O 28º Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) ocorreu nos dias 21 e 22 de novembro, na Bienal, em São Paulo. O tema principal do evento foi “Protagonismo da Saúde: Integração Público-Privado”.
No primeiro dia, a mesa solene do Congresso foi formada pelas seguintes autoridades: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge; Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); Antônio Saldanha, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); André Ramos Tavares, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); José Aquino Lopes, diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB); Roberto Kalil Filho, professor da Faculdade de Medicina da USP; e a juíza Renata Gil, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na oportunidade, Gustavo Ribeiro explicou que o 28º Congresso Abramge busca o diálogo que permita ultrapassar barreiras na busca por um sistema com regras claras e uso racional. O objetivo, segundo ele, é garantir a sustentabilidade do sistema de saúde como um todo. Considerando a saúde, assim como a segurança e a educação, como “essencial” para qualquer nação. “Não é possível discutir prosperidade sem que a saúde seja uma prioridade. Entretanto, é preciso endossar segurança jurídica. E hoje é inegável que existe uma certa insegurança jurídica no setor de saúde”, comentou o presidente da Abramge.
Saúde e segurança jurídica
O problema mais comentado na abertura do 28º Congresso Abramge é a judicialização. Inclusive, nas palavras de Gilmar Mendes, os números referentes à judicialização no setor são alarmantes. Isso porque houve um aumento de 21 mil ações por mês, em 2020, para 61 mil, em 2024. Portanto, na tentativa de reverter esse cenário, o STF tomou uma decisão em um processo complexo para tentar estabelecer diretrizes para a judicialização. “Trata-se de um desenvolvido por uma comissão especial, que sugere a criação de uma plataforma nacional para centralizar as solicitações de medicamentos”.
A proposta visa não apenas diminuir o volume de ações judiciais, mas também promover uma gestão mais eficiente e transparente dos pedidos de medicamentos, garantindo que os pacientes tenham acesso adequado às suas necessidades de saúde. A plataforma será um espaço onde os usuários poderão registrar suas demandas de forma direta, facilitando o acompanhamento e a transparência das solicitações.
Ademais, a criação dessa plataforma mobiliza um esforço conjunto entre diferentes esferas do governo e a sociedade civil, buscando um diálogo mais aberto sobre as necessidades do sistema de saúde e a importância da judicialização controlada. A ideia é transformar a judicialização em um último recurso, onde as resoluções estejam fundamentadas em diretrizes claras e consistentes.
Judicialização na saúde
Na mesma linha de raciocínio que Mendes, a juíza Renata Gil, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destacou a importância de reduzir a alta judicialização da saúde. “Nós, do CNJ, estamos prontos e vigilantes para cumprir a decisão do STF. Nosso objetivo é aprimorar as condições de saúde dos brasileiros”.
O setor de saúde suplementar realiza mais de 750 mil consultas, 3 milhões de exames, 25 mil internações e quase 12 mil cirurgias diariamente. A magnitude dessas operações destaca a importância da saúde suplementar na vida da população brasileira. “Logicamente, existem muitos desafios e tarefas a serem concluídas. E o dia de hoje marcará o início dessa busca contínua por um maior acesso à saúde para a população brasileira. Precisamos de segurança jurídica na legislação. Nosso setor requer equilíbrio e sustentabilidade para facilitar o acesso. E a Abramge está pronta e legitimada para enfrentar esse desafio”, abordou Gustavo Ribeiro.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, destacou a relevância da colaboração entre os setores público e privado da saúde. “O suporte da saúde suplementar é fundamental para a saúde pública brasileira. Temos que atuar juntos e pensar juntos”.
As ações necessárias incluem a promoção de uma implementação eficaz de políticas públicas que apoiem a saúde suplementar e a necessidade de fomentar a inovação na gestão dos serviços de saúde. O diálogo entre os diversos segmentos do setor é fundamental para construir um ambiente favorável à colaboração entre operadoras, prestadores de serviços e governo. O compartilhamento de dados e a transparência nas informações são aspectos que não podem ser negligenciados.
Mais pessoas no sistema de saúde
Outro desafio no Brasil é o fato de o sistema de saúde ter cada vez mais pessoas. A crescente demanda por serviços de saúde exige não apenas mais recursos financeiros, mas também uma análise cuidadosa da capacidade de atendimento e da qualidade dos serviços prestados. As instituições precisam se adaptar rapidamente, integrando tecnologias que melhorem a eficiência e a eficácia dos tratamentos.
No Congresso, os participantes puderam ver que o aumento do número de pessoas no sistema de saúde requer uma abordagem multifacetada e colaborativa, focada na eficiência, acessibilidade e, principalmente, na prevenção. Somente através de estratégias bem planejadas e executadas é que será possível garantir um sistema de saúde sustentável e de qualidade para todos. José Seripieri Filho, presidente da Amil, e Jorge Pinheiro, presidente da Hapvida NotreDame Intermédica, enfatizaram os obstáculos do setor. “Em 2023, a saúde suplementar realizou 1,7 bilhão de procedimentos. No entanto, existem 153 milhões de brasileiros que desejam ter acesso a ela”, afirmou Seripieri.
“Há uma demanda crescente por uma participação maior no sistema, mas, inevitavelmente, os usuários poderão se afastar se não encontrarmos segurança por meio de regras estabelecidas”, pontuou Jorge Pinheiro.
Palestra magna
Luís Roberto Barroso é professor, magistrado, ministro e presidente do STF. Em seu painel, ele abordou a questão da judicialização do sistema de saúde.
Na ocasião, ele contou que, em setembro de 2024, havia mais de 800 mil processos relacionados à saúde no Brasil. Desse montante, 483 mil foram iniciados neste ano. “Esses números são extremamente alarmantes e indicam uma tendência de crescimento”, comentou Barroso, pontuando que a judicialização não deve ser considerada o “caminho natural” para a resolução de conflitos.
Nesse ínterim, Barroso mencionou a necessidade de aprimorar as políticas de saúde pública e incentivar mecanismos alternativos de resolução de conflitos. Ele alertou que a judicialização excessiva pode sobrecarregar o sistema judiciário, tornando-o ineficaz para outras demandas igualmente urgentes. “É fundamental que o sistema de saúde no Brasil seja fortalecido para que os cidadãos possam acessar os serviços de forma justa e eficiente, sem precisar recorrer ao Judiciário para garantir seus direitos”.
Judicialização é coisa do Brasil
Precipuamente, Barroso comentou que o excesso de judicialização é uma característica marcante do Brasil. Trata-se de uma peculiaridade, presente em diversas áreas, com mais de 80 milhões de processos em andamento. “Portanto, um recorde mundial”, frisou. Diante desses números, em sua visão, é imprescindível abordar a litigiosidade no país, uma vez que não há mais como expandir a estrutura do Judiciário para lidar com essa quantidade imensa de processos.
“Isso porque o Judiciário já representa um custo elevado para o país, que não pode arcar com um aumento dessa despesa”, pontou Barroso, considerando a redução da litigiosidade como fundamental. “No campo da saúde, essa questão é especialmente importante, pois atualmente uma parte significativa do orçamento da Saúde é destinada a atender decisões judiciais. Os juízes lidam com casos específicos, mas nem sempre têm uma visão abrangente da Saúde como um todo”.
Segundo Barroso, ao decidir sobre um medicamento que custa R$ 5 milhões para atender uma única pessoa, há um desfalque em algum outro aspecto da demanda por saúde pública. Ele afirma que é necessário buscar justiça, mas é fundamental compreender o que isso significa no setor da saúde. “Por essa razão, criamos no Conselho Nacional de Justiça, com a colaboração do Ministério da Saúde, do Hospital Israelita Albert Einstein e do Sírio Libanês, um sistema abrangente para fornecer informações técnicas de qualidade que auxiliem os juízes na tomada de decisões adequadas”.
Judiciário versus questões de saúde
Ainda sobre a judicialização da saúde suplementar, Barroso destacou , muitas vezes, solicita-se dos planos de saúde coberturas que não estão previstas nos contratos. Ele defende que acordos extrajudiciais são preferíveis, uma vez que o Judiciário não possui a capacidade técnica para decidir sobre certas questões de saúde.
Barroso mencionou o desejo de “estabelecer uma cultura de resolução de conflitos na área da saúde de forma extrajudicial”. Como alternativas ao alto nível de litígios, ele citou a Notificação de Investigação Preliminar (NIP), um procedimento da ANS para situações envolvendo planos de saúde, além de resoluções administrativas no âmbito do SUS.
Barroso também mencionou que, no SUS, a judicialização geralmente ocorre pelo não fornecimento de medicamentos prometidos, que precisa ser corrigido administrativamente. No entanto, existem casos mais complexos relacionados a medicamentos não incorporados, cuja alta custo gera dilemas éticos, como a decisão de salvar uma vida com medicamentos de R$5 milhões por ano, enquanto outras pessoas podem estar em risco de morte por doenças. Essa situação demanda um equilíbrio difícil para o Judiciário.
No Congresso, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, destacou os avanços do setor desde 2023 na saúde. Em suas palavras, o aumento dos recursos para a atenção primária à saúde foi essencial para enfrentar os desafios da atenção de média e alta complexidade.
Atenção primária à saúde
Em primeiro lugar, investir na atenção primária resulta em uma abordagem mais preventiva. Isso, por consequência, reduz a necessidade de intervenções complexas e dispendiosas no futuro. Em segundo lugar, ao fortalecer a atenção primária, “criamos uma rede de cuidados que promove a saúde e bem-estar das comunidades. Em contrapartida, é possível identificar problemas de saúde cedo, proporcionando um tratamento adequado”.
Ela mencionou incrementos de 20% a 30% nos procedimentos do SUS e o apoio ao setor filantrópico. Nísia também falou sobre programas como o Mais Acesso a Especialistas, que, junto à informatização da gestão de filas, visa melhorar o cuidado e o monitoramento dos tempos de espera. Ademais, ela enfatizou a importância da saúde suplementar e a coordenação entre o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, reforçando a busca por uma maior integração e complementaridade nos sistemas de saúde, com um foco no avanço do SUS.
Por fim, Nísia ressaltou que o fortalecimento da atenção primária não é apenas uma questão de saúde pública, mas também um pilar central na construção de uma sociedade mais justa e saudável, onde todos têm a oportunidade de viver com dignidade e qualidade de vida.
Fotos: Agência Brasil