Nos últimos meses, pessoas e também empresas foram figurativamente “atropeladas” pelas mudanças nas rotinas de trabalho implementadas de maneira urgente por causa da pandemia de Covid-19 pelo mundo. “Adeus escritório, olá home office” foi a frase da vez.
Agora que metrópoles economicamente estratégicas como Beijing, Londres, Paris, Madrid e Nova York (no Brasil a abertura em São Paulo, por exemplo, ainda está acontecendo sob avaliação quase diária) começam a sair da quarentena – ou pelo menos tentam retomar o ritmo – o Smart Working se mostra uma realidade que veio para ficar. Para quem ainda não está familiarizado com o conceito, ele se refere a trabalhar de qualquer lugar, a qualquer hora e com foco nos resultados e não no tempo sentado no escritório.
“Aceleração e avanços tecnológicos são megatendências que antecipavam essas transformações e se consolidaram de vez com este surto viral sem precedentes”, explica Mau Medeiros, design e future thinker, mestre em Ambientes Narrativos pela Central Saint Martins, de Londres, e que hoje é um dos consultores na Kyvo Design-Driven Innovation, em São Paulo. Ele é Head de Design e tem cases de projetos com Nike, Philips, Selfridges, L’Occitane, Bradesco, Metlife, entre outras marcas.
Atua justamente identificando o que precisa ser transformado nas empresas para que elas cheguem mais rápido – e de forma mais competitiva – nesse futuro tão tecnológico que chegou com o Covid-19. “É importante a empresa pensar em como adequar serviços e produtos para consumidores/usuários dentro deste novo contexto e em um exercício de construção de cenários de curto e médio prazo”, diz ele.
Quer saber por onde começar e se é possível fazer esse movimento de entrar no Smart Working de maneira mais segura e preparada? Então acompanhe a entrevista abaixo:
Consumidor Moderno – Você pode explicar o que é o conceito de Smart Working?
Mau Medeiros: É uma mentalidade diretamente ligada à mobilidade e à liberdade. Modelos e ambientes de trabalho ainda ecoam formatos originários do século passado e não necessariamente se aplicam aos dias atuais, principalmente pela perceptível falta de aplicação das inúmeras facilidades que a tecnologia nos trouxe e tantos novos conceitos sobre a relação pessoas-trabalho. Em um mundo onde produtos são ‘smart’ (relógios, carros, geladeiras, etc.) atribui-se este conceito ao modelo de trabalho como tentativa de transformar essa relação das pessoas com o trabalho com base em tecnologia e inteligência, fazendo mais sentido ao comportamento humano atual.
“As gerações que não são nativas digitais ainda podem ter alguma resistência
ao modelo Smart Working, mas também vejo isso mudando e torço para
que dê certo. Gosto de citar William Gibson: ‘O futuro já chegou,
só não está uniformemente distribuído'”
CM: Na sua opinião, você acha que a pandemia de Covid-19 potencializou esse entendimento de que podemos mudar os padrões de trabalho para o home office ou para uma entrega remota (onde quer que a pessoa esteja)? O surto teve o poder de adiantar esse processo?
MM: Não só potencializou a mudança como também, em vários casos, foi o principal agente dessa mudança. Empresas que ainda tinham resistência e/ou impedimentos para testar ou implementar novos modelos não tiveram alternativa. É agora! Foi agora! Mesmo porque já estamos nesse modelo beta há 3 meses em muitos casos. Aceleração e avanços tecnológicos são megatendências que antecipavam essas transformações e se consolidaram de vez com este surto viral sem precedentes.
CM: Existem áreas que, na sua opinião, podem adotar essa premissa de trabalho desde já mesmo no Brasil, onde a desigualdade de acesso à internet de qualidade e os preços cobrados por ela ainda são uma realidade?
MM: Esta é uma questão bastante complexa. O trabalho remoto é uma prática que vem sendo aplicada aqui no Brasil há algum tempo em muitas startups e em algumas corporações, por exemplo. Modelos remotos com jornadas no escritório de 3 dias já começaram a ser testadas nos últimos dois anos pelo menos. Este modelo 100% remoto “imposto” pela pandemia é a grande diferença. Já muito conhecido dos nômades digitais, o conceito difundido com o livro “Digital Nomad”, de 1997, sempre buscou a independência e mobilidade como catalisadores para uma vida mais balanceada e otimizada. O que não se esperava é que a primeira experiência para grande parte do planeta seria então o trabalho remoto em confinamento. Dito isso, mesmo para áreas que possam implementar o Smart Working ainda existe um modelo a ser desenhado. Agora, se pensarmos em ambientes de igualdade e privilégios compartilhados, as disparidades de condições de trabalho vão ganhar um holofote ainda maior e as marcas empregadoras podem ter grandes problemas junto aos seus funcionárixs. Baseado nisso, acredito que um plano de Smart Working é algo para se implementar a médio/longo prazo e, assim, beneficiar a todas e todos, se se tornar somente uma resposta imediata a uma urgente crise social e sanitária do planeta.
CM: É preciso criar uma cultura dentro da empresa primeiro antes de implementar o Smart Working?
MM: Eu carrego comigo um mantra: “As pessoas (funcionárixs) em primeiro lugar”. Acredito que toda e qualquer entrega aos funcionárixs deve ser pautada pela cultura e pelos princípios determinantes de uma boa experiência. A cultura de uma empresa, entre outros pilares, é a expressão de seus relacionamentos, sua personalidade e modo de operação. Vão existir casos em que o Smart Working não terá fit com a cultura da empresa, então não deveria ser um modelo imposto como viável ao sistema.
CM: Que dicas você poderia dar para uma empresa pensar em Smart Working de verdade? Como uma área de Recursos Humanos, por exemplo, pode começar?
MM: Eu iniciaria com a sensibilização para outro termo: Smart Generosity. Trata-se de um exercício amplo de empatia e alteridade com valorização do indivíduo. Pessoas em primeiro lugar, mentalidade inovadora, proposta de valor bem construída e colaboração. Esses são quatro pilares que ajudam as empresas a se tornarem plataformas de boas experiências. As áreas de pessoas (RH) dentro das empresas são, mais do que nunca, os facilitadores de processos inovadores, das mudanças estruturais e de nova mentalidade. Assim, cria-se bases sólidas para implementação de qualquer modelo que responda às necessidades das pessoas.
CM: O tamanho da empresa – se grandes, médias ou pequenas – influencia na hora de adotar o Smart Working? Ele pode ser considerado uma Inovação?
MM: Inovação é um conceito amplo. Pode se dar através da inventividade, da pesquisa, do processo, do resultado. Como mencionei anteriormente, penso que o Smart Working deve ser adotado se a cultura da empresa pedir por isso, seja o tamanho que for e o segmento que for, lembrando das atividades onde ainda não é possível aplicar este conceito.
“O Smart Working deve ser adotado se a cultura da empresa pedir
por isso, seja o tamanho que for e o segmento que for, lembrando das atividades onde ainda não é possível aplicar este conceito”
CM: Você teria experiências para contar de como o Smart Working está funcionando em outros países?
MM: Eu tive a oportunidade de trabalhar para uma empresa norueguesa onde o Smart Working foi o modelo desde o dia 1. Fiquei surpreso no dia em que, alocado para um projeto, as pessoas já começavam um ritual de se prepararem para ir embora, deixar o trabalho às 16h, 16h30min. Uma surpresa boa! Penso sempre que temos que olhar cenários similares ou análogos com criticismo, pois são sociedades e realidades bem diferentes da nossa.
CM: Na sua opinião, essa busca por um trabalho remoto, mais longe das idas e vindas fixas dos escritórios, é algo também geracional?
MM: Diria que sim num primeiro momento. As gerações mais novas experimentaram desde cedo a liberdade e autonomia, são “filhos’ do mundo globalizado; então barreiras territoriais ou mesmo tecnológicas não fazem parte do seu repertório. Só que, de novo, aqui estamos falando de um recorte privilegiado com acesso rápido à informação e tecnologias. As gerações que não são nativas digitais ainda podem ter alguma resistência ao modelo Smart Working, mas também vejo isso mudando e torço para que dê certo. É uma questão de melhor distribuição. Gosto de citar William Gibson: “O futuro já chegou, só não está uniformemente distribuído.”
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