Enquanto conceitos como trabalho remoto ou trabalho híbrido entram cada vez mais no vocabulário do mundo corporativo, principalmente após a pandemia de COVID-19, um grupo considerável de pessoas tem colocado a tendência do “anywhere office” em outro patamar. São os nômades digitais.
Nômades digitais são aqueles que levam a máxima da liberdade geográfica ao trabalho: utilizando-se de tecnologia – tão simples como um smartphone ou notebook e uma boa conexão de internet – para trabalhar, optam por fazê-lo viajando, seja dentro de um mesmo país ou em diversos países.
O Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 da Fragomen, empresa global especializada em migração, estimou que até 2035 pelo menos 1 bilhão de pessoas devem optar por este estilo de vida.
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Isso faz com que não só a relação com o trabalho mude, mas que as companhias e os próprios países precisem se adaptar. Atualmente, mais de 20 países já adotam vistos específicos para nômades digitais, incluindo o Brasil.
Gilmar Marques, administrador, psicólogo e professor do MBA de Inteligência de Mercado da PUC, explica que o nomadismo digital não chega a ser algo novo, uma vez que há anos já ocorreu uma proliferação de coworkings para startups e novos empreendimentos. Mas concorda que o boom veio com a pandemia.
“Os nômades são o que chamamos de ‘now generation’, a geração do agora. Mas todos nós absorvemos um pouco desse comportamento, meio rebelde e irrequieto. De certa forma, já estamos todos vivendo como nômades digitais”, diz.
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Quem são e o que fazem os nômades digitais hoje
A pandemia, de fato, foi um divisor de águas para o estilo nômade. Segundo a pesquisa State of Independence, realizada pela consultoria MBO Partners em 2022, 10,9 milhões de estadunidenses se descrevem como nômades. O número representa um aumento de 131% em relação a 2019, ano pré-pandemia.
A maioria deles é jovem: 42% são millenials (nascidos entre início dos anos 1980 até 1995) e 19% pertencem à geração Z (nascidos a partir de 1995). Mas a geração X e os baby boomers também têm sua parcela de presença, representando 22% e 17% dos nômades respectivamente.
Embora a possibilidade de deslocamento, propiciada pela ideia do anywhere office, possa trazer maior liberdade, a situação de trabalho dos nômades digitais é mais tradicional do que se pode imaginar. Quem revela este estilo de vida por meio de números é um levantamento do Passport-Photo Online, que compilou diversas pesquisas sobre o assunto.
De acordo com ele, 71% dos nômades trabalham em tempo integral, contra 29% que têm regime de trabalho parcial. Há um equilíbrio maior para “quem” trabalham: 36% prestam serviço freelancer para diversas empresas, 33% têm seu próprio negócio e 21% são funcionários de apenas uma empresa.
Eles ainda se espalham por diversas áreas: tecnologia de informação (19%), serviços criativos (10%), educação e treinamento (9%), consultoria, coaching e pesquisa (8%), vendas, marketing e relações públicas (8%) e finanças e contabilidade (8%) são as mais encontradas.
“De fato, os setores de serviço de tecnologia estão mais favoráveis para absorver e estimular esses profissionais, até pela natureza do negócio”, complementa o especialista Gilmar Marques.
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“Ser nômade não foi uma decisão de trabalho, foi uma decisão de vida”
Mayara Espinosa é uma nômade que se encaixa no perfil que aparece nas pesquisas. Viajando desde novembro de 2020 quando decidiu sair de São Paulo buscando maior qualidade de vida durante a pandemia, hoje ela é autônoma e conduz um grupo de estudos sobre escuta ativa. Ainda trabalha com consultoria e treinamento de vendas.
Do primeiro destino, Balneário Camboriú (SC), ela continuou viajando e conhecendo novos destinos. Somente no último ano, Mayara passou por 19 cidades e três países. Com a adoção do nomadismo, se diz muito mais feliz e fazendo mais do que realmente gosta.
“Minha relação com o trabalho acabou mudando. Então, nem foi uma decisão pela forma de trabalho nômade, mas uma decisão de vida na qual me vi obrigada a buscar posições que se adaptassem ao jeito que eu escolhi viver”, conta.
O relato faz coro à maioria dos nômades. Segundo o relatório da MBO Partners, 81% deles se sentem extremamente satisfeitos com seus trabalhos e estilos de vida. Além disso, pouco mais da metade (53%) afirma que pretende continuar viajando e trabalhando pelo menos pelos próximos dois anos.
Eles também preferem cidades costeiras com baixo custo de vida. Entre os destinos favoritos, estão Indonésia, México e Tailândia.
“Há uma melhora na qualidade de vida, uma expansão de possibilidades de vivências que trazem melhoras pessoais e profissionais, uma rotina flexível que permite você cumprir demandas, mas também aproveitar o local em que está”, lista Mayara os aspectos positivos do nomadismo.
“Nomadismo digital não está ligado só a liberdade geográfica, mas a alinhamento de propósito”
Além de traçar um perfil dos nômades digitais, o relatório da MBO Partners levantou algumas tendências que podem se fortalecer uma vez que o estilo de vida tem sido adotado por mais e mais pessoas.
Entre as tendências, está a possibilidade de posições mais tradicionais do mercado de trabalho se tornarem nômades e funcionários híbridos optarem por destinos mais perto da cidade-base. Os nômades que já estão há mais tempo ainda podem começar a ter estadias mais longas em cada parada.
É o caso de Pedro Martins, nômade desde 2018 que viu seu estilo de viagem ir mudando ao longo dos anos. No início, saiu do Brasil para ir à Irlanda, onde trabalhava, aprendia inglês e fazia viagens mais curtas. Depois, passou a viajar fazendo pequenas pausas em cada local para juntar dinheiro para o próximo destino.
Agora, com cinco anos de experiência nômade na bagagem, é especialista em aquisição de novos hosts nos EUA, Portugal e Itália para a Worldpackers, plataforma que auxilia pessoas que querem ser voluntárias enquanto viajam. Ele ainda compartilha suas experiências no podcast Viagem Paralela.
“A empresa permite a mobilidade de trabalhar de maneira remota. Você não precisa ficar disponível no mesmo horário que o pessoal presencial está. Eu posso estar na Itália e não ficar online no horário do Brasil, por exemplo. Isso me dá a chance de seguir com a vida nômade”, relata.
Ele acredita que após a pandemia mais empresas se adaptaram e se reestruturaram para permitir nômades, uma vez que perceberam que podem manter os colaboradores em casa mais felizes e motivados e, ainda assim, cumprindo metas.
“Nomadismo digital não está ligado somente à liberdade geográfica, mas a alinhamento de propósito com o que você está fazendo. Vejo que as companhias entenderam isso recentemente, que podem economizar e ainda ter funcionários produtivos. O trabalho remoto será um standard que os jovens vão procurar cada vez mais, o futuro é esse principalmente nos setores que você não precisa estar na sede da empresa para realizar as tarefas”, completa.
O professor do MBA de Inteligência de Mercado da PUC, Gilmar Marques, concorda que as barreiras em relação à aceitação a este tipo de trabalho têm mais a ver com a cultura organizacional da empresa do que com limitações operacionais. Para ele, as companhias vão precisar se adaptar para potencializar estes talentos.
Um exemplo seria por meio do pensamento “remote first”, ou seja, pensar em estruturas que funcionem para este modelo, com suas possibilidades e limitações, e não só copiar o que já existe no presencial. Afinal, quando se pensa em quem está remoto primeiro, já se inclui todo mundo mais facilmente.
“As empresas precisam reconfigurar suas estruturas e processos para aproveitar esses talentos, que são mutantes em essência, para além dos tradicionais programas de treinamento de trainees ou planos de carreiras. Imagine se um nômade quer plano de carreira! São mudanças, inclusive em relação a quadro de colaboradores, essas coisas estão com os dias contados”, finaliza.
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