Saúde suplementar no Brasil é um tema de crescente relevância. Especialmente no atual cenário onde as opções de planos de saúde se diversificam e a regulamentação se torna cada vez mais complexa. Isso sem contar o aumento significativo na adesão aos planos de saúde. O que, de certa forma, impulsiona uma maior busca por serviços de qualidade e atendimento especializado.
E óbvio que todo o crescimento traz consigo desafios. Entre eles, destaque para a necessidade de uma supervisão mais rigorosa por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). E também um maior foco na transparência das informações para os consumidores.
Outra lacuna é que as características dos beneficiários também estão mudando. A população idosa, por exemplo, representa um segmento em expansão dentro das carteiras de planos de saúde. Isso requer, por consequência, uma adaptação nos serviços oferecidos, tanto em termos de cobertura quanto de atendimento. Outra questão importante é a relação custo-benefício dos planos de saúde. Muitos usuários questionam a necessidade de pagar altos valores por serviços que, em alguns casos, não são utilizados. Esse contexto faz surgir debates sobre a regulação de preços e a importância de políticas que incentivem a competitividade no setor, sem comprometer a qualidade do atendimento.
Saúde suplementar para todos
Sabendo desses desafios, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) realizou, nos dias 21 e 22 de novembro, seu 28º Congresso. O objetivo do evento foi proporcionar o diálogo contínuo entre consumidores, operadoras e reguladores. Nas palavras de Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, a meta do evento é construir, através do diálogo, um sistema de saúde suplementar que atenda a todos. Assim, um dos momentos mais impactantes foi a apresentação da pesquisa “Raio X da Saúde Suplementar do Brasil“, da FGV Justiça e do Ipespe Saúde.
O estudo tem coordenação dos juristas Luis Felipe Salomão e Elton Leme. “O estudo tem foco na análise da opinião pública e de sua percepção e apropriação quanto à saúde suplementar. Vale destacar a relação entre operadoras de planos de saúde e usuários. Mas sem desconsiderar a avaliação dos não usuários”, explicou Luis Felipe Salomão, ao apresentar a pesquisa.
Raio X da saúde suplementar
A pesquisa foi feita com 2 mil entrevistados entre a população adulta brasileira de 18 anos e mais, de todas as regiões do país. O principal dado do Raio-X da Saúde diz respeito à percepção da “Rede Pública de Saúde”. Entre os brasileiros ela é, em sua maioria, regular (41%). As avaliações negativas, que incluem as classificações ruim e péssima, chegam a 32% dos entrevistados. Enquanto isso, apenas um quarto (25%) considera o serviço ótimo ou bom. Isso resulta em um saldo de avaliação negativo de -7 pontos. Esse montante se torna ainda mais desfavorável em regiões como o Norte (-16 pontos) e o Nordeste (-17).
Em contrapartida, o Sul apresenta um saldo positivo de 6 pontos. Para os usuários de planos de saúde, a avaliação da rede pública é consideravelmente pior em comparação com aqueles que não possuem planos (-12 pontos contra -5 pontos, respectivamente). Entre os indivíduos com plano de saúde individual, o saldo é ainda mais negativo (-17), em comparação com aqueles que têm plano coletivo/empresarial (-6).
A avaliação da rede “privada de saúde” é predominantemente regular, com 42% dos respondentes fazendo essa classificação. Em comparação, 34% consideram a rede como ótima ou boa, enquanto 18% a classificam como ruim ou péssima. O saldo é o mais favorável entre as três instâncias avaliadas, atingindo 17 pontos. O número aumenta para 24 pontos entre aqueles com renda superior a 5 salários mínimos, 28 pontos na região Sul e 23 pontos entre os usuários de planos de saúde.
Satisfação dos usuários de planos de saúde
A satisfação dos usuários em relação aos seus planos de saúde é, em média, de 7,7. Em uma escala que vai de 0 a 10, cerca de 80% dos usuários (77%) classificam seu nível de satisfação com notas entre 7 e 10. Essa média é semelhante entre os usuários de planos individuais (7,8). E vale ainda para os que possuem planos coletivos ou empresariais (7,7), assim como ocorre em diferentes grupos sociodemográficos. Ao analisar por regiões, a maior média é observada no Norte (8,0), enquanto a menor é registrada no Centro-Oeste (7,4).
Outro dado importante do Raio X é o percentual de brasileiros que afirmam confiar pouco ou não confiar no “Setor de Saúde Suplementar/Planos de Saúde”. Ao todo, 55% diz não confiar. Enquanto isso, 42% confiam ou confiam muito. A confiança é significativamente maior entre os usuários (48%) em comparação aos não usuários (38%) e nas faixas de escolaridade e renda mais elevadas (superior: 49%; renda acima de 5 salários-mínimos: 49%). Por outro lado, a desconfiança atinge 60% na faixa etária de 60 anos ou mais. Ademais, 61% dos desconfiados estão na região Norte; e 59% entre aqueles que possuem planos individuais (contra 54% entre os que têm planos coletivos/empresariais).
Confiança versus desconfiança
A discrepância entre a confiança e a desconfiança destaca a necessidade de ações direcionadas para aumentar a transparência e a satisfação dos consumidores. As instituições do setor devem considerar estratégias para abordar as preocupações e inseguranças dos brasileiros, especialmente daqueles que se sentem mais vulneráveis.
A percepção negativa foi exacerbada por relatos frequentes sobre a negativa de cobertura e a dificuldade de acesso a serviços de saúde. Durante o 28º Congresso Abramge, Antonio Saldanha Palheiro, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) explicou que para reverter esse cenário, o setor precisa aprimorar sua comunicação. “As pessoas, por exemplo, não têm consciência de que a inflação médica é superior à inflação média”, afirmou o ministro. “Em contrapartida, ao serem questionadas sobre os aspectos positivos das operadoras de saúde complementar, as pessoas destacam, em ordem de importância, a qualidade do serviço, a qualidade dos profissionais, o atendimento oferecido e a rede credenciada”.
Clareza nas informações
O fortalecimento da transparência nas comunicações é outro aspecto que o ministro destacou. Ou seja, fornecer informações claras sobre a estrutura de custos e a precificação dos serviços pode ser decisivo para melhorar a percepção do público.
Finalmente, a melhoria contínua dos serviços deve ser uma priorização. Monitorar a satisfação dos usuários, ouvir suas críticas e sugestões, e implementar as mudanças necessárias são ações que podem promover não apenas a lealdade dos clientes, mas também a reputação do setor como um todo. Durante o painel do estudo, portanto, ficou explícito que ao unir esforços em prol de uma comunicação mais clara e efetiva, as operadoras de saúde podem não só enfrentar os desafios atuais, mas também prosperar em um ambiente cada vez mais competitivo.
Informações sobre planos de saúde
A principal fonte de informações sobre planos de saúde são os meios digitais, que incluem sites, blogs, redes sociais, YouTube e WhatsApp, representando juntos 70% das menções. A televisão ocupa a segunda posição, com 50% das referências em uma pergunta de respostas múltiplas.
Embora a maioria das pessoas considere o noticiário neutro, as notícias negativas se destacam no recall:
- “Preços dos planos/aumento dos preços nas faixas etárias” com 20% das menções;
- “Recusa na cobertura de procedimentos” com 11%;
- “Demora no agendamento de consultas” com 7%;
- “Cancelamento de planos sem aviso prévio e exclusão de idosos” com 4%;
- “Descredenciamento de médicos, hospitais e profissionais” com 3%;
- “Exclusão na cobertura de terapia para autistas” com 2%.
Também foram mencionadas outras questões com 1% de menções, como “CPI dos planos”, “planos com problemas financeiros” e “mau atendimento”. Entre as notícias positivas, destacam-se: “divulgação de novos planos/ofertas” com 4%; “melhoria dos planos de saúde” com 1%; e “planos mais acessíveis” com 1%.
A percepção sobre a evolução do setor de planos de saúde no país gera opiniões divergentes: 36% acreditam que está estagnado, 33% consideram que está em crescimento e 19% veem o setor como em declínio. Ao avaliar os usuários conforme os tipos de planos, a percepção de crescimento é similar, mas a de estagnação é significativamente maior entre aqueles com planos coletivos/empresariais (37%) em comparação aos que possuem planos individuais (28%). Por outro lado, aqueles com planos individuais relatam uma maior percepção de declínio (25%, contra 19% entre os demais).
Importância da saúde suplementar
A relevância do setor de saúde suplementar, através dos planos de saúde, é extraordinária: 88% das pessoas a consideram importante ou muito importante.
Ademais, esse percentual é ainda mais elevado entre os usuários de planos de saúde, atingindo 94%, e em todos os segmentos sociodemográficos e regiões, fica acima de 80%. Reforçando essas percepções, a importância dos planos de saúde para “a geração de empregos” é elevada (89%); para “o acesso das pessoas aos serviços de saúde” (88%); e para “a melhoria da área de saúde no Brasil” de forma geral (88%).
A pesquisa mostrou ainda que a Unimed é o plano de saúde mais reconhecido pelos brasileiros, com 62% das menções. Na sequência, à distância, estão Amil, Bradesco Saúde e Hapvida, empatadas em segundo lugar, cada uma com 14%. Outros planos obtiveram menos de 10% das respostas. As menções à Unimed chegam a 70% entre os que têm ensino superior; 71% entre os que têm renda acima de R$ 5 mil; e 82% no Sul.
Pontos positivos e negativos
Sobre os pontos positivos da saúde suplementar, os aspectos relacionados à qualidade do serviço ocupam os primeiros lugares no ranking.
- Qualidade dos serviços: 22%;
- Qualidade dos profissionais de saúde: 16%;
- Atendimento presencial: 14%;
- Rede credenciada de atendimento: 7%.
Aspectos como inovação tecnológica, atendimento digital e transparência em relação aos reajustes receberam 5% ou menos das primeiras menções.
Da mesma forma, quando questionados sobre aspectos negativos, o preço se destaca como a principal preocupação dos consumidores. Essa questão se mostra como o ponto mais crítico em relação aos planos de saúde, acompanhada pela impressão de falta de transparência nos reajustes:
- Valor das mensalidades: 27%;
- Qualidade dos serviços: 8%;
- Custo-benefício, coberturas, qualidade dos profissionais de saúde, tempo de carência e atendimento presencial, todos com 6% cada.
Judicialização
Em relação ao entendimento sobre o conceito de judicialização, 78% dos entrevistados afirmam desconhecer o termo. Assim, apenas um quinto dos brasileiros está familiarizado com a expressão “judicialização da saúde no setor privado”.
Após uma breve explicação do conceito (“No Brasil, muitos conflitos entre usuários e seus planos de saúde são levados à Justiça, originando a chamada judicialização da saúde”), torna-se evidente uma certa desconfiança dos usuários em relação ao setor e insatisfação com as operadoras no que tange à transparência. Apenas 6% dos entrevistados já recorreram à Justiça contra seus planos de saúde, enquanto 26% conhecem alguém que o fez.
Geralmente, dentre os motivos que levaram alguém a acionar a Justiça contra o plano de saúde, “a negativa de cobertura assistencial” sobressai em primeiro lugar (65%). Em outras palavras, em relação ao que foi negado na cobertura assistencial, “cirurgia” é a categoria mais mencionada (51%), seguida, a uma distância considerável, por “medicamentos” (12%), e outros itens com menos de 10% das respostas.
No que se refere às “questões relacionadas à suspensão dos contratos”, esta ocupa um distante segundo lugar (16%). Por fim, sobre quais aspectos do contrato foram suspensos ou alterados, 59% apontam “mudança das cláusulas”, 19% mencionam “cancelamento do plano sem aviso prévio”; e 12% citam “cancelamento do plano por inadimplência”. Precipuamente, entre os motivos que levaram alguém a recorrer à Justiça contra o plano de saúde, outros 14% referem-se a “questões relativas ao reajuste da mensalidade”.