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Litigância predatória prejudica relações consumeristas

Litigância predatória prejudica relações consumeristas

Julgamento do Tema 1198, que prevê revisão de petição em caso de ação abusiva, é importante passo para maior transparência jurídica.

O julgamento do Tema 1198, sobre litigância predatória, está em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sua decisão pode impactar profundamente as práticas processuais de todas as áreas, e no consumo não será diferente. Mas, afinal, quais serão os reflexos dessa possível mudança? Ademais, como essa medida pode contribuir para a transparência no sistema jurídico e melhorar as relações consumeristas?

Importante destacar que o Tema 1198 irá determinar se o juiz, ao suspeitar de litigância, poderá solicitar que a parte autora corrija a petição inicial. Ademais, ela terá que apresentar documentos que fundamentem os pedidos feitos no processo. O julgamento do Tema 1198 teve início em 21 de fevereiro no STJ e está previsto para ser retomado em agosto próximo.

O julgamento da litigância predatória

Na primeira fase do julgamento do Tema 1198, o ministro relator do recurso repetitivo, Moura Ribeiro, propôs o estabelecimento de uma tese que reconhecesse como válida a decisão judicial de aceitar documentos capazes de “fundamentar minimamente as alegações”. Esses documentos deveriam ser apresentados no início do processo, desde que devidamente justificada e considerando as especificidades de cada caso. A sessão foi interrompida devido ao pedido de vista do ministro Humberto Martins.

Na ocasião, o relator Moura Ribeiro destacou que é aceitável a entrada de ações em massa em áreas como telefonia, planos de saúde e previdência. Contudo, em suas palavras, o Brasil tem enfrentado um grande número de processos sem fundamentos. Moura Ribeiro definiu, inclusive, a prática como “um abuso do direito de ação”. Em outras palavras, esses processos não apenas dificultam o exercício da jurisdição efetiva, mas também criam sérios problemas de política pública, conforme identificado por órgãos de inteligência de diversos tribunais.

Vale destacar que, em outubro de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu o Centro de Inteligência do Poder Judiciário por meio da Resolução nº 349, sendo posteriormente alterado pela Resolução nº 441. Dentre as responsabilidades dos Centros de Inteligência, estão a prevenção do surgimento de processos repetitivos ou em massa através da identificação das causas que geram os litígios em todo o território nacional. Ademais, o Centro propõe ao CNJ recomendações para padronização de procedimentos e rotinas cartorárias e sugestões para aprimorar a legislação relacionada às demandas repetitivas ou em massa.

Impacto da litigância predatória no consumo

Thais Mattalo, sócia do Machado Meyer Advogados.

Fato é que o julgamento do Tema 1198 afeta consumidores e empresas de diferentes setores. Entender suas implicações é fundamental para a proteção dos direitos e interesses de todos os envolvidos. A decisão terá um impacto direto na forma como questões jurídicas são tratadas, podendo influenciar a conduta de litigantes e advogados. É essencial estar atualizado sobre as mudanças e se adaptar a elas.

Por consequência, consumidores poderão se beneficiar de um ambiente jurídico mais equilibrado, com menor incidência de práticas abusivas e excessos no judiciário. Já as empresas terão a oportunidade de atuar em um cenário mais justo e seguro.

Em entrevista exclusiva ao Portal Consumidor Moderno, a especialista em relações de consumo Thais Mattalo Cordeiro, do Machado Meyer Advogados, trata da importância do Tema 1198, que vai além do âmbito jurídico, refletindo na sociedade como um todo. Ela também explica se as medidas que estão em curso no país atualmente têm capacidade de diminuir ou até mesmo extinguir a prática.

CM: Em 2023, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu a Diretriz Estratégica nº 7, orientando as Corregedorias Estaduais a empenharem esforços na promoção de melhores práticas e protocolos para combater a litigância predatória. Essa Diretriz, juntamente com ações das Coordenadorias dos Núcleos de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopedes) e dos Centros de Inteligência Judicial dos Tribunais de Justiça, tem capacidade de combater a litigância predatória, a qual só vem crescendo no país?

As iniciativas do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais de Justiça, em conjunto com as ações dos Numopedes, certamente compreendem esforços fundamentais para o combate da litigância predatória. No entanto, o crescimento dos litígios infundados nos últimos anos demonstra que, se por um lado se faz cada vez mais necessária a realização desse tipo de monitoramento, por outro, tal medida não é capaz de, apartada de outras iniciativas, coibir esse tipo de ação.

Ainda assim, é importante que o Poder Judiciário tenha acesso a esse tipo de dados, tanto para visualizar os campos mais afetados pela litigância predatória, quanto para tomar medidas efetivas que coíbam tal prática, o que certamente demandará pleno conhecimento de como operam os advogados que se utilizam do direito de ação de forma ilegal e lesiva.

CM: Em sua visão, como deve ser o combate à litigância predatória?

O combate concreto à litigância predatória se dará de forma plena por meio das vias legais para tal, seja com iniciativas do Poder Legislativo, seja com novas interpretações dos Tribunais Superior à respeito do exercício do direito de ação, tal como ocorrerá no julgamento do Recurso Especial nº 2.021.665 (Tema 1.198) pela Corte Especial do STJ, em que se definirá se o magistrado, ante a suspeita de ocorrência de litigância predatória, pode exigir que a parte autora emende a petição inicial e apresente documentos capazes de embasar os pedidos apresentados no processo.

CM: Há mesmo um grande volume de litígios predatórios na seara consumerista?

De acordo com os dados colhidos pela Rede de Inteligência do Poder Judiciário em uma nota técnica, há uma série de matérias sobre as quais incidem as práticas predatórias como, por exemplo, as relações consumeristas. Mas não é só. A litigância está também nas relações entre Estado e servidores públicos, na atuação estatal em geral, nas relações previdenciárias e nas questões trabalhistas. Isso só para enumerar os mais frequentes focos do abuso do direito de ação.

Assim como ocorre com os outros temas, demandas relativas a relações de consumo não só podem ser ajuizadas de forma massificada, como compreendem temas que são comuns na vida do cidadão e, portanto, tem consideráveis ocorrências.

Só para exemplificar, recente estudo do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Maranhão detalhou práticas abusivas baseadas em contratos de empréstimo consignado, após o Tribunal consolidar entendimento sobre o tema. As demandas eram ajuizadas de forma persistentes em determinadas comarcas, patrocinadas por um número pequeno de advogados que, muito provavelmente, abordavam essa série de consumidores com base apenas na existência desse empréstimo por eles contratado, sem investigar a ocorrência de ato ilícito, para então ajuizar a ação de forma abusiva.

Também como exemplo, tem-se que os Centros de Inteligência e os Núcleos de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopedes) dos Tribunais do país identificaram como focos relevantes de práticas predatórias dois dos mais demandados assuntos na Justiça Comum Estadual (conforme números do CNJ), quais sejam, em primeiro lugar, Direito Civil – Obrigações/Espécies de Contratos, com 6.231.344 de ações (3,74%); e, em segundo lugar, Direito do Consumidor: Responsabilidade do Fornecedor/Indenização por Dano Moral, com 3.108.129 (1,87%).

Tais ações englobam feitos como ações declaratórias de inexistência de débito com pedido de exclusão de negativação, frequentemente acompanhado de pleito de indenização por danos morais, ações revisionais de contratos bancários em geral e diversas ações em que se discutem empréstimos bancários, e pelo menos 30% de sua distribuição média mensal consistiria em demandas artificialmente criadas.

Prejuízos para empresas

CM: Na seara consumerista, a litigância predatória tem impactado, com prejuízos, empresas de diferentes setores da economia. Em especial, estão as do ramo financeiro, de telecomunicações, saúde, seguros e varejo em geral. Isso reflete, em sua opinião, no Judiciário e volta em efeito bumerangue para a sociedade?

A litigância predatória importa em prejuízos para todos os envolvidos na equação. No tocante às empresas, o ajuizamento dessas ações traz custos com a contratação de advogados, em primeiro lugar. Em segundo lugar, estão a demanda de seus funcionários internos e aqueles relativos à própria movimentação do Poder Judiciário, como custas processuais. Além disso, o próprio Poder Judiciário sofre prejuízos severos.

Conforme a nota técnica do Poder Judiciário, os prejuízos causados estão consubstanciados no “consumo de recursos públicos de elevadíssimo valor e de tempo que deveria ser destinado ao processamento e decisão de feitos e atos processuais que representam regular exercício do direito de ação, com aumento relevante do tempo médio de tramitação processual”. A nota técnica, analisando as despesas com o ajuizamento de dois tipos de demanda específicas que normalmente se relacionam com a litigância predatória, estimou que, apenas em relação a esses dois tópicos, o prejuízo da tramitação de tais processo na Justiça Estadual é da ordem de R$ 25 bilhões.

O abuso do direito de ação tem evidente reflexo sobre a própria sociedade, visto que os serviços judiciários são custeados por meio de impostos. Isso se dá não só em relação às empresas, mas especialmente em relação aos consumidores. Nesse ínterim, a sociedade, além de sofrer prejuízo econômico e desperdício dos altos valores pagos à título de tributo, ainda tem seu regular direito de ação prejudicado pela morosidade do Poder Judiciário por eles próprios custeados. Em parte, causada pela grande quantidade de tempo dispendida pelos servidores e pelos juízes para o processamento e julgamento de lides artificialmente criadas.

CM: No consumo, a litigância predatória pode ser interpretada como um efeito da causa “uma sociedade cada vez mais massificada”?

Uma consequência deturpada do livre direito de ação, privilegiada por meio da Constituição Federal e do Código de Processo Civil, é a litigância predatória. Ambos os dispositivos garantem o pleno acesso do cidadão ao Poder Judiciário, inclusive livre de custeios. Não obstante a necessidade de garantir-se tal direito, é necessário que os Poderes Judiciário e Legislativo observem condutas de determinados grupos. Esses grupos, ignorando o verdadeiro objetivo do direito de ação, criam lides de forma artificial. Por consequência, prejudicam sobremaneira o funcionamento do Poder Judiciário criando, paralelamente, a sensação difusa de que a justiça não funciona. Isso se dá por causa de um volume desproporcional de processos que compromete a sua celeridade.

O direito admite plenamente lides massificadas e repetitivas. Dessa maneira, os próprios relatórios dos Centros de Inteligência dos Tribunais brasileiros fazem a diferenciação dessas categorias com a litigância predatória. Indícios de práticas ilegais destacam essas ações. Entre os ilícitos específicos, destaque para a falsificação de documentos ou na utilização de documentos de terceiros. Também é possível que ocorram com o ajuizamento de demandas massificadas de forma estratégica de forma a causar danos a terceiros, entre outros.

CM: Quais estratégias seriam adequadas para combater a litigância predatória, do ponto de vista dos direitos do consumidor?

Do ponto de vista do consumidor, é importante prezar por conhecer efetivamente seus direitos nas relações de consumo. Por consequência, quando consultado por um advogado para ajuizamento de eventual ação, verificar se aquela demanda parece fazer sentido. Existe, primeiramente, uma relação jurídica entre o consumidor e aquele que seria a contraparte na ação?

Se sim, alguém lhe causou algum prejuízo de fato? Foram solicitados todos os documentos necessários para análise do assunto, como documentos pessoais e eventuais contratos celebrados? É fundamental que o consumidor se atente para soluções apresentadas que sejam fáceis demais. Ademais, é preciso analisar os resultados sem qualquer tipo de custo e com benefícios exagerados e rápidos.

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