Com valor de mercado superior a US$ 3 trilhões, a NVIDIA retomou sua posição de empresa mais valiosa do mundo, segundo a Nasdaq, numa era dominada pela IA. No Brasil, a gigante da tecnologia também enxerga potencial, ainda que as empresas locais estejam apenas começando sua jornada com a Inteligência Artificial.
Para entender melhor como a empresa enxerga o avanço da IA no País, a Consumidor Moderno conversou com Marcio Aguiar, diretor responsável pela divisão de Enterprise da NVIDIA para a América Latina.
Com mais de 25 anos de experiência em vendas em tecnologia da informação, sendo mais de uma década dedicados à NVIDIA, Marcio combina conhecimento das plataformas da companhia com um estilo de liderança voltado para a educação de mercado. Formado em Administração pela Loyola Marymount University, na Califórnia, ele foi eleito em 2023 e 2024 uma das 500 personalidades mais influentes da América Latina pela Bloomberg Línea.
Confira a entrevista na íntegra!
Potencial do Brasil em IA
Consumidor Moderno: Como as empresas brasileiras podem assumir um papel de liderança no uso da Inteligência Artificial, em vez de apenas acompanhar tendências globais?
Marcio Aguiar: A base de tudo é o conhecimento. As empresas precisam investir no conhecimento dos seus colaboradores, porque as ferramentas já existem.
Quando falamos em Inteligência Artificial, trata-se de uma tecnologia que exige um alto grau de inovação por parte das empresas. E inovar não é simples para nenhum de nós. Como seres humanos, estamos acostumados a tarefas repetitivas e nos sentimos mais confortáveis fazendo o que já conhecemos. Por isso, inovar é algo que poucas empresas conseguem fazer e, geralmente, são essas pioneiras que acabam se tornando líderes em seus segmentos.
Hoje, o Brasil já conta com uma base sólida de pesquisadores. Mas veja este exemplo: sabemos que há mais de 160 mil desenvolvedores no País que dominam nossas plataformas. Na China, esse número chega a 4 milhões. Faça as contas. Para o Brasil assumir uma posição de protagonismo, é preciso considerar que, embora esse número esteja crescendo – dobrando a cada dois anos, com um ritmo de 100% –, o País ainda está despertando para esse potencial.
CM: Quais são os possíveis caminhos para o Brasil nesse sentido?
Acreditamos muito no Brasil. É um país com uma população enorme e um potencial gigantesco em todos os sentidos, especialmente agora, com a pauta das energias renováveis, que são essenciais para a construção de data centers. Mas é preciso avançar passo a passo.
Como seres humanos, muitas vezes deixamos de inovar por medo ou por desconhecimento. E, quando decidimos agir, queremos começar com algo grandioso. É importante equilibrar essa expectativa. Quando falamos com as empresas sobre embarcar na jornada da Inteligência Artificial, sempre dizemos: pense grande, mas comece pequeno.
É essencial enxergar resultados ao longo dessa jornada. Caso contrário, surge a percepção, bastante comum nas mídias, de que a Inteligência Artificial é apenas uma moda. Não é. É uma realidade.
IA na base da população
CM: Por que o Brasil ainda está distante da chamada “corrida global da IA”? O que falta para o País ganhar protagonismo nesse cenário?
O País precisa investir na base. Hoje, a maioria das pessoas que estão atuando em funções que exigem conhecimento em Inteligência Artificial já têm nível superior, ou estão fazendo mestrado, doutorado, pós-doutorado. Precisamos trazer essa exposição às tecnologias já na formação dos jovens. Hoje, todos os jovens têm um celular nas mãos, mas muitos não o utilizam para produzir algo relevante. Seria fundamental uma política pública voltada para levar esse conhecimento às escolas, como já acontece em diversos países desenvolvidos.
Assim, quando esses jovens chegassem ao ensino superior, já teriam uma base, uma noção, e também uma visão mais empreendedora. É isso que falta aqui: empoderar as pessoas a serem protagonistas, a empreenderem. Ainda não temos essa cultura no País. Existe um medo muito grande de empreender.
Apesar de começarmos a ver algumas escolas se movimentando nesse sentido, pelo tamanho da nossa população, já deveríamos ter crianças de 8, 10 anos sendo incentivadas a “brincar de criar”, com senso de responsabilidade e criatividade. Isso impacta toda a cadeia da nossa sociedade, não só a área de tecnologia.
É claro que pode ser assustador lidar com esse cenário, quando ainda não temos uma política pública bem estruturada. Mas, se não fizermos um trabalho sólido na base, corremos o risco de nos tornarmos um país que consome muito mais tecnologia do que produz. E isso é uma oportunidade sendo desperdiçada. A tecnologia hoje está, literalmente, ao alcance de todos. Então por que não dar a todos também o poder de aprender, para que possam desenvolver algo novo?
Proporcionalmente, é muito pequena a parcela da nossa população que tem acesso às ferramentas que realmente permitem elevar o nível de conhecimento e inovação dentro do País.
Atendimento potencializado com IA
CM: Quais são os principais desafios e oportunidades que a NVIDIA enxerga para o mercado latino-americano, em relação à experiência do cliente?
Um dos principais pontos é a intensificação do uso do que chamamos de “agente IA”. São, basicamente, robôs ou redes neurais pré-treinadas com muitos dados da empresa e do cliente. A ideia é usar essa base para tirar o cliente daquela percepção negativa do tipo “essa empresa não me entende”, “não resolve meu problema”. Hoje, poucas empresas têm um sistema de atendimento ao cliente realmente bem otimizado.
Geralmente, quando você liga para uma empresa para fazer uma reclamação, você já está emocionalmente abalado, irritado. E o que acontece? Do outro lado, te atende alguém despreparado. A experiência já começa mal.
A proposta é melhorar esse atendimento a partir da previsão do que o cliente precisa, e isso pode ser feito com IA. Quando o cliente liga, ele enfrenta aquele caminho de sempre: “aperte 5 para isso”, “aperte 2 para aquilo”. A IA pode mudar esse padrão. Em vez de esperar o cliente apertar vários botões até chegar a alguém, a IA pode se antecipar: “Olá, obrigado por estar aqui. Entendi que você quer resolver tal problema”. Ou seja, sair na frente da reclamação.
CM: Nesse sentido, é importante ter cuidado para não repetir o erro das URAs (unidades de resposta audível), que se tornaram um hype, mas em muitos casos acabaram piorando a experiência do cliente? Corre-se esse mesmo risco com a IA?
Claro! Para que IA possa ser, de fato, assertiva, precisa ser validada, testada, revalidada. E por quem? Por um ser humano bem treinado naquele tema.
Esse é um desafio e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade. Hoje, muitas empresas entram na onda da inovação tecnológica querendo sair na frente, mas sem um foco claro. E isso é um erro. Não basta ter os dados do cliente e achar que já pode automatizar o atendimento. É preciso treinar, validar, testar.
A IA generativa, por exemplo – como o ChatGPT – tem pouco mais de dois anos. Foi lançada ao público em novembro de 2022. Ainda é uma “criança” de dois anos e meio. Mas, é uma criança que aprende muito mais rápido do que nós aprendíamos no passado.
O problema é que muitas empresas acreditam que, ao adotar um modelo de linguagem, todos os problemas estão resolvidos. Treina, joga no sistema e pronto: temos o melhor assistente virtual do mundo. Mas não é assim. Esse agente, esse “robô”, é seu novo colega de trabalho. E, como qualquer novo colega, ele precisa ser treinado, acompanhado, receber feedback. Você começa com tarefas simples e, conforme ele vai se desenvolvendo, você pode delegar tarefas mais complexas, mas isso leva tempo. Muitas empresas esquecem disso.
Além disso, quanto mais dados você fornece, mais processamento será necessário. E isso exige investimento em hardware, novos modelos de processadores, softwares otimizados para esse processamento. Ou seja, não é só ampliar a infraestrutura, mas aumentar a capacidade de processamento e reduzir o consumo de energia, de espaço físico. É como trocar de celular: você sabe que vai gastar mais, mas entende que é uma ferramenta de trabalho.
Evolução da IA no CX
CM: O CEO global da NVIDIA, Jensen Huang, fala muito sobre a integração da IA física. Como essa tecnologia pode transformar a área de Customer Experience?
Tudo isso é uma evolução. Quando o ChatGPT surgiu, em 2022, a gente falava em “IA perceptiva” – aquela que consegue reconhecer, traduzir e gerar texto, criar imagens, analisar dados. Com essa base bem treinada, veio a IA agêntica, com mais capacidade de raciocínio, de dar sugestões, de quase se comportar como um humano.
Ao unir essas duas, você começa a aplicar a IA no mundo físico: seja num robô humanoide, num braço mecânico, num aspirador de pó que já faz o mapeamento do ambiente, ainda que de forma limitada. Hoje, ele não identifica, por exemplo, se está diante de um vidro, mas essa é uma evolução que virá.
Na Ásia, por exemplo, muitas fábricas já são completamente automatizadas. O mesmo aconteceu na agricultura: antes, era o agricultor a pé, depois com cavalo, depois com trator, e hoje com drones. O drone mapeia a fazenda, e depois envia um veículo (como uma colheitadeira) que analisa as árvores, o solo. Isso não tirou o trabalho do agricultor, ele mudou de função porque a demanda cresceu. E, sem esse suporte computacional, ele não conseguiria atender ao mercado.
É como os carros autônomos. Ainda não temos veículos 100% autônomos, mas já usamos muitos recursos baseados em IA: sensores que detectam distância, alertas de colisão, câmeras de ré. As pessoas nem percebem, mas isso já faz parte do dia a dia. E isso melhora a segurança.
Se o ambiente estiver bem treinado, você só precisa dizer: “Me leva para casa” – e o carro te conduz. E você ainda ouve: “Coloque o cinto de segurança. Vamos”. Vai reclamar disso? Claro que não. É uma evolução. E é uma evolução muito bem feita.
CM: E, as empresas que não entrarem nessa onda da IA já estão para trás?
Eu não acho que exista uma empresa que vá ficar de fora. Todas vão entrar, já estão entrando, mesmo que não percebam. A IA está presente no nosso cotidiano. Um exemplo simples: seu aplicativo de e-mail já entende quais mensagens você tende a deletar e te ajuda a filtrá-las. Isso é IA. Ou melhor, é Machine Learning, uma forma de IA.
CM: Hoje, na sua visão, como está o grau de maturidade das empresas brasileiras no uso de IA?
De 0 a 10? Dois. Mas isso é bom. Porque, globalmente, as empresas como um todo também estão apenas começando. Acho que quem está mais avançado são os provedores de cloud, porque eles têm um braço de serviços muito forte. Eles atendem um grande número de empresas que demandam tanto esse conhecimento quanto a infraestrutura que oferecem. Já as empresas privadas estão apenas iniciando.
Por isso, temos uma responsabilidade grande aqui no País em trazer esse conhecimento. A cada interação que temos com nossos parceiros, nosso papel é justamente agregar valor, educar.
Precisamos lembrar que os bancos operam com softwares extremamente importantes para o funcionamento do sistema financeiro Muitos deles, legados, antigos, mas que ainda funcionam muito bem. Não faz sentido simplesmente “apostar” e trocar tudo de uma hora para outra. Não se trata de aposta.
Por isso, a IA tem entrado para agregar valor em outras frentes do setor financeiro. Por exemplo, o sistema de compensação de cheques e depósitos é algo muito difícil de mudar, porque é eficiente, funciona bem e não se pode correr riscos nesse core business.
Mas há diversas outras áreas em que a Inteligência Artificial pode melhorar a interação com o cliente, entender melhor o seu perfil e, assim, ajudar a desenvolver novos produtos. É como se fosse um galho da árvore, há várias ramificações. E nosso papel é justamente ajudar as empresas a entenderem: quais desses caminhos são mais críticos para o seu negócio? Qual deles gera mais custo ou perda de receita?