A comunicação não-violenta, ou CNV, é uma abordagem nascida para humanizar as relações humanas e – muito além das relações familiares – vem sendo cada vez mais utilizada no âmbito profissional. O conceito da CNV surgiu nos anos 1960, nos Estados Unidos, período em que o País vivia um momento de grande tensão social, por conta do fim da segregação racial e da luta por direitos civis.
Foi nesse contexto que o psicólogo americano Marshall Rosenberg desenvolveu o método comunicativo que batizou de Comunicação Não-Violenta. Essa necessidade surgiu a partir do momento em que ele começou a trabalhar como orientador educacional em escolas e universidades que abandonavam a segregação racial.
Desde então, a comunicação não-violenta evoluiu ao longo de sua busca por ensinar habilidades de pacificação, humanidade, respeito, empatia e compaixão.
Hoje, seus conceitos são ensinados em mais de 120 países e aplicados em famílias e todos os tipos de organizações, inclusive organismos internacionais como a ONU, escolas e faculdades, além de grandes corporações, como a Microsoft.
Mas, afinal, o que é a comunicação não-violenta na prática?
Segundo a especialista em Comunicação Não-Violenta, Psicologia Positiva e Neurociência Marie Bendelac Ururahy, fundadora da Be People, a CNV promove maior profundidade no escutar, fomenta o respeito e a empatia e estimula uma intenção mútua de cooperar de boa vontade, não por culpa, medo ou vergonha.
“Algumas pessoas aprendem a responder compassivamente a si mesmas; outras estabelecem relações de parceria e colaboração, em que predomina uma comunicação eficaz, buscando compreensão mútua e autenticidade, além de aprimorar qualquer tipo de relacionamento, seja pessoal ou profissional. A CNV também ajuda a estabelecer diálogos construtivos e a mediar disputas e conflitos em todos os níveis”, pontua a especialista.
Para Marshall Rosenberg, a comunicação não-violenta era muito mais do que uma ferramenta ou um conjunto de técnicas – era uma filosofia de vida. Por isso, um dos ideais dessa abordagem é o conceito de ganha-ganha: conseguir que nossas necessidades, desejos e anseios não sejam supridos às custas de outra pessoa, e sim, procurando harmonizar as necessidades de todas as partes.
E aprender a se expressar sem fazer julgamento do que é certo ou errado faz parte deste processo como premissa para manter diálogos construtivos. A ênfase é posta em expressar sentimentos e necessidades, em vez de críticas ou juízos de valor.
Quando entendemos nossas necessidades verdadeiras, criamos um território comum com nossos interlocutores e os relacionamentos tornam-se mais prazerosos, a comunicação passa a ser mais clara e mais autêntica.
A CNV nas empresas
Hoje, é sabido que a comunicação não-violenta traz um diferencial enorme para empresas e organizações. Isso porque ela ajuda a criar relações de confiança e um ambiente de trabalho saudável, com base no respeito e na empatia.
Pesquisas do neuroeconomista Paul Zak mostram que a confiança é o elemento que tem maior correlação com os resultados financeiros das empresas e aumenta significativamente o engajamento dos funcionários.
Além disso, a CNV ajuda a lidar com a complexidade e com a diversidade humana. Ela facilita o diálogo e permite aprimorar as relações profissionais. É um fator essencial para resolver conflitos de forma construtiva e manter relacionamentos harmoniosos.
“Veja o exemplo da Microsoft. Um dos primeiros atos de Satya Nadella depois de se tornar CEO, em 2014, foi pedir aos executivos da empresa que lessem o livro Comunicação Não-Violenta, de Marshall Rosenberg. O gesto sinalizou uma mudança de rumos no comando da empresa. Durante décadas, a Microsoft era dominada pelo espírito hostil de seus executivos, que se envolviam em brigas de poder e disputas corporativas. Nadella interrompeu este ciclo”, destaca Marie Bendelac Ururahy.
O foco no espírito colaborativo, apoiado em conceitos da CNV, abriu caminho para um novo cenário. A empresa transformou não apenas sua estratégia de negócios, mas também a cultura interna, com base em valores como confiança e empatia. A mudança de postura criou mais de U$ 250 bilhões em valor de mercado para a Microsoft.
Ao completar seis anos no comando da empresa, o retorno total gerado para os acionistas passou de US$ 1 trilhão. O exemplo da Microsoft mostra como a mudança de cultura faz a diferença nas empresas.
Para a fundadora da Be People, o modo autoritário de gerenciar pessoas está com os dias contados. “Ele não tem a menor chance de promover engajamento. Hoje, até 75% da força de trabalho reside nas novas gerações, formadas em sua maioria por millennials. Esses jovens são movidos pela força do propósito, precisam ver sentido no que fazem. Querem espaço para que suas ideias sejam ouvidas e aproveitadas. Cultivam ideais de autonomia e propósito. Caso contrário, não permanecem nas empresas”, destaca a especialista.
Ambiente corporativo x comunicação empática: é possível?
Nas empresas e nas organizações de trabalho, a CNV contribui para a valorização do indivíduo e de suas ideias – em contraponto à supervalorização do capital e da tecnologia. Ela estimula a motivação, a criatividade e o engajamento das equipes em um ambiente altamente competitivo que tem cobranças permanentes, a partir de uma liderança humanizada.
“Superar desafios exige a habilidade de lidar com pessoas, de influenciar e motivar a partir do diálogo. Não é ameaçando e fazendo terror psicológico que se extrai o melhor das pessoas. Ter a capacidade de se expressar de forma clara e, sobretudo, de ouvir o outro com atenção, pode fazer toda diferença em situações desafiadoras e trazer resultados positivos sustentáveis”, pontua Marie Bendelac Ururahy.
A empatia organizacional torna-se possível com uma gestão de pessoas focada nas aptidões humanas, levando em conta seus sentimentos e necessidades. As organizações buscam pessoas engajadas, que trabalhem com adesão aos propósitos da empresa.
E o objetivo é harmonizar as necessidades do indivíduo com as da empresa. Neste caso, a empatia organizacional é um diferencial na gestão de negócios, pois consegue identificar perfis certos para liderança, além de antecipar conflitos e reter talentos.
É também o caminho para uma comunicação de grande alcance e clareza no ambiente corporativo. Sem engajamento, colaboradores correm o risco de não sair do modo automático, não colocam energia no que fazem ou – o que é pior – fazem apenas por submissão, de má vontade.
O impacto da pandemia nas relações de trabalho
Marshall Rosenberg dizia que “a violência é a expressão trágica de necessidades não atendidas”. E, nesse sentido, a pandemia deixou todo mundo com as emoções à flor da pele – e os conflitos aumentaram.
Marie Bendelac Ururahy destaca que a CNV vem ganhando mais visibilidade nas empresas nos últimos 18 meses. As lideranças demonstram mais interesse em trazer esses conceitos para suas organizações e têm procurado os serviços da especialista espontaneamente com muito mais frequência, apesar da crise econômica.
Afinal, um mix de sentimentos, pensamentos e preocupações tomou conta da população. E tudo isso reflete no ambiente de trabalho. Muitos não sabem lidar de forma pacífica com opiniões contrárias ou diferentes das suas. Começam a agredir o outro porque pensa de forma diferente – e acreditam que esses pensamentos são uma ameaça para as suas necessidades e a sua sobrevivência.
Sendo assim, a necessidade de empatia e de compreensão mútua se intensificou porque as pessoas estão sofrendo. E é por isso que a CNV pode não somente evitar o pior em uma relação, como pode salvar relacionamentos valiosos.
Aplicar os conceitos da CNV é muito mais do que não gritar ou não agredir o outro, é desenvolver uma comunicação consciente, com a intenção de cuidar da relação e respeitar os sentimentos e as necessidades de todos.
Contudo, isso não significa aceitar o inaceitável: se alguém fizer algo que você considera desrespeitoso, a CNV pode ajudar a colocar limites a partir de uma expressão autêntica e assertiva. Nesse sentido, a CNV pode ser aplicada também na hora de dar um feedback negativo, ter uma conversa difícil ou gerenciar um conflito.
Para isso, Marie Bendelac Ururahy esclarece que trabalha com pontos estratégicos para resolução de conflitos baseados na abordagem da CNV, tais como:
● Desarmar uma pessoa agressiva ou um conflito sem se anular;
● Se afirmar sem ter que pisar no outro;
● Se posicionar com segurança e autoconfiança;
● Influenciar sem precisar manipular;
● Lidar com situações de assédio;
● Ter controle das próprias emoções;
● Compreender e ser compreendido;
● Desenvolver relacionamentos saudáveis e de confiança, entre outras situações.
Segundo a especialista, esse método – criado por ela – auxilia no desenvolvimento de habilidades interpessoais e da inteligência emocional.
Através de cursos e workshops – presenciais ou online –, os participantes têm a oportunidade de treinar a capacidade de ouvir além das palavras, identificar as necessidades próprias e dos outros, lidar com diferentes estados emocionais, não julgar, demonstrar e gerar empatia, fazer o outro se sentir realmente ouvido e compreendido e se expressar com clareza e autenticidade.
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