O Tribunal Regional Federal da 2ª Região confirmou a anulação do registro da marca nominativa Língua de Gato. O nome, até então, pertencia exclusivamente à NIBS Participações S.A., a responsável pela Kopenhagen. Tal decisão valida o entendimento da 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro em primeira instância. Ademais, ela abre as portas para que outras empresas do setor possam utilizar a expressão na comercialização de chocolates e doces no mesmo formato.
A disputa começou em 2024 com a ação proposta pela AllShow Empreendimentos e Participações Ltda. (Cacau Show), que desafiou os registros nº 906.413.478 e nº 906.413.966, nas classes 30 e 32. Essa controvérsia surgiu após a Cacau Show lançar um produto, o Panetone Miau. Ele trazia a descrição “Panettone Clássico com chocolate ao leite em formato de língua de gato“. Isso, na perspectiva da Nibs, representaria uma tentativa de se beneficiar da marca Língua de Gato.
A análise desse caso envolve a avaliação dos critérios para a validade do registro de marcas. Esses critérios incluem a distintividade, a possibilidade de confusão de consumidores e a natureza do uso das expressões no mercado. Ademais, a batalha legal abrange discussões sobre a concorrência desleal, considerando que ambas as empresas competem no mesmo segmento de mercado. A percepção do público sobre os produtos e como os nomes influenciam essa percepção também é uma dimensão importante no desfecho desse litígio.
Uso da Língua de Gato
A Cacau Show disse que “Língua de Gato” é apenas uma maneira de descrever um tipo de chocolate. Em outras palavras, esse nome é conhecido no mundo há um século quando se fala de chocolates com formato de uma língua de gato. Por isso, anteriormente, a Justiça Federal já havia determinado que o nome não é exclusivo para uso por apenas uma empresa, referindo-se à Kopenhaghen. Agora, o TRF-2 confirmou essa decisão, lembrando que é importante proteger nomes que são comuns para que as empresas possam competir livremente.
“A combinação da expressão ‘Língua de Gato‘ com um chocolate nesse formato específico não configura uma marca. Não existe distintividade apenas na expressão verbal, sem desconsiderar outras marcas já registradas pela Kopenhagen em um conjunto misto. A proteção exclusiva da expressão nominativa concederia a um indivíduo o monopólio sobre um nome de produto. E isso é contrário aos princípios da livre concorrência,” afirma Carolina Noel, sócia da Daniel Advogados e representante da AllShow.
A NIBS, por sua vez, argumentou que a marca teria adquirido distintividade devido ao uso contínuo e à associação com a empresa, fenômeno conhecido como secondary meaning. Esse fenômeno ocorre quando uma marca, embora não tenha uma distintividade intrínseca, consegue ganhar um significado especial na mente dos consumidores devido à utilização prolongada no mercado e à conexão que estabelece com produtos ou serviços específicos. Em outras palavras, para a Kopenhaghen, a popularidade e a presença da marca Língua de Gato em campanhas de marketing e na prática comercial contribuíram significativamente para que os consumidores a associassem a certos padrões de qualidade e confiabilidade.
No entanto, essa argumentação foi rejeitada tanto em primeira quanto em segunda instância, com base em provas documentais e pesquisas apresentadas pelas partes.
Lei da Propriedade Industrial
A decisão do TRF-2 fundamentou-se no artigo 124, inciso VI, da Lei da Propriedade Industrial (LPI), que proíbe o registro de sinais descritivos, designativos ou de uso comum em relação ao produto ou serviço. Esse artigo, ao estabelecer tal proibição, visa garantir que marcas que realmente possam distinguir produtos ou serviços no mercado tenham suas identidades preservadas, evitando a concorrência desleal e a confusão entre os consumidores.
Marcas que consistem em termos comuns ou que descrevem as características dos produtos não podem ser aproveitadas por um único agente econômico, pois isso poderia restringir o acesso de outros ao uso de palavras que são essenciais para a comunicação e promoção de produtos ou serviços. Assim, a proteção da propriedade industrial não deve ser utilizada como um instrumento para monopolizar conceitos que são de domínio público.
Opinião da especialista
Na visão de Carolina Noel, a Justiça demonstrou uma grande maturidade e profundo conhecimento técnico ao manter o uso comum do termo para toda a coletividade. “Em suma, a decisão reforça a importância da adequada aplicação da LPI e evitando distorções no sistema de marcas,” ressalta Noel, destacando que a confirmação em instância superior traz mais segurança jurídica para o setor.
É importante dizer que, além de manter a decisão de que o registro nº 906.413.478, que se refere a chocolates e doces, não é válido, também foi decidido que o registro nº 906.413.966, que diz respeito a bebidas em geral, também não é válido. Isso aconteceu porque a AllShow pediu para mudar a decisão que tinha sido dada antes, que aceitava parcialmente os pedidos dela. Portanto, a Kopenhagen não tem o direito exclusivo de usar o nome “Língua de Gato” para bebidas, como achocolatados ou milkshakes.
Repercussões no mercado
A decisão tem um impacto significativo para o setor alimentício, especialmente para empresas que atuam no segmento de chocolates, tanto artesanais quanto industriais, e doces em geral. Com a anulação da exclusividade, outras marcas agora poderão utilizar o termo “Língua de Gato” em seus produtos, desde que respeitados os demais direitos marcários e regulatórios.
“Isso é um alívio importante para a competitividade no mercado,” conclui Noel. “Reconhecer que termos genéricos e descritivos pertencem ao domínio público é fundamental para evitar a apropriação indevida de nomes que descrevem diretamente os produtos”.
As partes ainda têm a possibilidade de recorrer da decisão, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No processo, a Kopenhagen é representada pelo escritório Dannemann Siemsen, enquanto a AllShow (Cacau Show) é assistida por Daniel Advogados.
Benefícios para o consumidor
Fabio Leme é sócio da Daniel Advogados. Ele diz que a decisão que anulou os registros da marca nominativa ‘Língua de Gato’, referente a chocolates, doces e bebidas em geral, é fundamental. Isso porque ela fará com que a população compreenda que ‘Língua de Gato’ não é uma marca exclusiva da Kopenhagen. Nem de qualquer outra empresa ou indivíduo.
“Este é o nome de um tipo de chocolate, e isso ficou reconhecido na decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Com essa decisão, empresários de todos os tamanhos —grandes, médios e pequenos — não precisam mais temer o uso da expressão ‘Língua de Gato’ para descrever ou mencionar o chocolate. Muitos desses empreendedores, incluindo os menores, já enfrentaram notificações ou interpelações da Kopenhagen no passado, que alegava que essa expressão era de sua exclusividade ou propriedade. No entanto, é importante deixar claro: não é uma marca, título ou propriedade de ninguém; é o nome do chocolate. Assim, deve ser conhecido e reconhecido por empreendedores do setor de chocolates, doces, bebidas e até alimentos em geral, bem como pela classe consumidora”, explica o especialista.
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