Há tempos a propaganda para crianças tem estado em pauta. Com proibições sazonais, portarias, muito barulho e poucas decisões efetivas, nessa semana mais um pouco de pimenta foi adicionada ao tema após o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), ligado à Presidência da República, aprovar uma resolução que proíbe o direcionamento de publicidade para menores de idade no Brasil. O órgão considera que o texto tem força de lei.
O conselho também defende que a propaganda infantil é contraria aos direitos e deveres da Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O texto ainda tramita na assessoria jurídica da Secretaria de Direitos Humanos e só deve ser publicado no Diário Oficial nos próximos dias. A resolução só vai eximir desse enquadramento as campanhas de utilidade pública sobre alimentação, educação e saúde.
Agências, veículos e anunciantes, que há anos discutem o tema e defendem a autorregulamentação do segmento e a atuação do CONAR contra campanhas abusivas, certamente deverão recorrer à Justiça para evitar o cumprimento dessa decisão. Não se enquadram na resolução as campanhas de utilidade pública que não sejam parte de uma estratégia publicitária. O texto deve ser publicado no Diário Oficial nos próximos dias.
Para o Conanda, a publicidade infantil fere o que está previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor.
“Foi uma conquista histórica para os direitos da criança no Brasil. A publicidade infantil não tinha limites claros e específicos. Agora, com o fim dessa prática antiética e abusiva, alcançamos um novo paradigma para a proteção da criança brasileira”, afirma Pedro Affonso Hartung, conselheiro do Conanda e advogado do Instituto Alana.
Mas, afinal, tal decisão deveria mesmo caber ao governo? Não é preciso dizer que para as empresas a decisão poder ser financeiramente prejudicial, mas talvez também o seja para o nosso senso cidadão de livre arbítrio. Até que ponto a interferência do Estado nesse tipo de assunto pode abrir um precedente perigoso de censura velada e causar um retrocesso para o mercado, que, de certa forma, pode evoluir com a autorregulamentação?
Para o diretor de inteligência do Grupo Padrão, Jacques Meir, a tutela do governo é descabida, frente a tantos outros assuntos que deveriam ser tratados como prioridade.
Então, por que não apelar para o caminho inverso, da profilaxia ideológica e da educação para o consumo? É perigoso mexer coibir a decisão das pessoas de acessar determinados conteúdos ou não. Da "defesa" para a censura o passo pode ser pequeno.
As crianças brasileiras passam uma média de cinco horas na frente da televisão, número que figura entre os maiores do mundo. Ou seja, 35 horas semanais (quase uma jornada de trabalho) de bombardeio por comerciais e exposição a toda a sorte de produtos, de fast food, a brinquedos. Além disso, 15% da população infantil do país é obesa. Segundo a Associação Dietética Norte Americana Borzekowiski Robinson, bastam apenas trinta segundos para uma marca influenciar uma criança. Hoje crianças participam ativamente de 80% das decisões de compra da família e o aumento do poder de decisão de consumo entre crianças chega cada vez mais cedo, ou seja, atualmente crianças cada vez menores sabem o que querem e como conseguir.
Mas será que proibir a propaganda direcionada a crianças pode, de fato, coibir o consumismo infantil? O governo federal relançou em 2013 a cartilha “Consumismo infantil: na contramão da sustentabilidade”, publicação que faz parte da série Cadernos de Consumo Sustentável, lançada pela primeira vez em novembro de 2012.
Portanto, tal qual pregava Buda, o caminho do meio pode, sim, ser a trilha mais segura para uma sociedade infantil menos tresloucada pelo consumo, mas sem os riscos da proibição total.
A tutela governamental mexe num princípio fundamental: a educação da família, as escolhas do tutor legal das crianças e o uso que se faz das escolhas. Por que proibir é mais fácil que fechar uma revista ou trocar de canal?
Em setembro de 2012, Aléssio Castelli, gerente de merchandising do SBT, afirmou que a discussão deve estar calcada não no impedimento da propaganda infantil, mas na qualificação da mensagem. “A minha opinião é que deveria haver uma análise. Se eu tenho um texto que tenha merchandising infantil e seja duvidoso, vamos discutir juntos. Entretanto, a coisa não pode tomar um tom de censura”, explica.
A causa do fim do consumismo infantil é nobre, mas como nem sempre os fins justificam os meios, é preciso tomar cuidado com os exemplos e precedentes, que podem germinar monstros.
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