A manhã da Sexta-Feira Santa (15) deste ano começou um pouco diferente na capital paulista. No World Trade Center, localizado no bairro Berrini — tradicional por executivos, centros comerciais e pessoas engravatadas — não foram os profissionais de negócios que circularam. A favela tomou conta do espaço com o primeiro dia do evento Expo Favela, idealizado pelo fundador CEO da Central Única das Favelas (CUFA) e CEO do Favela Holding, Celso Athayde.
O clima do espaço era de festa, resistência e muita sede por aprendizado. Com uma programação dividida em três andares, o evento contou com a presença de empreendedores e pesquisadores das comunidades de todo o País e iniciou com um importante e ilustre debate de Athayde e Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva e do Data Favela, além de um breve discurso do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes e de Aline Torres, secretária de Cultura da capital.
“Eu escuto às vezes de algum empreendedor do asfalto ‘a gente não consegue se comunicar com a favela, não dá match, porque eles não falam a nossa linguagem, não entendem o que a gente fala’. E até penso que pode ser, a gente não estudou nas melhores universidades, não falamos a língua da ESPM”, inicia Athayde. “Mas também começo a pensar que já que os homens do asfalto não chamam as favelas para esses eventos de impacto social. Então, nós vamos criar o nosso evento no epicentro deles, na Berrini, e chamar os asfaltistas a refletir sobre o empreendedorismo da favela”, completa.
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Uma favela que, unida, é maior que vários estados brasileiros
Para além da apresentação do Expo Favela, Athayde também convidou ao palco o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e a secretária de Cultura da cidade de São Paulo, Aline Torres, para questionar algumas atuações.
E ressaltou: “O asfalto precisa reconhecer a gente, mas a gente também precisa falar na língua deles. É o que eu costumo dizer: ou a gente divide com a favela toda a riqueza que ela sempre gerou, ou nós vamos continuar sentindo as consequências da miséria que a gente tem gerado até aqui”, concluiu o fundador da CUFA.
Após um breve discurso sobre a atuação da prefeitura nas periferias, o prefeito deu espaço para Renato Meirelles, que apresentou a mais recente pesquisa do Data Favela, em parceria com a CUFA e o Instituto Locomotiva, que trouxe inúmeros dados sobre a realidade das favelas no Brasil e seu imenso potencial de empreendedorismo e negócios.
Ao todo, a pesquisa destaca que são 13.151 favelas diferentes mapeadas no Brasil, número que dobrou em comparação com 2012. Nesses espaços, existem 5 milhões de domicílios e mais de 17,5 milhões de pessoas — ou melhor, de consumidores ativos.
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“Depois de uma pandemia que parece que nunca acabou, a ideia aqui não é só falar de números, colocar uma estatística. Mas é preciso que as pessoas como eu entendam que tem mais morador de favela do que pessoas na Bahia, do que no estado do Paraná, do que eu tenho em todo o Rio Grande do Sul. Em proporção, é como se eu tivesse o quarto maior estado da federação brasileira só dentro das favelas”, explica Meirelles ao início da palestra.
Vale destacar que a maior parte dos moradores da favela são negros e mais de 8,5 milhões deles são mulheres. 21% dos lares de lá, para se ter ideia, são formados por mães solteiras.
A falta de conexão entre as marcas, o corporativismo e as comunidades
Mas já se sabe que as favelas reúnem uma proporção imensa dos brasileiros. A grande questão que se apresenta é: eles são consumidores? Quais são suas preferências? Como as empresas o tratam fora da favela? E dentro dela?
O estudo mostra que a maior parte dos moradores de comunidades, por exemplo, não se sentem respeitados fora de casa. E isso é um importante dado sobre como a jornada das marcas não é pensada neles.
“O rosto da favela é negro, e a questão racial é a maior expressão da desigualdade no nosso país. Não é à toa que a favela é negra. São ais de 11,5 milhões de negros na favela e não existe melhorar ela sem enfrentar com vontade o racismo estrutural da sociedade”, complementa Meirelles.
E quanto ao consumo, os dados são ainda mais esclarecedores. Segundo a pesquisa, os moradores da favela movimentam anualmente mais de 180,9 bilhões de reais, uma renda maior do que 21 dos 27 estados brasileiros. E, mesmo com tanta movimentação monetária, eles ainda sentem que não são bem atendidos.
Para eles, as empresas são pouco confiáveis e honestas. E isso os faz se conectarem ainda mais com os empreendedores, às vezes de forma muito mais expressiva do que o seriam com as marcas comuns.
“As empresas hoje não representam os valores da favela, simplesmente porque a grande maioria delas não está lá dentro”, pontua Meirelles.
Ao todo, o estudo destaca que 50% dos moradores das comunidades são empreendedores e 41% são donos do próprio negócio. E o motivo é majoritariamente pela falta de alternativas para renda.
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