A cidade de São Paulo gastou, com as vítimas de acidentes de moto, R$ 35 milhões. Foram 4.084 internações hospitalares na rede municipal de saúde. E, somente neste ano, de janeiro a março, 1.026 internações ocorreram. Mesmo com esses dados alarmantes, em 2023, a Uber lançou o Uber Moto, o primeiro aplicativo de transporte por motos na capital paulista. Na época, o aplicativo foi justamente alvo do Decreto Municipal nº 62.144/2023, do prefeito Ricardo Nunes, impedindo qualquer operação de transporte de passageiro por meio de motos na cidade.
Depois, lançaram o serviço 99 Moto. Mais precisamente no dia 14 de janeiro de 2025. O lançamento ocorreu sem acordo com a Prefeitura de São Paulo, que historicamente é contra a modalidade de transporte.
Morte em mototáxi por app
Mas, como a proibição não é o bastante, a jovem Larissa Barros Maximo Torres, de 22 anos, morreu no último sábado (24) enquanto estava em uma corrida de mototáxi em São Paulo pela 99 Moto. De acordo com o Boletim de Ocorrência, passageiros de um carro de aplicativo que passava ao lado da moto abriram a porta bruscamente e acertaram a jovem, que foi arremessada para o outro lado da pista na Avenida Tiradentes, no Bom Retiro, região central da cidade.
O Hospital da Santa Casa de São Paulo recebeu tanto a vítima quanto o mototaxista, onde os médicos confirmaram a morte da passageira. O Segundo Distrito Policial da cidade, no Bom Retiro, está investigando o caso registrado como homicídio culposo.
Dois dias após o trágico episódio, a Justiça de São Paulo decidiu suspender novamente os serviços de mototáxi na cidade, operados pelas plataformas 99 Tecnologia e Uber. Na decisão anunciada no dia 26 de maio, o desembargador e relator Eduardo Gouvêa também estabeleceu uma multa diária de R$ 30 mil em caso de descumprimento da ordem.
Empresas e consumidor
Em comunicado, a 99 Tecnologia informou que interromperá temporariamente as atividades do 99Moto na cidade de São Paulo, em respeito à determinação judicial.
“A 99 ressalta a urgência do debate sobre a inconstitucionalidade do Decreto de proibição que precisa ser definitivamente decidido pelo Tribunal de Justiça. A empresa continua adotando todas as medidas legais para garantir os direitos da companhia, de seus usuários e dos motociclistas parceiros em São Paulo, destacando que já realizou mais de 1 milhão de corridas à população paulistana”, afirmou a empresa.
A Uber, por sua vez, também comunicou a suspensão temporária do serviço Uber Moto no município de São Paulo, enquanto aguarda a análise do tema pelas instâncias competentes. “A decisão atual abre possibilidade para que outras empresas operem com serviços clandestinos e sem as camadas de segurança que a Uber oferece”, declarou a empresa.
A plataforma enfatizou ainda que já conquistou mais de 20 decisões judiciais favoráveis em diferentes partes do Brasil, que reconhecem a legalidade da atividade e afirmam que os municípios não podem proibir o uso de motocicletas para o transporte de passageiros.
Alternativa ao trânsito intenso?
De um lado, a legalização do transporte por motocicletas oferece uma alternativa mais rápida e eficiente de deslocamento, especialmente em áreas urbanas onde o trânsito é intenso e o transporte público é precário. Isso proporciona ao munícipe a possibilidade de chegar ao seu destino de maneira mais ágil, economizando tempo.
Além disso, um argumento é de que o serviço de mototáxi favorece a concorrência no setor de transporte, resultando em preços mais competitivos. E, quando a oferta de serviços aumenta, os consumidores tendem a se beneficiar de tarifas mais acessíveis. A diversidade de opções também permite que o usuário escolha o serviço que melhor atenda às suas necessidades, aumentando a satisfação geral.
O Procon-SP iniciou um procedimento formal de fiscalização contra as empresas Uber e 99 devido à oferta irregular de serviços de mototáxi na cidade de São Paulo, mesmo na ausência de regulamentação pela Prefeitura e após a proibição do Tribunal de Justiça.
Problemas do mototáxi por app
Os problemas do transporte por motocicleta em São Paulo, no entanto, são significativos e merecem atenção. A primeira questão refere-se à segurança, tanto para os motoristas quanto para os passageiros. Afinal, o aumento do volume de motocicletas nas vias urbanas tem contribuído para um número considerável de acidentes, muitos dos quais resultam em ferimentos graves ou até mesmo fatais. As condições das vias, frequentemente esburacadas e mal sinalizadas, agravam ainda mais esse cenário.
Outra preocupação envolve a regulamentação e a formalização desses serviços. Apesar da concorrência favorecer os consumidores, muitos mototáxis operam sem habilitação específica. Isso não apenas compromete a qualidade do serviço, mas também gera insegurança quanto à responsabilidade civil em caso de acidentes.
Código de Defesa do Consumidor

A pergunta que fica é: em casos de acidente ou óbito, como ficam os direitos do consumidor?
O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6º, inciso 1, aborda os direitos fundamentais. E um dos direitos essenciais na relação de consumo é a proteção à vida, à saúde e à segurança do consumidor. Bruno Burgarelli é especialista em Direito do Consumidor. Em entrevista à Consumidor Moderno, ele explica que, caso um desses três princípios esteja ameaçado, o fornecedor é responsável pelos danos que ocasiona ao consumidor.
Ele ressalta que a responsabilidade do fornecedor, em regra, é objetiva. Em outras palavras, ele responde independentemente da comprovação de culpa. Além disso, existe a figura da responsabilidade solidária, onde, se houver uma cadeia de fornecedores, todos têm responsabilidade pelos danos causados.
Por exemplo, no caso de um motorista de um aplicativo de transporte, existe essa cadeia. “Portanto, se um motorista causa um acidente que afete a saúde, a vida ou a segurança do consumidor, é certo que, além do próprio motorista, a empresa do aplicativo também responsabiliza pelos danos causados aos consumidores, conforme o estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor”, enfatiza Bruno Burgarelli, diretor de Cidadania e Direitos Humanos da OAB Minas Gerais e professor de Direito do Consumidor da PUC Minas.
Defesa do consumidor
O Procon-SP instaurou um processo formal de fiscalização contra a Uber e 99. A ação se dá por conta à oferta irregular de serviços de mototáxi, mesmo sem regulamentação da Prefeitura e após proibição do Tribunal de Justiça. Em sua resposta ao pedido de esclarecimentos do órgão de defesa do consumidor, a Uber alegou estar aguardando o julgamento de recursos. Entretanto, segundo a avaliação do Procon-SP, isso não justificaria a continuidade do serviço.
Especialistas defendem que a atividade deveria ser suspensa até que o mérito da proibição fosse apreciado, assim como ocorre em outras decisões de caráter suspensivo. Adicionalmente, as empresas também serão investigadas por falhas na prestação do serviço. Isso porque, ao manter a atividade, assumiram riscos e suas consequências na esfera administrativa.
As penalidades que podem ser aplicadas à Uber e à 99, após os procedimentos de fiscalização e todo o rito processual, incluem multas que podem ultrapassar R$ 13 milhões, entre outras sanções, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor, que define os critérios de cálculo e os procedimentos.
Audiência Pública
A Câmara Municipal de São Paulo marcou uma audiência pública sobre o tema para o dia 29 de maio. Dois projetos de lei estão em andamento na Casa. Os vereadores Kenji Ito (PODE) e Lucas Pavanato (PL) apresentaram um. A outra matéria foi apresentada pelo vereador Marcelo Messias (MDB).
Os vereadores Ito e Pavanato propuseram o PL nº 17/2025. O projeto é a favor da liberação do serviço na capital. Entretanto, ele inclui algumas regras, como cadastro pessoal e intransferível dos motociclistas e dos passageiros, e exige que a empresa ofertante tenha um sistema de monitoramento de velocidade e rastreamento em tempo real para acompanhar a velocidade e a localização dos motociclistas durante o percurso.
Por sua vez, o vereador Messias apresentou o PL nº 31.2025, que proíbe a liberação do serviço. Na justificativa da proposta, ele argumenta que “fica proibida a prestação do serviço de transporte remunerado de passageiros até que os índices de mortalidade no trânsito atinjam as metas estabelecidas pela cidade, em seu Programa de Metas”.