COVID-19, conflitos e clima. Em 2023, esses três fatores foram apresentados por Kate Ancketill, CEO da GDR Creative Intelligence, como impulsionadores de uma crise permanente – o que ela chamou de “permacrisis”. Juntas, no começo do ano passado, as “Forças C” traziam o fim da era da abundância e desfiavam gestores e políticos. Agora, no início de 2024, a executiva retoma tal perspectiva, destaca o que ficou no passado, apresenta novos elementos que surgiram e foram somados a esse cenário e traz tendências ajudam a lidar com os desafios.
Naturalmente, como lembra Kate, a COVID-19 já não é um fator de preocupação para empresas e governos. Conflitos e problemas climáticos, no então, continuam presentes. “Além disso, há um novo disruptor que está causando incerteza no varejo: a bomba relógio demográfica”, acrescenta. Os números reforçam essa perspectiva: no Japão, há mais vendas de fraldas geriátricas do que para bebês. Também está prevista a diminuição da população de 23 países – entre eles, China, Japão, Itália e Coreia do Sul – até o final do século. Para o continente americano, ainda não há um problema relacionado a isso, mas haverá.
“Se a segunda maior economia do mundo espirra, então o resto do mundo se resfria”, comenta, referindo-se às mudanças que podem haver na China. “Então, todos serão impactados, particularmente as nações industrializadas hoje”. Entre os efeitos, ela menciona a redução do número de pessoas economicamente ativas, além de o aumento da necessidade de automação e a consequente desaceleração do crescimento dos PIBs.
Outro fator disruptor mencionado por Kate é a crise no custo de vida. Mesmo em países de economia mais sólida, existe uma percepção de redução de renda entre as pessoas. “Dois terços das pessoas sentem que estão ficando mais pobres e obviamente isso impacta os gastos”, acrescenta.
Nesse sentido, a executiva adiciona a percepção de que o modelo de consumo linear como o modelo econômico dominante está chegando ao fim, ou seja, o consumo circular (que envolve, por exemplo, modelos de revenda) está ganhando espaço. “Até 2030, a moda secundária deve ser duas vezes maior do que o fast fashion”, diz. Por fim, ela adiciona a ascensão da Inteligência Artificial (IA) fator disruptor. “Todos os negócios estão passando pela era da transformação”, determina. “Estamos nos movendo em direção à reconstrução, ao fim do desperdício e à uma maior produtividade – algo que todas as indústrias buscam desesperadamente”.
Para que as empresas lidem com esse cenário, Kate apresenta três principais tendências e reforça que as mudanças ocorridas são irreversíveis. “O gênio saiu da garrafa, não há volta atrás, todos nós temos que abraçá-lo – esperamos que a legislação acompanhe o ritmo e nos mantenha no caminho certo”, reflete.
Tendências para lidar com desafios
1. Consumidor guardião
De acordo a CEO e fundadora da GDR Creative Intelligence, existe um movimento de distanciamento do consumo desenfreado. Com isso, consumidores tornam-se “guardiões” dos produtos, ou seja, passam a enxergar que é possível revender, doar ou reutilizar produtos, dando a eles uma vida útil maior. “É claro que isso é mais avançado em algumas partes do mundo do que em outras – alguns países, principalmente do Norte da Europa, podem ser inspirações para outras economias”, pondera.
Tal tendência, ela comenta, é impulsionada por fatores como a emergência climática, o aumento do custo de vida, os incentivos regulatórios e financeiros em alguns casos (na França, por exemplo) e uma mudança no conceito de ética relacionada a forma como se consome. “Acredito também que a percepção do que significa ‘novo’ está mudando”, analisa. “Um produto só precisa ser novo para mim – não necessariamente recém-fabricado”.
2. IA Empática
“Escolhemos esse termo para representar a ideia de que estamos nos movendo para um mundo no qual teremos mais modelos de negócios baseados na ideia de inteligência não roteirizada”, explica. “Ela será conversacional, irá se comunicar conosco de fato, enxergando que somos indivíduos e como se elas fossem pessoas reais”.
Obviamente, IA é um assunto absolutamente em alta – e isso não vai mudar. Mas, para Kate, o diferencial está no termo “empático”. Afinal, por mais que quase metade da população dos EUA já esteja conversando com assistentes pessoas como Alexa ou Google Home – e tendo muitos benefícios a partir disso –, há uma epidemia de ansiedade, solidão e problemas de saúde mental. “É possível unir esses dois pontos, pois há uma enorme necessidade não atendida de terapeutas que podem ser fornecidos pela IA”, afirma.
Além disso, ela aponta que estamos caminhando em direção ao “comércio pós-assistente pessoal”, no qual a IA administrará aplicativos em nosso nome. “Estamos passando de modelos de revenda reativos para antecipatórios”, complementa.
3. Experiências físicas
A executiva acredita ainda que, à medida em que as experiências digitais e virtuais ganham domínio sobre a vida humana, tende a haver um movimento contrário em busca do que é real, autêntico e físico. Nesse sentido, ela menciona que 70% das pessoas globalmente sentem que não há mais consenso na sociedade sobre o que é verdadeiro e o que não é. “Esse é um problema novo – pelo menos nessa escala – e pode tornar-se maior se as pessoas não conseguirem discernir o que é produzido pela IA e o que é produzido por humanos”.