A geração Millennial encontrou um mundo muito melhor do que aquele no qual seus pais e avós viveram, em muitos sentidos. São indivíduos que não passaram pela experiência e crise da Grande Depressão, não tiveram que lutar em uma Guerra Mundial – tanto a Primeira quanto a Segunda –, ou enfrentaram um mercado de trabalho escasso opções de profissões e condições restritas. Por outro lado, não parece que tanta coisa mudou com o passar do tempo.
Por mais que a crise econômica não seja a mesma de 1929 ou de 2008, esses indivíduos, muitas vezes, passam por dificuldades semelhantes. O artigo “Millennials Don’t Stand a Chance”, de Annie Lowrey publicado na revista The Atlantic, reflete muito bem essa percepção. Segundo a autora: “Os Millenials entraram no mercado de trabalho durante a pior crise econômica dos Estados Unidos desde a Grande Depressão. Soterrados em dívidas, sem conseguir aumentar a sua renda e presos em empregos com poucos benefícios e ainda menos futuro, eles nunca alcançaram a segurança financeira que os pais, avós e até irmãos mais velhos obtiveram”.
Isso parece responder à pergunta do título dessa matéria. Mas para a escritora e jornalista norte-americana Anne Helen Petersen, há um conjunto de motivos que tornaram os Millennials numa geração desiludida, com poucas perspectivas de crescimento social e econômico. São essas razões que formam o livro “Não aguento mais não aguentar mais: como os Millennials se tornaram a geração do burnout”, publicado no Brasil pela editora Harper Collins.
São expectativas criadas por empregos dos sonhos, uma educação cada vez mais exigente, cobranças e incertezas sobre a vida adulta destrinchadas e que oferecem um raio-x sobre a maior geração de consumidores hoje – em especial, aqueles da classe média dos Estados Unidos.
Veja abaixo três dos motivos pelos quais os Millennials se tornaram a geração da exaustão.
Miniadultos em formação
Segundo a autora, os Millennials se tornaram indivíduos ocupados desde a infância. Se você é Millennial, talvez consiga se identificar com cursos extracurriculares, práticas de esporte semanais, aulas de inglês ou outro idioma, tudo em prol de um currículo mais completo, interessante e uma preparação para uma vida profissional de sucesso.
“Todas as partes da vida da criança, em outras palavras, podem ser otimizadas para melhor prepará-la para a sua eventual entrada no mercado de trabalho”, define a autora. “Elas se tornam miniadultos, com as respectivas ansiedades e expectativas, anos antes da vida adulta”.
O motivo para essa rotina ocupada desde a infância pode ser explicado num desejo dos pais, que não tiveram o mesmo acesso a tantas possibilidades de formação, a criar filhos cultos, inteligentes e com conhecimentos que iriam prepará-los para os desafios de carreira. É também fruto de uma ansiedade das famílias em relação aos filhos, que pareciam mais expostos a riscos e perigos, como sequestros – em 1983, um menino de seis anos desapareceu depois de ir sozinho ao ponto de ônibus e o caso teve repercussão nacional. Assim, uma agenda repleta de atividades supervisionadas significava também menos tempo ocioso ou que as crianças passassem sozinhas.
No entanto, todo esse tempo gasto em atividades adultas não significa que as pessoas se tornam preparadas para a realidade adulta. O outro lado da moeda é que não possuem a autonomia e independência, ou mesmo o autoconhecimento que é aprendido com uma infância menos vigiada.
Ok, Boomer
Os Boomers, nascidos no período pós Segunda Guerra Mundial, entre 1946 e 1964, viveram um período de crescimento demográfico e econômico que gerou uma certa segurança financeira e de vida para esses indivíduos e suas famílias. Mesmo sem ensino superior ou empregos de colarinho branco, a autora explica que essa geração conseguiu uma boa condição de vida devido ao trabalho duro após um longo trabalho feito na esteira da Grande Depressão para garantir maiores direitos aos trabalhadores.
Em especial, a classe média teve a possibilidade de mudar sua realidade econômica, algo que já não é tão possível hoje. Isso gerou o entendimento de que a ascensão social tem a ver apenas com o trabalho individual, em vez de uma série de fatores como seguridade social, inflação e desemprego. Para os Millennials, Anne Helen Petersen explica que a história é outra.
Esses pais Boomers tiveram grandes preocupações em relação à manutenção do status de classe média que construíram, criando, segundo a autora, um novo conjunto de comportamentos e ideias sobre a criação dos filhos. Se, como visto anteriormente, as crianças estavam se preparando para a vida adulta, não havia garantias de que o trabalho duro seria recompensado da mesma forma que os Boomers experimentaram.
Segundo um estudo encomendado pelo Banco Central dos Estados Unidos de 2018, o patrimônio líquido dos Millennials é 20% menor que o dos Boomers na mesma fase da vida. Além disso, a renda familiar dos Boomers era 14% maior do que quando tinham a mesma idade que os Millennials têm hoje. Para agravar ainda mais a situação, os Millennials não possuem a garantia de que o emprego está disponível para eles, ou então que possuem opções estáveis de trabalho.
O emprego dos sonhos não existe
Millennials foram criados com a lição de “faça o que você ama e não terá que trabalhar um dia sequer na sua vida”. Assim, foram incentivados a encontrar uma profissão com a qual se identificassem, sentissem prazer, com o ensinamento de que uma carreira bem-sucedida significaria uma vida de realização. No entanto, como a autora aponta, essa é uma armadilha para o burnout.
“Ao disfarçarmos o trabalho na linguagem da ‘paixão’, somos impedidos de pensar no que fazemos como aquilo que verdadeiramente é: um ofício, não a totalidade de nossas vidas”, explica a autora.
Mas expectativas foram criadas, e os jovens profissionais Millennials escolheram suas faculdades e profissões idealizando o que seria um possível emprego dos sonhos. Preferencialmente, além de abraçar uma atividade considerada prazerosa, também trará uma remuneração relevante para uma vida confortável. Às vezes, mesmo se o salário não for lá essas coisas, o que importa mesmo é essa ideia de que o trabalho nem pareceria, de fato, com um trabalho.
A ideia de uma “vocação” significa que elementos essenciais para o trabalhador, como salário, benefícios e trilha de carreira são considerados secundários. O funcionário acaba sendo medido pelo quanto se doa pelo emprego, e não somente pela execução de suas atividades.
“Milhões de Millenials, independentemente de classe, foram criados com ideias sublimes, românticas e burguesas sobre o trabalho”, explica a autora. “Livrar-se dessas ideias significa abraçar outras que nunca desapareceram para muitos funcionários da classe trabalhadora: um bom emprego é um que não o explora e que você não odeie”.