Individuais e Empresas de Pequeno Porte.
O descumprimento das normas pode resultar em multas. Se essas não resolverem, a empresa pode arcar com suspensão de atividades, revogação de concessões e intervenções administrativas. Essas penalidades estão discriminadas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor. Ademais, vale salientar que as agências reguladoras terão a autoridade para definir sanções específicas e emitir diretrizes complementares.
Consumo e Inteligência Artificial
Uma pesquisa realizada pela CX Brain e AntennasBI revelou que 43% dos consumidores brasileiros acreditam que a maioria dos atendimentos ao cliente é feita por Inteligência Artificial, enquanto 33% consideram que são realizados por agentes humanos. Esses dados demonstram uma discrepância entre a percepção do público e a realidade do atendimento ao consumidor no Brasil.
Entre os entrevistados que veem a IA de forma positiva, predominam pessoas com até 34 anos, da classe A e residentes em capitais. Em contrapartida, 51% dos que acreditam que a IA irá ajudar pouco ou nada são majoritariamente acima de 34 anos, pertencem às classes B e C, e vivem em cidades do interior.