A empresa Hapvida Notredame está sendo investigada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por suposto descumprimento de decisões judiciais que determinavam tratamento e o fornecimento de medicamentos a clientes. O inquérito, das esferas cível e criminal, foi instaurado pela Promotoria de Justiça do Consumidor do MPSP, e vai apurar a recusa de atendimento a pacientes.
A rejeição ao atendimento médico ou hospitalar agride a dignidade do paciente e de seus familiares, e pode ser considerada uma violação ao dever de informação e à boa-fé objetiva, de acordo com a Lei nº 8.078/1990. É importante destacar que a Lei nº 9.596/1998 também prevê a obrigação de cobertura em casos de atendimento de urgência ou emergência.
Independentemente de questões burocráticas, a recusa ao atendimento coloca em risco a vida do paciente, o que vai contra um princípio fundamental. Foi o que aconteceu com a dona de casa Matilde Ramos, de 60 anos, que morreu no dia 10 de outubro do ano passado após ter uma cirurgia de urgência negada na rede hospitalar do convênio com a Notredame Intermédica, mesmo após conseguir uma liminar favorável.
Entenda o caso da denúncia contra a Notredame
Matilde Ramos procurou atendimento médico com queixa de dores abdominais e pele e olhos amarelados (icterícia). Na ocasião, exames apontaram a necessidade de retirada da vesícula. Na operadora, mesmo com o pedido médico em mãos, Matilde teve a cirurgia negada. A argumentação foi que o contrato estava ainda em período de carência.
A paciente então ingressou com pedido de liminar na Justiça e recebeu decisão favorável no dia 12 de setembro. No despacho, o juiz obrigou a operadora a realizar a operação em até três dias e fixou multa de R$ 500 por dia de descumprimento.
O inquérito do MPSP
O promotor Cesar Ricardo Martins afirmou que as informações trazidas aos autos entram em conflito com a Política Nacional das Relações de Consumo. Tal Política visa atender as necessidades dos consumidores, “respeitar sua dignidade, saúde e segurança, proteger seus interesses econômicos, melhorar sua qualidade de vida, e promover transparência e harmonia nas relações de consumo”, cita ele na portaria de instauração do inquérito, de 12 de janeiro de 2024.
O MPSP abriu também duas investigações criminais para apurar a possibilidade de a empresa Hapvida ter cometido o crime de desobediência ao ignorar decisões judiciais. Uma das investigações foi iniciada pela promotoria de Jundiaí em agosto do ano passado e foi prorrogada em novembro. A outra investigação, aberta em Osasco, foi arquivada em setembro de 2023.
A fusão das operadoras Hapvida e Notredame ocorreu em 2022. Desde então, 63% das decisões judiciais foram descumpridas. O Ministério Público identificou um comportamento resistente que é mais comum em casos de câncer, cirurgias e tratamentos de autismo em crianças.
A Hapvida NotreDame Intermédica é, hoje, a maior operadora de saúde do Brasil, com mais de 16 milhões de beneficiários de saúde e odontologia.
As ações da Hapvida Notredame na Bolsa de Valores
Na B3, no dia 18 de janeiro, as ações da Hapvida – HAPV3 – registraram queda de -6,98%. Essa foi a menor cotação desde novembro de 2023. Diante dos fatos, sites para investidores, como o Nordinvestimentos, por exemplo, aconselham seus leitores a ficarem fora desses papéis. “A companhia não conseguiu manter um crescimento consistente de Ebitda, com uma piora mais recente, além de apresentar queda de lucros desde 2018, e atualmente reportou prejuízo em seus resultados”.
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) destaca a importância da segurança jurídica nos contratos entre beneficiários e operadoras de saúde. Para ela, as “demandas judiciais, a alta sinistralidade e a má utilização dos planos têm sido desafios para o setor”.
Ademais, como a alta judicialização afeta o atendimento à sociedade, a Associação destaca que o acesso ao sistema judicial é um direito garantido a todos, mas que as demandas individuais devem estar respaldadas por bases legais, regulatórias e contratuais.
Democratização do acesso à saúde
A Notredame esclarece que segue firme em seu propósito de democratizar o acesso à saúde de qualidade para quase 15 milhões de pessoas. Suas premissas são o cuidado, o acolhimento, a acessibilidade, a segurança e o cumprimento das normas aplicáveis. Para isso, a empresa se mantém focada em prestar um atendimento cada vez melhor em seu contínuo processo de aperfeiçoamento.
Os números da Companhia mostram a envergadura e a capilaridade: em 2023, por exemplo, ela realizou mais de 40 milhões de consultas e cerca de 83 milhões de exames. Apenas em atendimento oncológico, ela prestou assistência para mais de 32 mil beneficiários. O total de cirurgias, apenas na rede própria, ultrapassa 277 mil.
Judicialização e suas complexidades
A companhia ressalta ainda os estudos recentes realizados por associações e institutos do setor de saúde suplementar, como Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e a Abramge, que reconhecem os impactos da crescente judicialização e suas complexidades.
O expediente vem sendo utilizado mesmo antes de uma conciliação através dos canais oferecidos pelas operadoras e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
“Em muitas situações, os pedidos envolvem fraudes e solicitações de coberturas não abrangidas por lei e/ou o respectivo contrato, inclusive sem o devido cumprimento do período de carência. Conforme apontado por estudos setoriais, esse tipo de judicialização gera um prejuízo sistêmico, refletindo, por exemplo, em reajustes nos planos de saúde de todos os beneficiários, fruto de um descolamento entre a inflação médica e a inflação ampla”, diz a Hapvida Notredame.
Por fim, a Notredame informa que tomou conhecimento da investigação junto ao Ministério Público por meio da Promotoria de Defesa do Consumidor. Com acesso aos autos, ela contribuirá e prestará ativamente os esclarecimentos necessários de forma tempestiva mantendo sua prática de respeito ao Poder Judiciário.
Números
No terceiro trimestre do ano passado, a Hapvida reportou um lucro líquido de R$ 261,1 milhões, encerrando o período com 15.848 beneficiários. Portanto, houve uma diminuição anual de 0,4%, e 68 mil planos de saúde ou odontológicos a menos do que em 2022. O valor médio por beneficiário foi de R$ 251,80, um aumento de 11,8%.
O Índice de Desempenho da Saúde Suplementar de 2023, com base em 2022, aponta que as operadoras da Hapvida NotreDame Intermédica conquistaram a melhor faixa de pontuação. Esse índice é resultado da avaliação do Programa de Qualificação de Operadoras, da ANS. Assim, no ano passado, a Hapvida Assistência Médica S.A. e Notre Dame Intermédica Saúde S.A., receberam 0,802 e 1, respectivamente (escala de 0 a 1, sendo zero a menor nota e 1 a maior).