Eu costumo escrever crônicas de minhas viagens, de como eu sou tratado em lugares exóticos ou familiares nas minhas férias: Marrakech, Londres, São Paulo ou Bahia. Na mala, eu levo expectativas e alguns preconceitos.
Agora, mais velho, teimei em voltar a fazer road trip e desta vez fui para um lugar que mistura o exótico e o familiar. Pé na estrada rumo ao Alabama, saindo de Miami, boa parte da viagem ao longo da costa do golfo do México e percorrendo a Flórida, que não é aquela conhecida dos brasileiros: o norte do Estado, que fica no que é conhecido nos EUA como o “deep South”, o interior mais atrasado, mais pobre, de tradições altamente religiosas e racistas.
E, como disse no primeiro parágrafo, na mala levava os meus preconceitos numa viagem que tinha como ponto final a idílica cidade de Fairhope, no Alabama, nova casa de minha filha mais velha, que para lá se mudou por razões pessoais (românticas). Eu esperava uma certa indolência no atendimento (reforçando os preconceitos e estereótipos, o deep South é o Nordeste brasileiro.
Sim, existe o sotaque mais arrastado, mais indolente, mas não tenho reclamações da minha road trip, que incluiu paradas em motéis, postos de gasolina e ótima comida à beira da estrada. Em nenhum lugar, algo que se torna uma imposição aqui nas minhas paragens nordestinas (dos EUA, em NY). Eu me sinto acuado a dar gorjeta até em lanchonete fast-food (no cartão de crédito aparecem as opções 15%, 18%, 20% e other). Na hora da conta sulista, apenas sorrisos e não a cobrança de gorjeta.
Pelas estradas, havia nos billboards os anúncios de produtos que variavam do pecado ao pudor, algo bem ao estilo do Sul norte-americano. Lá estavam os billboards, oferecendo versículos da Bíblia, bibocas de strip-tease e lojas de armas.
Eu não estava interessado em nenhum dos três produtos, mas, após o check-in num motelzinho, mas limpinho, limpinho mesmo, queria sair em busca de um pecado: road trip pelo Sul exige uma escala no paraíso: um Bar-B?Q.
O gerente do motel (indiano, como é comum no Sul) foi categórico: não passe por Crawfordville sem conhecer o Hamaknockers. O local estava recheado de gentis rednecks (caipiras), que me fizeram sentir esbelto embora esteja acima do peso, e alguns turistas suecos (que contraste!). Comida ótima, farta, gastronomicamente incorreta e ridiculamente barata.
Como dizia o cartaz na entrada, pig out (se empaturre). E daí? Ali é o Bible Belt. Para os pecadores, sempre há uma igreja. Havia uma ao lado do meu aconchegante boteco de beira de estrada. Os suecos na road trip rumo a Nova Orleans me garantiram que na volta parariam no Hamaknockers.
Segui viagem, com paradinhas em praias maravilhosas no que é conhecido como a Redneck Riviera. Sem queixas ou maiores emoções, excetos as trovoadas de verão. Na volta, eu me dei conta de que estava predestinado a parar no Hamaknockers. Sem cobrança da garçonete sorridente e de proporções generosas, eu deixei 25% de gorjeta após me empaturrar com porco defumado, salada de batata e vagem (US$ 10,90). Viagem bem passada.
CAIO BLINDER
Jornalista e um dos apresentadores do programa Manhattan Connection da GloboNews
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