O ambiente digital transformou a forma como negócios e consumidores interagem, mas a transparência nem sempre está presente na relação. Pelo contrário: a falta de transparência traz implicações jurídicas. E, óbvio, a violação de direitos resulta em litígios complicados e custosos.
Os obstáculos são tantos, que foram tema de um painel da 34ª Reunião da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O encontro ocorreu em 29 e 30 de julho, no Rio de Janeiro. Na oportunidade, discutiu-se o combate à desinformação e às práticas comerciais enganosas. Especialistas também trataram da necessidade de uma regulamentação mais robusta e atenta às dinâmicas do mercado digital.
Então, visando superar alguns dos problemas ligados à falta da transparência em anúncios, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) publicou uma nota técnica. Em suma, o material estabelece os novos critérios de transparência para plataformas digitais. As empresas terão um prazo para adequar seus anúncios de um ano, no que tange aos dados veiculados em seus domínios.
Nota da Transparência
Esses critérios visam garantir que os consumidores tenham acesso à informação clara e precisa sobre os produtos e serviços oferecidos. E evita práticas enganosas que possam prejudicar a tomada de decisão do consumidor. Quem explica melhor é Luíza Pattero Foffano é advogada especialista da área Cível do escritório Finocchio & Ustra Advogados. “As novas regras estipulam que cada plataforma deve manter uma “Application Programming Interface” (API). A API é uma espécie de repositório digital, que de ser acessado para busca de informações sobre o conteúdo veiculado, incluindo informações sobre anúncios.
Luíza Pattero explica que as novas diretrizes também exigem que as empresas esclareçam a origem dos dados utilizados para segmentação de anúncios. A ideia é proporcionar maior transparência quanto às práticas de coleta e tratamento de informações pessoais. “Isso assegura que os usuários poderão tomar decisões informadas sobre como seus dados estão sendo utilizados. E se desejam ou não continuar a receber publicidades personalizadas”.
De um lado, as empresas deverão estar preparadas para atender às novas exigências. Isso inclui um mapeamento detalhado de suas operações de dados e um compromisso com a transparência. Do outro lado, a mudança de paradigma oferece aos consumidores o poder de decidir sobre sua privacidade. O que, por consequência, estimula um ambiente de maior proteção e respeito às suas informações pessoais.
Transparência nos dados
Este modelo de funcionamento das plataformas visa garantir a possibilidade de recuperação de dados dos anúncios realizados no âmbito digital e, em consequência, resguardar o consumidor e seus direitos, bem como possibilitar, ao mesmo tempo, maior controle do próprio negócio pelas empresas. Isadora Batistella Devólio, advogada da área consultiva e contenciosa, também do escritório Finocchio & Ustra Sociedade, comenta que o ponto é um avanço, mas ainda assim, diversos outros quesitos do e-commerce carecem de tratamento específico. “Isso porque dificultam as relações entre os fornecedores e consumidores nas plataformas digitais e, por conseguinte, podem gerar discussões ou até evoluir para litígios civis”.
Entre os conflitos consumeristas no e-commerce, destaque para:
- Questões como a proteção do consumidor em transações internacionais;
- O direito de devolução de produtos digitais;
- Os limites da responsabilidade das plataformas de marketplace;
- Problemas de segurança e preocupações com a proteção de dados pessoais.
Apenas em 2023, conforme os dados fornecidos pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM), o faturamento do e-commerce no país foi de R$ 185,7 bilhões. Para as advogadas, esse números deixam claro que o ambiente digital tem potencial para implicações jurídicas significativas, que precisam ser cuidadosamente gerenciadas. “Do lado das empresas, o maior propósito é evitar litígios e, ainda, preservar a reputação marca, sem deixar, óbvio, de garantir a proteção aos direitos dos consumidores”, enaltece a advogada Isadora Batistella Devólio.
Regulamentação do E-commerce
No Brasil, o e-commerce é regulamentado pelo Marco Civil da Internet e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que visam assegurar o uso adequado de dados sensíveis e pessoais. Ademais, o comércio eletrônico também deve observar as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Decreto Federal nº 7.962/2013, conhecido popularmente como “Lei do E-commerce”. Eles, em conjunto, estabelecem diversos direitos para os consumidores e obrigações para os fornecedores, inclusive no âmbito específico das transações comerciais digitais.
Luíza Pattero Foffano, com base nessas previsões, aconselha às empresas estarem atentas a questões como a clareza das informações sobre os produtos ou serviços oferecidos, política de trocas e devoluções, logística de entregas e garantia de que o produto ou o serviço esteja em conformidade com a oferta. “Nota-se que a expansão do comércio eletrônico, apesar de atrativa para o mercado e imprescindível para a economia brasileira, ainda carece de uma regulamentação mais profunda e adequada, que vem surgindo aos poucos”.
Por fim, Isadora Batistella Devólio comenta que, nesse cenário, é preciso que buscar, na prática, atingir um equilíbrio entre a proteção do consumidor e a promoção da inovação. “A ideia é promover o desenvolvimento das novas tecnologias no e-commerce em compasso com a observância aos direitos e deveres de todos os envolvidos“.
Mais sobre a Nota Técnica
A Nota Técnica nº 2/2024/Gab-DPDC/DPDC/SENACON/MJ estabelece 95 requisitos organizados em dois grupos: Critérios de Qualidade de Dados de Anúncios e os Critérios de Qualidade de Dados, como parâmetros de transparência a serem adotados e respeitados pelas plataformas digitais no Brasil. Com a Nota Técnica, a Senacon visa garantir dignidade, saúde, segurança e proteção nas relações de consumo.
Esses critérios têm como objetivo avaliar os mecanismos de acesso a dados para pesquisa disponibilizados pelas principais redes sociais que operam no Brasil, exigindo que as plataformas cumpram regras de transparência para o acesso a esses dados.
Os critérios da transparência
Além do API que permita o acesso a dados atualizados de anúncios do último ano, incluindo conteúdo, links, localização do público, e informações sobre os anunciantes, o material da Senacon exige o seguinte das plataformas:
- Que identifiquem, de forma clara, conteúdos gerados por Inteligência Artificial;
- Registrem a exclusão de anúncios, indicando motivo e data;
- Informem dados sobre o público atingido;
- Permitam a recuperação de publicações de autores específicos para pesquisa;
- Apresentem informações sobre a vida inteira de uma publicação, incluindo interações, compartilhamentos, comentários, respostas e outros possíveis relacionamentos;
- Mostrem estatísticas sobre violações relacionadas a políticas de governança e moderação no Brasil, como, por exemplo, disseminação de conteúdo ilegal, discurso de ódio e informações falsas.
A Nota Técnica especifica que as plataformas terão um prazo de 4 (quatro) meses para adequação aos Critérios de Qualidade de Dados de Anúncios. Portanto, esse prazo termina em dezembro próximo, como dito. Para os Critérios de Qualidade de Dados, o prazo é de 12 (doze) meses, terminando em julho do ano que vem.