O povo brasileiro é formado por muitas misturas. Em pleno 2018, ainda há quem tenha preconceito contra esse fato – e com muitos outros. Questões de gênero, orientação sexual, etnia e nacionalidade ainda não estão bem resolvidas no Brasil. Por isso, são temas que não podem ser silenciados: é preciso falar sobre eles para que, cada vez mais, haja espaço para o respeito, o conhecimento, a informação.
Diante dessa necessidade, conversamos com Edmar Bulla, CEO da Croma, consultoria de design de soluções para inovação em negócios, responsável pelo estudo Oldversity, que traz uma nova perspectiva a respeito da diversidade e da longevidade. Confira as outras etapas dessa série e, abaixo, considerações do especialista a respeito do tema longevidade.
1. O Copenhagen Institute for Futures Studies (CIFS) identifica a polarização como uma das megatendências para as próximas décadas – e ela já é percebida nos dias de hoje. Essa é uma tendência que eventualmente leva pessoas a situações de intolerância em relação à visão do outro, a determinados pontos de vista. Dentro desse contexto, percebemos o surgimento de líderes (eleitos ou em processo de eleição) que expõem opiniões radicais e eventualmente preconceituosas sem medo de punição. Como transmitir a importância do respeito à diversidade, do diálogo e da compreensão em um cenário em que o preconceito ainda é realidade? Podemos afirmar que a informação, a educação e o conhecimento são alternativas? É papel também da mídia e das empresas colaborar nesse sentido?
No Brasil, a intolerância política, o machismo em discursos de ódio às mulheres, o deboche contra pessoas com deficiência, ataques racistas e discursos homofóbicos, de classes e de aparência, infelizmente, são ainda comuns. E eles surgem, de forma registrada, na internet e nas redes sociais, protegidos pelo anonimato e pelo escudo da distância estabelecido pelo digital. O teor mais negativo de postagens e comentários normalmente costumam ser os racistas. Sartre já dizia que “a violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota” e essa sentença explica muito a forma como nossa sociedade está cada vez mais intolerante com a divergência de opiniões e crenças. Um outro filósofo, Emil Cioran, também traduz muito bem esse sentimento de “não suportar a existência do outro”, muito antes do advento da internet. Portanto, o que vemos hoje é o mal-uso da tecnologia por um comportamento que, de fato, vem se consolidando como forma de expressão do medo, do terrorismo e da violência gratuita. É exatamente nesse contexto que as marcas têm um papel protagonista na manifestação da aceitação da diversidade. Contudo, começando pela geração de empregos e, posteriormente, pela comunicação. Fomentar o diálogo sem gerar condições econômicas para que LGBTs, PcDs, negros e longevos possam ser incluídos na sociedade – e na sociedade de consumo – é um alicerce fundamental para uma mudança significativa. Infelizmente, a política e o Estado brasileiro, responsáveis por ampliar horizontes e formar cidadãos mais conscientes da diversidade, estão presos a vertentes igualmente conservadoras, preconceituosas e machistas. Para se ter uma ideia, somente em abril de 2017 o Ministério da Educação, através da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), iniciou a orientação do ensino de escolas públicas e particulares do país sobre o acolhimento e valorização da diversidade. Não se sentir acolhido e valorizado influencia até o próprio aprendizado. Ensinar atitudes, posturas e formas de se relacionar deve fazer parte da formação do indivíduo como direito básico. Só assim pessoas podem exercitar a empatia, o diálogo, a cooperação e o respeito. Educar é de máxima importância.
2. Recentemente, a marca O Boticário foi alvo de ataques por ter feito uma campanha apenas com atores negros. No YouTube, diversos consumidores (brancos) reclamaram por não terem sido representados no vídeo – chegaram a alegar “falta de diversidade”. Como mostra o próprio estudo, O Boticário já havia demonstrado respeito a diversidade em outra ocasião. Diante do contexto de polarização, é possível que a marca tenha perdido clientes intolerantes à diversidade nesse processo? Como as marcas podem garantir que seus valores se sobreponham à ideia de agradar a todos (inclusive aos intolerantes)?
A campanha de Dia dos Namorados de 2015 de O Boticário, que mostrou diferentes tipos de casais, heterossexuais e homossexuais, trocando presentes, já provocou polêmica gerando uma onda de críticas nas redes sociais e até mesmo mobilizando o CONAR, que decidiu abrir um processo para julgar a propaganda após mais de 20 denúncias que consideraram o comercial “desrespeitoso à sociedade e à família”. A iniciativa, que foi absolvida, recebeu o prêmio máximo no Grand Effie Brasil 2015, por unanimidade, pela coragem de abordar com respeito e sensibilidade as diferentes formas de amor.
Se no Brasil o posicionamento ligado à diversidade começa a fazer parte da estratégia das marcas, em outros países a publicidade “friendly” já é uma realidade. Nos últimos anos, grandes marcas e até algumas mais tradicionais, como Tiffany’s e Hallmark Cards, também usaram em sua comunicação a celebração da diversidade sexual. Apesar de menos da metade da amostra se identificar nas propagandas que discutem o tema, o percentual dos que não foram capazes de associar uma marca à diversidade é 50% menor que os que não souberam associar marcas à longevidade. Infere-se que isso se deve principalmente às polêmicas que tais propagandas geram, permanecendo na mente das pessoas, mesmo que não haja identificação com uma marca. O Boticário, no estudo Oldiversity, lidera a lembrança de propaganda, seguida por Samsung e Natura.
No estudo, 53% afirmam não consumir marcas com comportamentos preconceituosos. É alto também o índice dos que declaram que aceitam a diversidade (78%). Percebe-se que, mesmo com muitas marcas já discutindo o tema e até mesmo implantando políticas internas nesse sentido, o Oldiversity ainda é baixo nas comunicações, criando distanciamento da realidade e, ao mesmo tempo, oportunidades enormes entre os anseios da sociedade e a atuação das marcas. A falta de identificação e baixa associação de marcas ao Oldiversity, somadas ao despreparo de grandes setores ao lidar com a diversidade, também contribuem para um sentimento geral de descrença, uma vez que 72% não acreditam na autenticidade das marcas quando falam sobre o tema. A rejeição, portanto, sempre haverá, de um lado ou de outro, mas o caminho da autenticidade é a melhor trilha a ser tomada para construir reputação de marca.
O varejo brasileiro, por exemplo, não é visto como preparado para lidar com a diversidade e tampouco parece estar implantando ações para o futuro, na opinião dos entrevistados. 78% da amostra não creem que as lojas estejam preparadas para atender pessoas com deficiência, 72% pensam que as lojas estão despreparadas para a diversidade e 75% não acreditam que shopping centers estejam se preparando para lidar com a diversidade.
3. Existem atitudes que são consideradas ofensivas, mas isso ainda não é do conhecimento de todas as pessoas – e essa é uma informação divulgada nas redes sociais, por YouTubers, blogueiras, etc. Um exemplo é o hábito de pedir para tocar em um cabelo afro. Por mais que seja algo que muitas pessoas consideram normal, ou apenas “uma atitude de curiosidade”, pode ser bastante ofensivo. Uso esse exemplo para questionar de que forma as empresas podem transmitir aos colaboradores a importância do respeito em relação a diversidade e o que isso representa de fato. Como educar pessoas para lidar com pessoas com deficiência, negros, transgêneros, idosos, entre outros, sem agir de forma desrespeitosa? Como garantir que haja um tratamento correto? A inclusão (mais do que apenas treinamentos e cursos) pode ser uma saída para isso?
Tratamento correto pressupõe igualdade. E igualdade pressupõe aceitação e inclusão. Durante muito tempo, o ethos considerado e trabalhado na comunicação brasileira foi o branco, jovem, bonito e rico. Ele seduziu o consumidor que se projetava nesse estereótipo, na era em que o status definia prioritariamente o mote das campanhas publicitárias brasileiras. Contudo, com a democratização digital, os grupos outrora excluídos que constituem Oldiversity saíram da invisibilidade social e mercadológica e redefiniram o ethos brasileiro a ser representado na publicidade. De fato, esta realidade foi sempre apenas uma manifestação espelhada da composição do quadro de empregados das organizações responsáveis pela manifestação publicitária, representantes do mesmo ethos mencionado anteriormente.
O estudo mostra que a mudança para as marcas começa na empregabilidade e na representação do tecido social brasileiro no grupo de colaboradores. A transformação não ocorre apenas com seminários, encontros, folhetos, campanhas coloridas ou simulacros do discurso “politicamente correto”. Faz-se necessário o engajamento real ao universo sociocultural do outro, do conhecimento aprofundado sobre os grupos e tribos, de suas formas de ser e viver, dos problemas vivenciados enquanto grupos à margem da sociedade e, acima de tudo, do respeito. Não basta a uma empresa contratar pessoas com deficiência apenas para cumprir cotas se isto não significar abraçar a diversidade com um processo de inclusão social que realmente faça sentido para suas lideranças, colaboradores e, principalmente, seus clientes.