A saúde menstrual é um tabu que está disseminado entre as próprias mulheres, que convivem com esse processo natural do corpo feminino. Em 2021, a modelo e influencer Aline Riscado gerou polêmica ao aparecer com sangue em sua calça de ginástica durante uma live de yoga. A influenciadora repostou o vídeo incentivando as seguidoras a não sentir vergonha da menstruação.
Em pleno século XXI, a menstruação ainda é vista como “suja” por muitos. Nesse mesmo contexto, mulheres de todo o mundo convivem com a pobreza menstrual, que inibe o desenvolvimento na educação e profissional, além de comprometer a saúde feminina.
De acordo com o estudo Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos, lançado em 2021 pela UNICEF e UNFPA, no Brasil, 1 em cada 4 jovens não têm acesso a produtos menstruais e 713 mil garotas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em sua casa. O uso de itens inadequados para conter o sangue, como paninhos, papéis e miolo de pão, podem causar danos à saúde da mulher. “Essa condição pode colonizar microrganismos e causar infecção, que podem evoluir para perda do órgão, septicemia e até a morte”, explica a ginecologista Luciana Salum.
Esses dados espantaram também algumas marcas que se uniram com especialistas e a sociedade civil para minimizar o cenário. Uma marca de calcinhas absorventes criou o Pantys Protest, um evento que pretende discutir a desigualdade de gênero sob a ótica da dignidade menstrual. O ponto alto é o manifesto que tem como objetivo colher assinaturas digitais e levar ao Governo Federal um plano que vise acabar com a pobreza menstrual brasileira até 2030.
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Por que a saúde menstrual é um tabu?
Não se tem uma origem exata da transformação da menstruação em tabu. Inclusive, no Egito Antigo, o papiro ginecológico da Kahun (1500 ac), usa a palavra “hsmn” para designar menstruação. Esse termo pode significar “purificação”. Assim, percebe-se que há uma visão positiva do ciclo feminino. No entanto, Luciana Salum relata que o termo menstruação ainda é visto como tabu, já que muitas pacientes o denominam de: “regra”, “incômodo”, “chico”, “aqueles dias” e outros.
“A falta de informações e educação, no ambiente familiar e escolar, é o que atualmente permite que esse tabu persista. Muitas mulheres ainda mantém os mitos que surgiram há séculos de que o sangue menstrual é sujo, impuro, venenoso, o que faz com que elas nesse período do ciclo, se isolem não podendo ter relações sexuais, visitar mulheres que amamentam, plantar ou colher, tocar em imagens sagradas e outras crendices”, argumenta Luciana Salum.
Nesse mesmo sentindo, a advogada Beatriz Flügel Assad, mestranda em Direito e integrante do Projeto ABSOR.VER de combate à pobreza menstrual, também entende que apesar de fazer parte da vida de bilhões de pessoas, a menstruação segue sendo alvo de tabu, estigma, desinformação e nojo.
“A desinformação e a estigmatização da menstruação andam de mãos dadas, eis que a falta de conhecimento cria o tabu, e o tabu faz perdurar a desinformação. Enquanto tal ciclo não for quebrado, mulheres continuarão sendo constrangidas e estigmatizadas. É preciso, então, pensarmos em políticas que promovam a educação da população quanto ao tema”, relata a advogada.
Conforme a mestranda, desde 2021 há uma propagação de pesquisas publicadas sobre menstruação e pobreza menstrual. “Vemos desde então um crescente movimento feminino reivindicando visibilidade, divulgando conteúdos e dialogando. Mas ainda há muito a se caminhar”, comenta Beatriz Assad.
Mulheres à frente das decisões
O tabu da saúde menstrual está aos poucos mudando, principalmente com a nova geração, estudos acadêmicos e iniciativas de empresas. Essa questão é perceptível quando pensamos em quebras de padrões de beleza e também o incentivo ao que é natural, que muitas marcas desenvolvem. Possivelmente, se Aline Riscado fosse flagrada com sangue em sua legging nos Anos 2000, ela não teria abertura para tratar a questão com a naturalidade para suas seguidoras.
Dar voz às mulheres pode ser um passo importante para melhorar condições íntimas específicas. Essa lógica também é pensada para quem está à frente do poder. Em 2023, pela primeira vez, há mulheres parlamentares em todos os países do mundo, de acordo com o Women in Politics: 2023, relatório anual da União Interparlamentar.
No entanto, é evidente a baixa pluralidade e, em especial, a insuficiente representatividade feminina nos postos de gestão e de liderança, tanto no âmbito público quanto no privado. “Não só as mulheres, mas toda a sociedade é prejudicada quando não há diversidade nos cargos de liderança. É necessário que os e as líderes representem a realidade de seu povo para que melhor compreendam os anseios e necessidades da população. Naturalmente, pessoas que passaram por experiências diferentes agregam diversidade aos ambientes. E, no caso das mulheres, a experiência de habitar um corpo que menstrua contribui para que as instituições atuem para diminuir a pobreza menstrual, os preconceitos relacionados à menstruação e, consequentemente, a desigualdade de gênero”, esclarece Beatriz Assad.
Inovar é quebrar tabu
À medida que o tabu vai se quebrando, as marcas também inovam. Se lembra de quando as publicidades de absorventes traziam um líquido azul para representar o sangue? Atualmente, é vermelho. Além disso, hoje, há opções inovadoras no mercado. Luciana Salum costuma oferecer os novos absorventes: coletores ou calcinhas às pacientes. “Isso possibilita uma liberdade maior à mulher, existem marcas que produzem biquínis e maiôs; muitas das pacientes que tinham alergia ao plástico do absorvente resolveram com uso de coletor. Além disso, muitas mulheres perceberam que o sangue menstrual não tem odor. E só puderam ter essa percepção após usarem o coletor”, destaca a ginecologista.
Além das inovações de empresas que levam a quebra de tabu, Beatriz Assad entende que também é preciso pensarmos em políticas de combate à pobreza menstrual que permeiam todas as faces do problema. “Aqui, cumpre mencionar a possibilidade de elaboração de campanhas publicitárias de conscientização e de inclusão do tema na grade curricular das escolas. Para além disso, é necessário enfrentar a realidade de que praticamente 1/4 das brasileiras não têm acesso a absorventes devido ao alto custo, o que impede que pessoas menstruantes passem por seus períodos de menstruação de maneira digna”, aponta a advogada.
De acordo com ela, há uma série de medidas que podem e devem ser implementadas conjuntamente de maneira a permitir que mulheres passem por seus períodos de menstruação de forma digna. “Para além da distribuição gratuita de absorventes, é preciso considerar a supressão da tributação sobre absorventes, o aumento da quantidade de absorventes concedidos às presidiárias, a obrigatoriedade de centros educacionais e empresas fornecerem produtos de higiene menstrual e a bonificação de empresas que combatam a pobreza menstrual dentro das comunidades onde estão inseridas”, declara Beatriz Assad.
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