Se você anda com a impressão de que, ultimamente, tudo virou uma competição na vida, talvez não esteja sozinho. Nesse campo de batalha ampliado pelas imagens das redes sociais, as pessoas no entorno parecem ser… as melhores em tudo. Culturalmente, também somos criados para acreditar que devemos imprimir performances incríveis em todas as áreas, com bem pouca tolerância para falhas, erros ou mudanças de rota – o que, convenhamos, é impossível. E isso tem impactado a saúde mental das pessoas.
“A Neurose de Excelência é um conceito que diz respeito a sensação que todos nós acabamos desenvolvendo de que precisamos ser excelentes em tudo, na vida como um todo e, especialmente, na área do trabalho. É como se a gente sentisse que tem que ter uma performance de atleta de alto desempenho o tempo inteiro, durante toda a vida”, explica a psicóloga Renata Paparelli, professora do curso de Psicologia da PUC de São Paulo na área de saúde mental relacionada ao trabalho, além de coordenadora da Clínica do Trabalho, serviço oferecido pela PUC e que atende trabalhadores com sofrimento psíquico relacionado à vida profissional.
Para saber mais sobre esse tema, que começou a ser detectado com mais constância com a chegada da pandemia de Covid-19 e os questionamentos acerca de saúde mental, fizemos uma lista com quatro conceitos-chave para entender esse tema e ficar de olho para não alimentar essa sensação de super-herói ou heroína.
Neurose de Excelência vs. Trabalho
“Eu trago essa reflexão a partir do livro “Desgaste Mental no Trabalho – O Direito de Ser Dono de Si Mesmo”, da professora Edith Seligmann Silva. A Neurose de Excelência tem muito a ver com as novas formas de organização do trabalho, que acabam exigindo que cada um vá muito além dos seus próprios limites subjetivos para dar conta de demandas e exigências muitas vezes excessivas ou até abusivas”, explica a psicóloga. Renata dá como exemplo a existência de metas que podem ser abusivas, entregas que ao mesmo tempo pedem alta quantidade e alta qualidade num exíguo tempo de execução. “Muitas vezes são missões impossíveis, mas que acabam sendo vistas pelos profissionais como algo de que é preciso dar conta. Caso contrário, é uma incompetência pessoal”, afirma.
Impactos no desempenho profissional vs. Covid-19
“A pandemia tem um impacto bastante complicado no que diz respeito à Neurose de Excelência. Ela aumenta por conta de as pessoas estarem, em primeiro lugar, se sentindo muito vulneráveis em relação a seus empregos e formas de geração de renda. Isso em si já aumenta a tensão”, conta Renata. “Também ressalto que o fato de as pessoas ficarem em casa, fazendo trabalhos remotos, abre espaços para certas ‘fantasias’, como ‘o outro está produzindo mais do que eu, então eu preciso acelerar…’, ou ainda ‘preciso produzir mais’. Isso pode ficar sem limite”, explica a especialista, com mais detalhes. Para ela, só o fato de esperar ter o mesmo desempenho profissional em tempos de pandemia já é um problema para o bem-estar das pessoas.
Cultura da alta performance vs. Saúde mental
De acordo com Renata Paparelli, não se pode perder de vista que a Neurose de Excelência, ou seja, essa preocupação excessiva em performar ao máximo, é também algo incentivado culturalmente em nosso mercado de trabalho atual – ao menos até a chegada da pandemia de Covid-19. “É uma exigência que acabou sendo ‘comprada’ por quem trabalha na medida em que, primeiro, você não tem muita saída dessa cultura, pelo menos individualmente. E em segundo lugar, a pessoa acaba sendo criada alinhada a essa ideia de que é preciso produzir muito, que trabalho é saúde, que as demandas de trabalho são sempre razoáveis e devem ser atendidas”, reforça ela.
Como evitar a Neurose de Excelência
Para a especialista em saúde mental, é importante conhecer esse termo para encontrar saídas para o mundo do trabalho. “Grupos e espaços de compartilhamento de experiências e reflexão podem ser uma alternativa, uma saída para que as pessoas possam perceber que não são só elas que vivem isso – em uma mesma empresa, por exemplo – porque essas experiências costumam se dar muito no campo do individual. Então perceber que não sou só eu, que é algo que vai além, é coletivo, que o outro também está preso nesta mesma teia organizacional”, explica a psicóloga. Como muitos médicos da área, Renata Paparelli reforça que apoio em rede é essencial no cuidado com problemas que atingem a mente: “Sugiro redes de reflexão até para avaliar e se opor a exigências extremas. É difícil, mas só em coletivo a gente consegue fazer algo diferente”, conclui.
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