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O caso Joca: animais não são bagagens

O caso Joca: animais não são bagagens

Ausência de legislação específica resulta em condições precárias para pets, como cães e gatos, durante o transporte aéreo no Brasil.

Mahatma Gandhi, o líder espiritual indiano, disse certa vez que podemos julgar a grandeza de uma nação pelo modo como a população trata seus animais. Pois bem: o caso recente da morte do Joca, cachorro da raça golden retriever, que viajava sob os cuidados da companhia aérea Gol, reativou as discussões sobre os direitos de animais (e de seus tutores) no transporte aéreo.

Fato é que no Brasil não existe uma legislação padrão para o transporte de animais em aeronaves. Em geral, os animais devem ser transportados no compartimento de carga dos aviões, como se fossem objetos.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não tem nenhuma regulação sobre o transporte aéreo de animais. O único tipo que recebe um tratamento especial é o cão-guia, cujo transporte é regido pela Resolução 280, de 2013.

O caso Joca

O cachorro Joca, um golden retriever de cinco anos, lamentavelmente faleceu no dia 22 de abril durante o transporte aéreo devido a um erro no destino. A empresa deveria transportar o cachorro do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para Sinop, no Mato Grosso. Lá ele seria recebido por seu tutor, mas um erro fez com que ele fosse levado para Fortaleza, Ceará.

Os familiares do tutor alegam que a empresa não forneceu os cuidados necessários ao animal. Em um vídeo compartilhado por eles, é possível ver Joca bebendo água de uma garrafa plástica através das grades do kennel.

Regras para transporte de animais

Em geral, as companhias aéreas brasileiras estipulam que, se os animais tiverem menos de oito quilos, podem ir acompanhado de seus tutores, na cabine. Para tanto, a regra é que ele se mantenha, durante todo o voo, na caixa de transporte. Animais maiores, exceto em casos de suporte emocional, são levados junto com as bagagens.

Em síntese, os cães de apoio emocional, como o próprio nome sugere, são destinados a fazer companhia a pessoas que sofrem de algum transtorno emocional. Eles recebem esse nome por transmitir conforto, segurança, tranquilidade e estimular o bem-estar. Em princípio, os cães de apoio emocional podem viajar nos pés do passageiro ou debaixo do assento dianteiro, sem obstruir corredores. O animal não pode ser colocado em saídas de emergência.

Assim sendo, independentemente de o animal ser de apoio emocional ou não, o tutor deve cumprir uma série de formalidades, entre elas atestados de saúde e comprovante de vacinação. Analogamente, mesmo quando todas essas normas são seguidas pelos consumidores, os problemas podem ser ocasionados pelas próprias companhias aéreas, as quais, inclusive, acumulam processos judiciais.

Processos judiciais

Em 2015, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou a Varig a pagar R$ 6 mil em danos morais para um passageiro que embarcou em São Paulo com um buldogue inglês. Só para ilustrar, o cão, que participava de torneios de raça, tinha 10 anos e seu tutor portava o atestado veterinário autorizando as viagens. O animal morreu durante a viagem e chegou sem vida no destino, João Pessoa, Paraíba.

Em 2021, ocorreu outro caso, dessa vez envolvendo a LATAM. O cão da raça american bully chamado Weiser saiu do aeroporto de Guarulhos em uma caixa de madeira com destino a Aracaju. O cachorro, que tem em média 50 quilos, foi despachado por volta de 8 horas. Nesse ínterim, até 12h30, quando o avião decolou, o animal ficou preso.

Em outras palavras, durante todo o tempo, o animal não teve acesso nem a água nem a comida, e tampouco pode sair da caixa para fazer suas necessidades. Giuliano Contem, o engenheiro civil e tutor, quando chegou no destino, foi surpreendido com a informação de que seu cão tinha morrido.

Cachorro da raça american bully, que pesa em média 50 quilos.

Na Justiça, o consumidor afirmou que o cachorro estava habituado a viajar de avião, inclusive pela LATAM. Giuliano Contem contou que o cão costumava ser acomodado em uma caixa de acrílico.

“Fatalidade devido à raça”

Entretanto, naquela ocasião, a companhia aérea não havia autorizado o uso desse material. Por sua vez, a LATAM alegou que, certamente, não cometeu falhas durante o transporte e que o falecimento do animal foi uma mera “fatalidade devido às características naturais da raça do cão”.

A decisão judicial foi dada em setembro de 2023. Embasada no laudo médico, que identificou fragmentos de madeira da caixa no estômago do cachorro, a juíza Carolina Bertholazzi considerou que a Latam foi sim responsável pela morte do animal de estimação.

Em suma, a magistrada apontou que a ré não demonstrou ter tomado todas as medidas necessárias para garantir o transporte e entrega do cão em perfeitas condições, prevalecendo assim sua responsabilidade objetiva, que se dá quando a ação [ou inação] resulta em prejuízos ou danos a terceiros, mesmo sem culpa.

Ela então determinou o ressarcimento de R$ 2.097,36 por danos materiais e R$ 10 mil por danos morais. Houve um recurso, o qual ainda não foi julgado.

Animais x Cargas

Assim, volta e meia o transporte de animais em compartimento de cargas em aeronaves tem virado notícia. E assim, as perguntas que não querem calar são: a quem compete a responsabilidade? Os animais estão sendo realmente transportados de acordo com os princípios de saúde e bem estar? Será que o problema está na falta de regulamentação?

A Portaria nº. 676/2000, da Anac, não proíbe expressamente a permanência de animais na cabine de aeronaves. Portanto, essa é uma relação de consumo que contém uma discricionariedade.

Discricionaridade é um termo que diz respeito à liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei. Em outras palavras, a legislação concede livre-arbítrio diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas, porém, válidas perante o direito.

A Portaria para transporte de animais

As regras para o transporte de animais vivos estão na Seção V da Portaria e dizem o seguinte:

Art. 45. Os animais vivos poderão ser transportados em aeronaves não cargueiras, em compartimento destinado a carga e bagagem.

Art. 46. O transporte de animais domésticos (cães e gatos) na cabina de passageiros poderá ser admitido, desde que transportado com segurança, em embalagem apropriada e não acarretem desconforto aos demais passageiros.

Art. 47. Será permitido, na cabina de passageiro, em adição à franquia de bagagem e livre de pagamento, o transporte de cão treinado para conduzir deficiente visual ou auditivo, que dependa inteiramente dele. Parágrafo único. Por ocasião do embarque, o passageiro deverá apresentar atestado de sanidade do animal, fornecido pela Secretaria de Agricultura Estadual, Posto do Departamento de Defesa Animal ou por médico veterinário.

Família multiespécie

Muitos tutores de animais estão recorrendo ao Poder Judiciário para resolver essa lacuna. Considerando que os animais fazem parte da família, com o surgimento do conceito de família multiespécie – formada pelo núcleo familiar composto por humanos convivendo com seus animais de estimação, é evidente que o transporte aéreo no compartimento de carga é inviável e insalubre, colocando em risco a vida do animal.

Alexandre Rodrigues, professor da ESEG – Faculdade do Grupo Etapa, especialista em direito do consumidor, comenta que o caso dos cães que perderam suas vidas em porão de aeronaves gera inúmeros efeitos.

Em primeiro lugar, destaque para o crime ambiental de maus tratos contra animais domésticos, segundo o art. 32 §1º-A da Lei nº. 9.605/1998, o que pode gerar pena de reclusão, multa e proibição da guarda.

Em segundo lugar, consta outro efeito, neste caso para o direito do consumidor. Isso porque a fatalidade se reflete como acidente de consumo, previsto no art. 14 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Ser vivo senciente

“No caso do Joca, a Gol se enquadra como fornecedora de serviço de transporte aéreo de encomendas. Em suma, ela é responsável por uma obrigação de resultado, a qual só se confirma com a entrega do animal no local determinado, em perfeitas condições”, comenta o professor.

Alexandre Rodrigues comenta que o Direito não considera um cachorro uma pessoa, mas também não pode entendê-lo como um mero objeto. “Porque o animal é um ser vivo senciente, passível de proteção jurídica como fauna ambiental. Primordialmente, a morte do cachorro gera danos materiais e principalmente morais para seu tutor”.

Assim, na tentativa de que não aconteçam mais mortes de animais nos porões das aeronaves, Rafael Saraiva e Marangoni, respectivamente deputados estadual e federal (União/SP), tiveram uma reunião com o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, para cobrar providências urgentes relacionadas ao transporte aéreo de animais.

Marangoni conta que a fatalidade fez com que ele protocolasse dois requerimentos de informações cobrando o Ministério: o primeiro deles sobre as regras para o transporte de animais em voos domésticos e internacionais no âmbito da Anac. Em segundo lugar, o documento diz respeito à apreciação e melhorias no texto do Projeto de Lei º. 3759/2020, que prevê o transporte aéreo de animais domésticos.

A matéria estabelece que as empresas aéreas poderão restringir a quantidade de animais na cabine, consoante o tamanho da aeronave.

Dois animais por voo seria o limite máximo. Ademais, o projeto estipula que os animais podem ser proibidos com base em alguns parâmetros. Entre eles, peso, raça, tamanho ou por representarem uma ameaça direta à saúde ou segurança dos demais passageiros.

Falha da Gol no transporte do Joca

Para Saraiva, houve falha da Gollog. “O que era para ser uma viagem simples de avião, virou um pesadelo. Tanto para o Joca, quanto para toda a família dele e para todos que estão envolvidos com a causa animal. A empresa não acionou veterinário, foi negligente”, disse o deputado estadual.

“Animal não é bagagem e essa história não pode acabar assim, como mais um caso de repercussão na mídia. Precisamos de medidas exequíveis em nível nacional. Tivemos uma conversa franca com o ministro, que se prontificou a nos atender, nem que para isso tenhamos que criar novas regras ou alterações na lei”, disse Marangoni.

Nova regulamentação

Por sua vez, a advogada Jaciara Caetano Jobim enaltece que o caso Joca demanda a revisão das regulamentações para garantir proteção aos animais.

“A compensação legal não conseguirá desfazer o dano causado. Isso é fato. Entretanto, a indenização é valida para garantir que justiça seja feita. Ademais, ela é útil para incentivar melhorias nas práticas de transporte de animais”, explica a advogada do Jobim Advogados Associados.

Jaciara Caetano Jobim, advogada do Jobim Advogados Associados.

Na visão de Jaciara, a responsabilidade das companhias aéreas, portanto, está sob intenso escrutínio. “Este caso reforça a necessidade de um olhar mais atento e regulamentações mais robustas no transporte de animais. Decerto, precisamos garantir que a segurança dos animais seja uma prioridade equivalente à dos humanos”.

A Anac vai realizar uma audiência pública em Brasília para discutir as normas de transporte aéreo de animais. O evento ocorrerá presencialmente no dia 2 de maio. Juntamente com o evento, haverá uma consulta aberta ao público que se estenderá por 15 dias. A agência busca coletar informações que possam contribuir para aprimorar o transporte de animais e espera receber propostas das companhias aéreas.

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