“Caso o novo Decreto do SAC seja aprovado, o rol de fornecedores que deverão observar as obrigações previstas será ampliado. Isso porque a nova redação passa a englobar todas as empresas partícipes das relações de consumo que possuam faturamento acima de R$ 300 milhões”. É dessa forma que a sócia do Machado Meyer Advogados, Thais Matallo, especialista em Defesa do Consumidor, explica um dos impactos da minuta do Decreto do SAC. O instrumento está em análise na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
As novas regras, quando aprovadas, só não valerão para os negócios que estão nas categorias microempreendedor individual, empresário individual ou empresa de pequeno porte.
Essas mudanças visam fortalecer a proteção do consumidor, proporcionando mais segurança e transparência nas relações de consumo. Com a ampliação do rol de fornecedores, o Decreto do SAC pretende garantir que empresas de maior porte sejam responsabilizadas por suas práticas comerciais, promovendo um ambiente mais justo para os consumidores.
SAC e resolução de conflitos
A norma também estabelece mecanismos mais rigorosos para a resolução de conflitos, incentivando que as empresas adotem práticas que priorizem a satisfação do cliente. Nesse sentido, fica evidente a intenção do legislador em criar um cenário onde a defesa do consumidor tenha um papel central, especialmente em tempos em que a concorrência e a oferta de produtos e serviços são cada vez mais amplas.
Mas, a adaptação das ao novo Decreto do SAC traz desafios, principalmente porque o atual instrumento é de 2022. E no setor de crédito e recuperação, isso não será diferente, visto que as instituições financeiras e outros players deste mercado precisarão se harmonizar a um ambiente regulatório bem mais rigoroso.
Novidades no SAC
Entre as novidades da minuta do Decreto do SAC, destaque para:
- Novos canais de atendimento para SAC (plataformas digitais, redes sociais e outros), sendo obrigatório o atendimento telefônico;
- Obrigatoriedade de informar o consumidor que está sendo atendido de forma eletrônica, garantindo a opção de transferência para contato humano;
- Atendimento humano não inferior a 8 horas diárias, ofertado em todas as etapas do canal de comunicação;
- Prazos mais curtos para demandas urgentes, situações emergenciais e estado de crise;
- Opção de cancelamento na primeira etapa do atendimento;
- Acessibilidade para uso da pessoa com deficiência, que deve contar com atendimento pleno para todas as suas demandas.
Os impactos do Novo Decreto do SAC
Como é possível observar, uma das principais implicações é o aumento da responsabilidade das empresas em relação à transparência nas informações prestadas aos consumidores. Para tanto, será necessário aprimorar os processos de comunicação. Isso exigirá investimentos em treinamentos e formação de equipes para garantir que todos os colaboradores atuem dentro dos parâmetros estabelecidos pela nova legislação.
Outra novidade é que os fornecedores de serviços não regulados também terão que se submeter ao Decreto quanto à regulamentação de seus canais de atendimento. “Hoje, com a lei vigente, a observância do Decreto do SAC é obrigatória apenas aos fornecedores dos serviços regulados pelo Executivo”, explica Thais Mattalo.
Peso no bolso das empresas
Raissa Martins Fanton, sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, comenta que a minuta do Decreto do SAC introduziu mudanças substanciais. E essas mudanças impactarão diretamente a gestão e os custos das empresas. Destaque, nesse aspecto, para a necessidade de canais de atendimento acessíveis e integrados. Tal necessidade deve estar aliada à disponibilidade mínima de oito horas por dia. E 24 horas, para demandas urgentes, com a obrigatoriedade de atendimento humano em todas as etapas de comunicação. Tudo isso, junto, na visão dela, aumenta consideravelmente a complexidade operacional.
“Além disso, o tempo máximo de 60 segundos de espera para contato direto com o atendente, bem como a exigência de retenção de todas as informações e contatos realizados pelo consumidor, reforçam a importância de sistemas tecnológicos robustos e integração eficiente”, explica Raissa.
Já a advogada Luíza Pattero Foffano, da área cível do Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, alerta: “É uma situação que exigirá das empresas um investimento adicional em treinamento de pessoal, tecnologia e adequação de processos, a fim de atender aos ditames exigidos pelo Decreto e, consequentemente, evitar a aplicação das penalidades do Código de Defesa do Consumidor“.
Atendimento humanizado
O Machado Meyer vê com bons olhos a minuta do novo Decreto do SAC. Quem explica melhor é Danielle Iglesias, advogada do escritório: “Em primeiro lugar, vale destacar que a sugestão de atualização do Decreto do Sistema de Atendimento ao Consumidor pela Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, demonstra a constante preocupação do órgão em promover iniciativas que tenham como objetivo proteger e dar maior efetividade aos direitos dos consumidores”.
Contudo, quando questionada sobre a exigência de maior atendimento humano, ela acredita que o resultado será de sobrecarga significativa para os fornecedores, especialmente aqueles de menor porte. “As novidades exigirão determinado grau de estrutura e recursos financeiros para arcar com a nova demanda, óbvio”, comenta Danielle.
Para os fornecedores, Thais Matallo recomenda preparo tanto para a contratação e treinamento, sem deixar de lado a manutenção de funcionários, a criação de sistemas de gestão e de arquivo de atendimento e de gerenciamento de fluxos.
O problema é que todo esse preparo não significa, na prática, melhor atendimento ao consumidor. “Pelo contrário, sistemas onerosos e regulamentações generalistas, que não consideram as especificidades de cada setor e de cada modelo de negócios, podem se tornar obsoletos e gerar um impacto negativo para as empresas, sem trazer a melhora na qualidade do atendimento pretendida ou qualquer benefício ao consumidor”, afirmam Danielle e Thais.
SAC: Humano versus robô
Thais cita que, por mais que a inclusão do atendimento humanizado seja reflexo de reclamações dos consumidores, fato é as empresas já estão investindo em soluções que buscam o desenvolvimento e aprimoramento de soluções com Inteligência Artificial, na busca por um equilíbrio entre a automatização e o contato humano.
Essas tecnologias podem oferecer um suporte significativo em áreas como atendimento ao cliente, permitindo que as empresas lidem com um volume maior de interações sem comprometer a qualidade. No entanto, a implementação dessas ferramentas deve ser acompanhada de uma estratégia clara que priorize a experiência do consumidor e não apenas a eficiência operacional, na opinião das especialistas entrevistadas pela Consumidor Moderno.
Desafios logísticos
O Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados também considera que a regra garantirá uma experiência mais eficiente e segura ao consumidor. Entretanto, chama atenção o desafio logísticos do retorno automático em até 60 segundos. A prática exige sistemas de gestão de chamadas avançados, capazes de reter informações em tempo real.
“Ou seja, para empresas com alto volume de atendimentos, a adaptação pode ser complexa e onerosa, justamente por implicar a necessidade de uma revisão de processos e de infraestrutura nesse aspecto”, complementa Luiza.
Acessibilidade
Dentre as várias atualizações da minuta, destaca-se também a exigência de ampla acessibilidade para pessoas com deficiência, incluindo atendimento prioritário para idosos e indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essa modificação fortalece a inclusão no acesso aos serviços de atendimento, o que, naturalmente, requer soluções tecnológicas personalizadas e um treinamento específico das equipes.
Outro ponto importante é a obrigatoriedade de canais de atendimento integrados entre 6 e 22 horas, com atendimento humano disponível 24h para situações urgentes. “Assim, as empresas precisarão investir em tecnologias que possibilitem uma operação multicanal integrada, além de manter equipes em regime de plantão para atender demandas urgentes”, pontua Luíza Pattero Foffano.
Nesse cenário, as adaptações mais complexas estão relacionadas à integração completa de canais eletrônicos e à implementação de sistemas que assegurem acessibilidade total. “Para fornecedores menores, atender a essas exigências pode ser um desafio, especialmente considerando o prazo para adequação e os investimentos necessários”.
Prazo para adequação
Após a publicação do novo Decreto no Diário Oficial da União, as novas normas entrarão em vigor para os serviços regulamentados pelo Governo Federal em um prazo de 180 dias. Primordialmente, para os demais provedores, esse prazo será de 360 dias.
Em contrapartida, o não cumprimento das normas pode acarretar multas. Caso as multas não sejam eficazes, a empresa poderá enfrentar a suspensão de suas atividades, a revogação de concessões e intervenções administrativas. Essas penalidades estão previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, é importante ressaltar que as agências reguladoras terão a competência para estabelecer sanções específicas e emitir diretrizes complementares.