Um cabelereiro que faz dancinhas com suas clientes depois de uma transformação capilar. Um artista que reage a cartazistas de supermercados. Uma advogada que responde a perguntas de seguidores sobre legislação e direitos. Uma chef de cozinha que prepara pratos vegetarianos em sua casa. As mais diversas profissões estão passando por um fenômeno bastante característico do mundo pós-pandemia: a chamada “tiktokzação” das profissões.
O termo ficou mais popularmente conhecido em meados de 2021, em um momento em que, em meio ao isolamento social, profissionais recorreram às redes sociais para promover seus trabalhos e conquistar clientes no mundo digital. Por um lado, novos criadores de conteúdo nasceram e cresceram na pandemia. Do outro, profissionais dos mais diversos setores passaram a utilizar redes sociais como TikTok e Instagram e conquistaram públicos fiéis.
As mídias sociais representam uma ferramenta de publicidade e propaganda para marcas e usuários. Por meio delas, conseguem atingir mais pessoas e potenciais clientes de fora de sua bolha do que por outras formas de marketing – em especial, quando conseguemo viralizar um conteúdo.
Também podem significar uma maior carga de trabalho. Além da necessidade de comprar equipamentos como smartphones ou câmeras de qualidade, iluminação, microfone e tripé, os profissionais-influencers também precisam criar conteúdos de forma consistente e relevante. Este é um grande desafio quando se trata de áreas de conhecimento específicas que precisam também dominar técnicas da comunicação, que nem todos tem habilidade ou facilidade em lidar.
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Curriculum vitae
Não há profissão que fica de fora das redes sociais. Entre vídeos de coreografias e sketches de humor, estão advogados, psicólogos, médicos, economistas, consultores, professores de variadas matérias, pedreiros e até bailarinos profissionais.
A chef e atriz Thallita Flor (@thallitaflor) é dona do Banana Buffet, de gastronomia 100% vegetal no Rio de Janeiro, que realiza festas, serviços de catering e consultorias, aulas particulares e em grupo sobre culinária vegetal. No Instagram e no TikTok, Thallita já conquistou mais de 617 mil e 794 mil seguidores, respectivamente, ao publicar vídeos ensinando receitas vegetarianas e veganas. Hoje, além do buffet e demais trabalhos e parcerias, Thallita também produz conteúdos de forma consistente em suas redes.
Nos tutoriais, que sempre começam com o bordão “Mais um dia no barraco”, ela erra a quantidade de ingredientes, coloca mais comida do que cabe na panela, emprata as receitas em cerâmicas chiques – todas ações que qualquer pessoa faria na cozinha. O resultado tem sido o crescimento de seguidores, além de parcerias com marcas como Kitano e Alelo para a divulgação de produtos e serviços ligados à alimentação.
Já o artista e professor Filipe Grimaldi (@filipegrimaldi) encontrou nas redes sociais uma forma de promover seu próprio trabalho e de outros artistas. Com o bordão “Chora, Photoshop!”, reage a obras de letristas, como cartazistas de supermercados, grafiteiros e pintores. Com mais de 453 mil seguidores no Instagram e mais de quatro mil no TikTok, também vende uma assinatura para participar de seu “Close Friends” – modalidade do Instagram que permite que apenas um círculo de usuários selecionados vejam os stories.
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A advogada Miriane Ferreira (@dra.mirianeferreira), especializada em Família e Sucessões, tem mais de 1,5 milhão de seguidores no Instagram e mais de 235 mil no TikTok, onde responde dúvidas e questionamentos sobre direitos, separação e herança. Foi também nas redes sociais em que a doutora divulgou seu curso “Legalmente Poderosa”, para ensinar mulheres sobre seus direitos, resguardar o patrimônio em relacionamentos, e até criar saídas e aconselhamentos para mulheres em situação de abuso psicológico, físico, verbal ou sexual. Até agora, o curso já recebeu mais de cinco mil alunas. Em outro curso, o “Legalmente Digital”, a advogada compartilha seus segredos para alcançar mais de um milhão de seguidores nas redes sociais para que profissionais de qualquer área possam se tornar referência em seus respectivos mercados.
Reféns do TikTok
“TikTok?” pergunta o cantor Caetano Veloso ao receber a explicação de que deveria cortar o tempo de duração de sua nova música para meio minuto – o suficiente para viralizar na rede social. Na sátira do canal Porta dos Fundos, os produtores fictícios interpretados por Gregório Duvivier e João Vicente de Castro desejam criar um álbum inteiro com músicas animadas e engajantes para a rede social – e claro, passíveis de dancinhas quem ajudem na divulgação.
Por mais absurda que a situação pareça, não é distante do que vários artistas relataram ter passado com suas próprias gravadoras. A cantora Anitta, assim como artistas internacionais como Adele, Florence Welsh, Ed Sheeran e Halsey afirmaram que receberam pedidos para que compusessem canções animadas e virais, ou que trabalhassem mais na divulgação de seus trabalhos no TikTok.
As reclamações apontam que, se por um lado a rede social é uma poderosa ferramenta de marketing, pode ser também uma âncora para quem depende dela para promover seu próprio trabalho. A música mais ouvida no Spotify no Brasil no primeiro semestre de 2022 foi “Malvadão 3”, do cantor e rapper Xamã. Não coincidentemente, a música foi um hit no Instagram e no TikTok, com milhares de vídeos reproduzindo a música e versões de danças.
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Além da pressão por produzir conteúdos virais, os profissionais que acabam viralizando nas redes sociais são aqueles que possuem alguma facilidade com as ferramentas das plataformas. Como explica Rafaela Moraes Cardoso, que em sua “dissertação de mestrado analisa a visão de carreira dos Millennials e da Geração Z através das mídias sociais, as novas gerações possuem vantagem frente às anteriores, uma vez que são nativas digitais e, portanto, possuem mais conhecimento sobre como utilizar as mídias sociais.
O artigo também aponta que as produções demandam tempo, trabalho e até investimento financeiro. Para continuar criando conteúdos relevantes para as diferentes plataformas, usuários devem se manter em constante atualização e aprendizado sobre tendências, mudanças das funcionalidades das redes, além da própria profissão.
“Além de trabalhar para o seu negócio em si, as pessoas se veem obrigadas a produzir conteúdo digital, porque no cenário atual, não estar presente nas redes sociais é quase como não existir”, explica Rafaela.
Desinformação nas redes
Segundo estudo da consultoria McKinsey, os jovens da Geração Z são os mais insatisfeitos com serviços de saúde comportamental, por considerarem que não têm acesso a atendimentos em meio a crises. Ainda segundo o levantamento, quando se encontram diante de uma crise de saúde mental ou comportamental, os jovens buscam informações principalmente nas redes sociais, em plataformas como TikTok, Instagram e Reddit. O objetivo é buscar aconselhamento de outros internautas ou de profissionais online.
Se por um lado psicólogos e terapeutas podem aconselhar usuários a entender o problema pelo qual estão passando e aconselhá-los a buscar ajuda profissional, por outro a presença digital pode ser confundida com um serviço real, ou então, acabar espalhando desinformação.
É o caso de uma internauta australiana que publicou em suas redes sociais o parto de seu terceiro filho. A gestante optou pela modalidade da cesariana assistida pela mãe (MAC, na sigla em inglês), na qual a equipe médica inicia o parto da criança, retirando a cabeça e parte do tórax, e a mãe, utilizando luvas e avental cirúrgico, retira a criança do útero e a segura.
Parte da comunidade médica defende a modalidade como uma forma de dar mais protagonismo à mãe durante um momento tão importante de sua vida. Mas a maioria se posiciona contra a prática, uma vez que pode trazer riscos ao recém-nascido como infecções e complicações do procedimento cirúrgico, que podem ir de sangramentos a lesões em órgãos, além de atrasos na avaliação do bebê.
Fugindo do algoritmo?
Ainda não parece haver escapatória para os algoritmos das redes sociais, que estão se consolidando como uma poderosa ferramenta de publicidade. Isso ao menos para profissionais com habilidade para criar conteúdo relevante para além de seu segmento de atuação.
O TikTok anunciou no início de agosto que usuários na Europa poderão desabilitar o algoritmo que recomenda conteúdos personalizados de acordo com a navegação de cada perfil. A decisão foi exigência da nova legislação Ato de Serviços Digitais (DSA, em inglês), presente nos 27 países que formam a União Europeia, que visa preservar a privacidade de dados dos cidadãos europeus. Ao desativar o algoritmo, usuários receberão vídeos populares de acordo com o lugar onde cada pessoa mora, assim como aqueles que viralizaram globalmente.
No Brasil, essa ainda é uma possibilidade distante, já que todos os usuários de redes sociais estão sujeitos ao algoritmo de cada plataforma. Isso dificulta o alcance de profissionais a diferentes públicos, e usuários de consumirem conteúdos de criadores e segmentos mais variados. Assim, vídeos e fotos devem viralizar para estourar a bolha e alcançar novos públicos, além daqueles que já seguem o profissional criador.
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